REGISTRO, SP (FOLHAPRESS) - Nos últimos dias, Renato Bolsonaro anunciou com alarde o maior evento de sua campanha para prefeito de Registro, interior de São Paulo: uma motociata-carreata com a presença do irmão Jair, ex-presidente da República, e do governador Tarcísio de Freitas, marcada para esta terça (10).
É um esforço concentrado dos padrinhos ilustres para alavancar uma candidatura tida como pouco promissora ao comando da principal cidade do Vale do Ribeira, sul de SP, região mais pobre do estado e base da família Bolsonaro.
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Os pais de Jair e Renato se instalaram ali nos anos 1960, e até hoje a maioria dos seus descendentes vive e tem negócios e propriedades em cidades vizinhas a Registro.
Mais novo que Jair (69 anos), Renato, 60, é um dos cinco irmãos do ex-presidente. Ambos são capitães reformados do Exército, mas, no campo eleitoral, um abismo os separa.
Jair ganhou 8 das 9 eleições que disputou - sua única derrota foi em 2022. Renato, ao contrário, é ruim de voto: nas 8 já disputadas (para vereador, prefeito ou deputado federal), perdeu 7 e ganhou só uma, para vereador, em Praia Grande, em 1996 (teve 834 votos).
Concorre agora pelo mesmo PL do irmão, seu oitavo partido diferente. Entrou de última hora, como terceira opção da sua nova sigla.
A primeira alternativa tentada por Jair Bolsonaro foi o ruralista Jeferson Magario, produtor de banana -carro-chefe da economia da região. Magario não topou. "Eu já tinha dado a minha palavra ao Samuel que o apoiaria, expliquei isso para o Jair", relata, em referência ao ex-prefeito e ex-deputado federal Samuel Moreira (PSD), hoje o favorito para vencer a eleição.
A segunda opção do PL era o atual prefeito de Registro, Nilton Hirota. Em abril, ele trocou o PSDB pela tropa de Bolsonaro e foi lançado pré-candidato à reeleição pelo presidente do partido, Valdemar Costa Neto.
Dois meses depois, a reviravolta foi anunciada por Tarcísio em outro vídeo: entre Hirota e Renato, o governador informa que o prefeito está "gentilmente cedendo sua pré-candidatura" ao irmão do ex-presidente. E avisa ao "nosso pré-candidato" que "as portas do Governo do Estado sempre vão estar escancaradas" para ele.
Quase simultaneamente, em mais um vídeo, Renato diz, ao lado de Hirota: "É um dia especial, onde estamos aí se propondo [sic] a trabalhar pela vida, pelo bem comum de todos na cidade". Começava a mais ambiciosa empreitada eleitoral de um Bolsonaro no reduto da família.
Desde então, o irmão-candidato busca correr contra o tempo e aposta suas fichas em Jair e Tarcísio para reverter o favoritismo de Samuel Moreira.
Um dos mais bem-sucedidos políticos da região, o candidato do PSD é um ex-tucano que foi presidente da Assembleia Legislativa (2013-2015), chefe da Casa Civil do governo Geraldo Alckmin (2016-2018) e relator da reforma da Previdência de 2019.
Vítima da debacle do PSDB, Samuel não se reelegeu deputado federal em 2022. Migrou para o PSD de Gilberto Kassab e, para tentar retornar ao cargo de prefeito que já ocupou por dois mandatos (de 1997 a 2004), montou uma coalizão com 11 partidos da direita à esquerda, incluindo o Republicanos de Tarcísio -e do seu candidato a vice, o vereador Fabio Tatu.
Já Renato Bolsonaro tem apenas um outro partido em sua coligação, o Novo. Nenhum dos 13 vereadores da cidade está com ele: 12 apoiam Samuel, e a 13ª é Sandra Kennedy (PT), que concorre com os dois à prefeitura. A coligação de Samuel tem 143 candidatos a vereador; a de Renato, 25.
O cenário escancara uma verdade incômoda para os Bolsonaro: a base que apoiou maciçamente Jair em Registro - onde teve 71,7% dos votos no segundo turno em 2018 e 62,4% em 2022 - está em sua maioria com Samuel, não com Renato.
"Por ser ruralista, tenho conceitos mais de direita, voto mais em candidatos desse campo, apoiamos o Jair. Por isso estão chateados comigo, me chamam de traidor por apoiar o Samuel", conta o bananicultor Magario, candidato a vereador pelo Podemos.
A candidata petista Sandra Kennedy, ex-prefeita de Registro (2009-2012), aponta que apoiadores típicos do bolsonarismo na cidade, como a igreja evangélica Bola de Neve e políticos egressos das forças de segurança, como o vereador Capitão Renato, migraram para o candidato do PSD.
"Todos os valores do bolsonarismo estão representados na candidatura do Samuel. Só ficaram com Renato os quarteleiros [que acamparam em frente a quartéis]", diz Sandra.
Samuel rebate: "Não me importo em ser candidato de Lula ou de Bolsonaro, não atrapalha em nada minha convicção em fazer o que for melhor para a cidade".
Nos bastidores, representantes das três candidaturas afirmam que pesquisas internas mostram hoje Samuel à frente, com Sandra e Renato disputando o segundo lugar. Com 60 mil habitantes (45 mil eleitores), Registro não tem segundo turno.
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Entre os três candidatos, Renato foi o que declarou maior patrimônio à Justiça Eleitoral (R$ 3,2 milhões, contra R$ 773,5 mil de Samuel e R$ 152,7 mil de Sandra). É um aumento de 459% em relação ao declarado em sua penúltima eleição (para prefeito de Miracatu, em 2012) e de 229% sobre a última (para o mesmo cargo, em 2016).
A maior novidade da última declaração foi o surgimento de um terreno em Miracatu avaliado em R$ 2,3 milhões. Indagado sobre a compra por meio de sua assessoria, Renato Bolsonaro não deu resposta. O candidato se negou a dar entrevista.
À Justiça Eleitoral Renato se autodeclarou empresário. Os Bolsonaro possuem lojas de móveis e outros comércios em cidades do Vale do Ribeira. Durante a trajetória política de Jair, o patrimônio da família se multiplicou, graças em boa parte à aquisição de propriedades na região. Como revelou reportagem do UOL em 2022, metade do patrimônio do clã foi comprada em dinheiro vivo.
Quando Jair foi eleito presidente, Renato ficou impedido por lei de disputar eleições. Virou um agente informal do governo, intermediando verbas federais para aliados. Em 2021, foi nomeado chefe de gabinete da Prefeitura de Miracatu. "Ele é praticamente o prefeito de fato da cidade. Tudo passa por ele, quem manda e desmanda é ele", diz o vereador oposicionista Zezequinho Herculano (PSB).
Em dezembro passado, Renato representou Miracatu na assinatura, junto com Tarcísio, de convênios para liberação de verbas de infraestrutura na cidade.
O fato de Renato vir de Miracatu é criticado por moradores de Registro e explorado por seus adversários.
O irmão-candidato tem usado o mesmo jingle de Jair em 2022 ("Vota, vota e confirma, 22 é Bolsonaro"). A principal bandeira eleitoral é a melhoria na área de saúde. Promete rever contratos e criar escolas cívico-militares.
Sua campanha tem distribuído um jornalzinho apócrifo com ataques aos adversários. Um dos títulos diz que Samuel "acabou com a aposentadoria na reforma da Previdência" (mas não informa que o projeto era do governo Bolsonaro).
Resignado por ter sido trocado, o prefeito Hirota - cuja gestão, mal avaliada, não ajuda o substituto - ataca os aliados que migraram para Samuel ("ignóbeis, vermes da política") e aposta numa reviravolta para levar enfim um Bolsonaro a vencer no torrão da família. "Tudo pode acontecer. Tem muitas surpresas. Vi muitos políticos [favoritos] perderem a cinco dias das eleições."