Mesmo com explosão da comunicação digital, tempo de propaganda no rádio e televisão segue relevante para campanhas eleitorais -  (crédito: TV/Reprodução)

Mesmo com explosão da comunicação digital, tempo de propaganda no rádio e televisão segue relevante para campanhas eleitorais

crédito: TV/Reprodução

Com quase duas semanas completas de propaganda eleitoral gratuita nas emissoras de televisão e rádio, os candidatos à Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) se tornam figuras mais familiares aos eleitores e tentam usar com astúcia cada escasso minuto disponibilizado pela legislação. Antes visto como instrumento central nas estratégias de campanha, o Horário Eleitoral Gratuito hoje faz parte do turbilhão de alternativas que os times de marketing têm à disposição. Levantamento feito pelo Estado de Minas mostra que só Márcio Lacerda aliou o maior tempo de televisão com sucesso na corrida pelo Executivo neste século. No mesmo período, apenas Alexandre Kalil, em sua primeira tentativa, venceu sem estar entre os dois candidatos com mais espaço nos veículos tradicionais.

 


O cenário ajuda a ilustrar como televisão e rádio passaram a ser menos preponderantes nas campanhas eleitorais ao longo do século em que a comunicação passou por uma revolução digital. Em pleitos anteriores, era mais fácil estabelecer uma relação direta entre mais tempo de horário eleitoral e a vitória, ou menos a presença no segundo turno. Hoje, este espaço ainda é relevante, mas integra um contexto mais sofisticado de meios de comunicação, como discute o professor e pesquisador da UFMG e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD), Camilo Aggio


 

Certamente televisão e rádio perderam força, mas é importante não achar que nós estamos a falar assim de uma forma de comunicação obsoleta e desprovida de efeitos. Na verdade, o que o que temos é uma complexificação. A televisão deixou de ter a importância determinante que já teve, mas não deixa de ter alguma importância dependendo inclusive nas estratégias que são empregadas. Se a gente pensa o que era comunicação de campanha eleitoral até 2018, havia ali certamente um conjunto expressivo de diagnósticos relacionando sucesso de campanha com tempo de rádio de televisão. Depois disso, não é por aí que a banda toca”, comentou o professor, que traça na eleição presidencial de Jair Bolsonaro, então candidato do nanico PSL, em 2018 como um marco na história das campanhas brasileiras.


As regras para veiculação de propaganda eleitoral gratuita mudaram nos últimos vinte anos, inclusive com alterações no tempo destinado aos candidatos. Ainda assim, uma viagem à BH de 2004 em diante pode mostrar uma reação entre o cenário das disputas no campo da comunicação e seus reflexos nas urnas. 


Na eleição de 2004, João Leite (PSDB) tinha o maior tempo de televisão, com 10 minutos e 42 segundos, seguido por Fernando Pimentel (PT), com 9 minutos. Roberto Brant (PFL) vinha depois com apenas 6 minutos e 17 segundos. O petista fez valer o cargo e foi reeleito em primeiro turno com 68,49% dos votos diante de 22,78% do tucano, que não conseguiu transformar seus quase dois minutos a mais nas telas e no rádio em escolhas nas urnas.  


Quatro anos depois, Márcio Lacerda surgiu como nome apoiado pelo governador Aécio Neves (PSDB) e por seu antecessor Fernando Pimentel (PT) em uma dobradinha dos partidos que polarizavam a política nacional. O amplo apoio significou também 24 minutos e 18 segundos no horário eleitoral, 40% de todo o bloco destinado aos candidatos à prefeitura. Seu concorrente mais próximo era Leonardo Quintão (PMDB), com apenas 11 minutos e 24 segundos. Em terceiro lugar vinha a deputada Jô Moraes (PCdoB), com menos de dois minutos.

 


Nas urnas, Márcio venceu Quintão por margem apertada no primeiro turno, 43,59% dos votos ante 41,26%, mas ambos monopolizaram os eleitores assim como fizeram com o tempo de propaganda gratuita. No segundo turno, Lacerda tornou-se prefeito com 59,12% das escolhas contra 40,88% de seu adversário.


A receita se repetiu em 2012. Embora Lacerda já não contasse com o PT o apoiando, teve quase metade do tempo reservado aos candidatos a prefeito na TV e no rádio, com 14 minutos e 19 segundos. Patrus Ananias (PT) vinha na sequência com 8 minutos e 22 segundos e o resto dos candidatos tinha menos de 2 minutos. Nas urnas, a reeleição veio no primeiro turno, com 52,69% dos votos. O petista teve 40,8% das escolhas do eleitorado, mostrando novamente que os dois concorrentes que praticamente monopolizaram a campanha gratuita também o fizeram no dia de votação.


Em 2016 aconteceu a eleição mas fora da curva do século em Belo Horizonte quando se pensa em estabelecer uma relação entre espaço no horário eleitoral gratuito e sucesso em votação. João Leite (PSDB) teve novamente o maior tempo no rádio e TV, com 2 minutos e 39 segundos. Depois dele estavam Rodrigo Pacheco, então no PMDB, com 1 minuto e 33 segundos; Reginaldo Lopes (PT), com 1 minuto e 23 segundos; Sargento Rodrigues, então no PDR, com 52 segundos; Marcelo Antônio,  então no PR com 43 segundos; Luís Tibé, então no PTdoB, com 31 segundos; e só aí Alexandre Kalil, então no PHS, com 23 segundos.


A votação em primeiro turno espelha a primeira colocação dos tempos de TV e rádio, com João Leite liderando ao obter 33,4% dos votos, mas o segundo lugar ficou com Kalil e o nanico PHS. Com 26,56% dos votos, o ex-presidente do Atlético conseguiu chegar ao segundo turno ontem virou para cima do tucano e se sagrou prefeito da capital com 52,98% da preferência dos eleitores.


Na eleição seguinte, Kalil já concorreu à reeleição com 2 minutos e 46 segundos, segundo maior tempo atrás apenas de João Vítor Xavier (Cidadania), que teve 3 minutos e 16 segundos. Nilmário Miranda, com 1 minuto e 9 segundos fechava a lista dos que tinham mais de 60 segundos de propaganda gratuita. Naquele pleito, o então prefeito foi reconduzido ao posto com facilidade com 63,36% dos votos.



Divisão em 2024


No horário eleitoral que está no ar desde 30 de setembro, Bruno Engler (PL) tem o maior tempo, com 2 minutos e 43 segundos. Na segunda posição está o prefeito Fuad Noman (PSD), que poderá veicular seu programa por 2 minutos e 34 segundos. Rogério Correia (PT) vem na terceira colocação com 1 minuto e 49 segundos. A lista segue com Gabriel Azevedo (MDB), com 1 minuto e 7 segundos; Mauro Tramonte (Republicanos), com 50 segundos; Carlos Viana (Podemos), com 27 segundos; e Duda Salabert (PDT), com 26 segundos.


Na última quinta-feira (5/9), o Datafolha divulgou a primeira pesquisa em que é possível comparar as intenções de voto em Belo Horizonte antes e depois do início do horário eleitoral gratuito. Engler, que tem o maior tempo de TV e rádio, cresceu 3 pontos percentuais e chegou a 13% das respostas e está tecnicamente empatado na disputa que tem Mauro Tramonte liderando isolado com 29%.


Segundo maior tempo, Fuad Noman teve o único crescimento acima da margem de erro, saindo de 10% em levantamento feito entre 20 e 21 de agosto para 14% em setembro. Segundo menor tempo de horário eleitoral, Carlos Viana teve variação negativa e caiu de 12% para 5%, deixando o escalão mais próximo da disputa pelo segundo turno.


O restante dos candidatos variou dentro da margem de erro: Tramonte saiu de 27% para 29% das intenções; Engler de 10% para 13%; Duda Salabert de 10% para 13%; e Gabriel caiu de 3% para 2%.




Azarões e suas estratégias


Líder no tempo de TV e rádio nesta corrida pela PBH, Bruno Engler é o apadrinhado de Jair Bolsonaro (PL) no pleito. O ex-presidente teve apenas o 12º maior tempo na eleição presidencial de 2018, quando terminou eleito e sua campanha digital tornou-se um paradigma nas estratégias de comunicação eleitoral. Para o professor da UFMG, Camilo Aggio, a campanha de Engler pode apresentar um cenário de como os meios digitais e os tradicionais se imiscuem na busca por votos em um cenário de eterna campanha e disputa nos canais virtuais.


“O Bruno engler é um produto do bolsonarismo e por ser uma criatura dessa dessa espécie, a comunicação digital é muito importante. É óbvio que há alguma vantagem em ter um tempo destacado de horário gratuito de propaganda eleitoral, principalmente no que diz respeito à possibilidade de chegar a pessoas que não fazem parte da sua dessa sua rede de contatos mais próxima. Mas é preciso sempre pensar no fato de que hoje grande parte do que se faz na televisão é voltado justamente para alimentar a comunicação constante e permanente de campanha nas redes digitais. Com a digitalização da vida, a plataformização da vida, como alguns chamam, temos são campanhas permanentes. Os políticos não deixam de estar fazendo campanha o tempo inteiro para si, para o partido e etc. Isso que tem que ser considerado, muito do que se destaca na televisão é voltado hoje para o consumo digital, onde as pessoas estão conectadas o tempo inteiro e interagindo”, analisa.


Sob a ótica do tempo no horário eleitoral gratuito, os últimos oito anos foram marcados por azarões nas três camadas de poder, com Kalil vencendo o pleito municipal, Bolsonaro na presidência e com Romeu Zema (Novo) tornando-se governador com apenas 6 segundos de TV e rádio, apenas o oitavo menor período nas eleições de 2018.


Para Aggio, as estratégias de comunicação digital que guiaram essas campanhas são diferentes, mas revelam a importância da manutenção de um canal constante de contato e de encontrar nichos para guiar abordagens e criar um público. Além de Zema, Kalil e Bolsonaro, o professor trata também sobre Pablo Marçal, candidato pelo nanico PRTB à Prefeitura de São Paulo neste ano. Sem qualquer tempo no horário eleitoral gratuito, o coach está hoje em um empate triplo na disputa paulistana com o atual prefeito Ricardo Nunes (MDB) e o deputado federal Guilherme Boulos (Psol).

 

Siga nosso canal no WhatsApp e receba em primeira mão notícias relevantes para o seu dia


“As estratégias são bem distintas. Definitivamente não dá para colocar Kalil numa mesma gaveta que Pablo Marçal, Jair Bolsonaro e até mesmo o Zema. Ainda assim, a comunicação digital aparece com relevância. É importante considerar que as estratégias na rede digital não se restringem ao calendário eleitoral. Tanto Zema quanto Marçal são sujeitos que estão sendo abraçados e eleitos pelo bolsonarismo ou a extrema direita brasileira. Esse é um eleitorado que tem suas rotas, seu cotidiano de experiências nas redes digitais. Então entrar nessas rotas é fundamental. Foi assim com Zema e está sendo para um cara como Pablo Marçal. A televisão é uma comunicação muito geral, muito menos específica. O nosso zeitgeist político favorece uma comunicação de nicho e chegar nesses nichos é fundamental. O Kali já é uma outra história então, ele constrói sua própria trilha  para a prefeitura, com um outro público, mas é preciso compreender que público é esse e quais são esses nichos de penetração”, avalia.




Tempo de campanha e resultado eleitoral neste século



2020


Três maiores tempos de TV


João Vítor Xavier (Cidadania) - 03:16

Alexandre Kalil (PSD) - 02:46

Nilmário Miranda (PT) - 01:09



Três primeiros colocados no 1º turno


Alexandre Kalil (PSD) - 63,36%

Bruno Engler (PRTB) - 9,95%

João Vítor Xavier (Cidadania) - 9,22%



2016


Três maiores tempos de TV


João Leite (PSDB) - 02:39

Rodrigo Pacheco (PMDB) - 01:33

Reginaldo Lopes (PT) - 01:23


Três primeiros colocados no 1º turno


João Leite (PSDB) - 33,40%

Alexandre Kalil (PHS) - 26,56% (eleito no 2º turno)

Rodrigo Pacheco (PMDB) - 10,02%



2012


Três maiores tempos de TV


Marcio Lacerda (PSB) - 14:19

Patrus Ananias (PT) - 8:22

Maria da Consolação (Psol) - 1:32



Três primeiros colocados no 1º turno


Márcio Lacerda (PSB) - 52,69%

Patrus Ananias (PT) - 40,80%

Maria da Consolação (Psol) - 4,25%



2008

 

Três maiores tempos de TV


Márcio Lacerda (PSB) - 24:18

Leonardo Quintão (PMDB) - 11:24

Jô Moraes (PCdoB) - 1:46


Três primeiros colocados no 1º turno

Márcio Lacerda (PSB) - 43,59%  (Eleito no 2º turno)

Leonardo Quintão (PMDB) - 41,26%

Jô Moraes (PCdoB) - 8,82%



2004


Três maiores tempos de TV


João Leite (PSDB) - 10:42

Fernando Pimentel (PT) - 9:00

Roberto Brant (PFL) - 06:17


Três primeiros colocados no 1º turno


Fernando Pimentel (PT) - 68,49%

João Leite (PSDB) - 22,77%

Roberto Brant (PFL) - 6,08%