Em Biquinhas, na Região Central do estado, quase 30% dos 2.383 habitantes têm mais de 60 anos -  (crédito: Gladyston Rodrigues/EM/D.A. Pres – 26/4/11)

Em Biquinhas, na Região Central do estado, quase 30% dos 2.383 habitantes têm mais de 60 anos

crédito: Gladyston Rodrigues/EM/D.A. Pres – 26/4/11

Os dados do último Censo Demográfico, realizado em 2022, mostram que o envelhecimento da população brasileira é uma realidade em curso. As projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que a fatia de idosos na pirâmide etária nacional só crescerá nas próximas décadas. Apesar das constatações, o cuidado com esta parcela da população não é exatamente uma prioridade do Poder Público. Ao menos é o que revela o conteúdo dos projetos de governo apresentados pelos candidatos a prefeito nas eleições deste ano, a primeira após a divulgação dos números que revelam que os cidadãos com mais de 60 anos chegaram a seu maior percentual na história do Brasil.

 


Em pouco mais de 20 anos, a população idosa do Brasil passou de 8,7% do total para 14,7% em 2022. Entre 2012 e 2021, o IBGE registrou um aumento de 39,8% no número de brasileiros com mais de 60 anos, que hoje somam mais de 30 milhões de pessoas. A partir dos dados do último censo, a reportagem levantou as cidades de Minas Gerais com maior percentual de idosos e averiguou se a atenção a esta camada da população está presente nos projetos de quem pleiteia governar estes municípios.

 


A pequena Biquinhas, na Região Central Mineira, tem 29,84% de seus 2.383 habitantes com mais de 60 anos de idade. É a cidade com o maior percentual de idosos do estado e tem três nomes no páreo para a prefeitura: Berrante (Rede), Carlos da Vó (MDB) e Cride (PSDB). Apesar de ter, proporcionalmente, quase o dobro de cidadãos idosos do país, o tema é abordado sem grande ênfase na proposta dos candidatos ao Executivo Municipal.

 


O plano de governo de Berrante é o que toca no tema de forma mais extensa e propõe a criação de programas voltados para os idosos que proporcionem “atividades recreativas, para que se sintam produtivos trazendo mais dinamismo”. O candidato não dá mais detalhes sobre como o projeto será desenhado e adotado, caso eleito. Ainda em Biquinhas, o plano de governo de Carlos da Vó menciona a construção de um “Centro de Convivência para a Melhor Idade”. Também de forma vaga, Cride quer implementar programas de prevenção, cuidados, inclusão e dignidade para a população idosa.

 

 


A segunda cidade mais idosa de Minas é Sem-peixe, na Zona da Mata. Por lá, 29,69% dos 2.433 moradores têm mais de 60 anos de idade e a eleição já está definida. O atual prefeito Eder de Tiquim (PSD) é o candidato único no pleito e em seu plano de governo inclui a promessa de “ampliar ações voltadas para atenção e cuidado com os idosos”. O plano não oferece detalhes sobre quais seriam essas ações.

 


O pleito com candidato único se repete em Estrela do Indaiá, na Região Central, onde 29,57% dos 2.772 habitantes são idosos. Por lá, Doutor Juraci (Podemos) pretende criar um pavilhão com serviço de saúde 24 horas para a população mais velha e incentivar o esporte dentro deste público. Ele cita especificamente a prática de baralho, dominó e damas.

 


Com 1.081 habitantes, sendo 28,78% idosos, Cedro do Abaeté tem três postulantes a prefeito. Anoé (União Brasil) tem um dos planos de governo mais focados no público mais velho, propondo a criação de centros de convivência, campanhas educativas sobre os direitos dos idosos e até mesmo criar um programa de distribuição de refeições para este público na cidade da Região Central Mineira.

 


Os idosos são parte importante do plano de governo de Hilário (MDB), que quer priorizar o transporte de cidadãos com mais de 80 anos de Cedro de Abaeté para tratamentos de saúde fora do município e quer criar centros de apoio para os mais velhos. Políticas de abrigo e de atendimento médico para este público também permeiam as propostas do plano de Juca (MDB).

 


A quinta cidade mais idosa do estado é Antônio Prado de Minas, na Zona da Mata, com 28,3% de seus 1.538 moradores com mais de 60 anos. Por lá, o plano de governo de Ronaldinho (PDT) inclui a promessa de “ampliar ações que intensifiquem a participação da melhor idade” sem especificá-las. Ferdinando (PSD), também na disputa, quer reforçar as ações voltadas ao Grupo “Vivendo a Melhor Idade”, contribuindo para o fortalecimento da autoestima, do convívio social e dos vínculos familiares.

 


A temática da atenção aos cidadãos mais velhos está presente em quase todos os planos de governo analisados, mas impera nas propostas o emprego de propostas pouco específicas. Além disso, em nenhum dos documentos enviados à Justiça Eleitoral pelos candidatos que tentam ocupar a cadeira de prefeito das cinco cidades com maior percentual de idosos de Minas Gerais há a menção de pleitearem o comando de municípios que já têm quase um terço de sua população acima dos 60 anos.

 

 

O demógrafo José Irineu Rigotti lembra que cidades menores perderam população jovem no passado

O demógrafo José Irineu Rigotti lembra que cidades menores perderam população jovem no passado

Arquivo pessoal/Silene Oliveira

 

A geografia da terceira idade

 

Minas Gerais tem um percentual de idosos em sua população superior ao do cenário nacional, com 17,83% de seus habitantes com mais de 60 anos. Um olhar mais detalhado mostra que o cenário varia de região para região. As meso-regiões Central e Zona da Mata são as ‘mais idosas’, com 21,7% e 20,94% dos habitantes cruzando a marca sexagenária, respectivamente. Por outro lado, Norte de Minas e Triângulo são as ‘menos idosas’, com 17,12% e 18,11% dos moradores acima das seis décadas de vida. Para o professor do Departamento de Demografia do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da UFMG, José Irineu Rigotti, é preciso analisar o cenário do envelhecimento percebendo as nuances e como ele é diferente de cidade para cidade.

 

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“O Brasil vive um processo acelerado de envelhecimento, mas, como o país é muito desigual socioeconomicamente, este processo não ocorre de maneira uniforme. Os resultados que você compartilhou de Minas Gerais referentes ao Censo Demográfico 2022 indicam que muitos municípios de menor população possuem maior proporção de idosos. Nesse caso, é preciso colocar este processo demográfico em perspectiva histórica”, diz o pesquisador.

 


Ele lembra que muitos municípios pequenos perderam população em idade ativa no passado para os grandes centros. “Muitas pessoas procuraram emprego ou estudo nos centros urbanos maiores. Muitas delas eram adultas e adultos jovens, em idade também reprodutiva. Portanto, há diminuição da parcela de jovens nestes municípios, mas há também um efeito indireto. Estas serão as pessoas que deixam de ter seus filhos nestes pequenos municípios, o que contribui ainda mais para o envelhecimento”, afirma.

 


O indicativo de que cidades menos populosas tendem a ter um percentual maior de idosos é percebido no levantamento feito pelo Estado de Minas em Minas Gerais. Ao analisar os 30 municípios ‘mais velhos’ e as 30 com menor fatia da população acima dos 60 anos, é possível perceber uma enorme discrepância em relação ao número de habitantes. Entre as 30 cidades com maior percentual de idosos, a população média é de 3.480 habitantes. Já nas cidades com menor percentual de idosos, o número é 16 vezes maior, com uma média de 59.380 pessoas.

 

 


Rigotti aponta ainda que o envelhecimento acelerado em cidades menos populosas está relacionado com uma carência na reestruturação produtiva para que estes centros urbanos se mantivessem economicamente atrativos para os jovens no início de suas trajetórias de trabalho. “Os dados mostram que vários municípios cresceram muito devido ao seu poder de atração. Este é o caso de Nova Serrana, por exemplo, cuja dinâmica indústria de calçados atraiu muita gente para trabalhar. A cadeia produtiva gera outras oportunidades, no setor de comércio e serviço”, afirma o demógrafo ao citar a cidade com menor percentual de idosos do estado, onde apenas 7,67% das pessoas supera a marca dos 60 anos.

 


O demógrafo analisa ainda que, entre os municípios de menor percentual de idosos há uma forte presença de cidades que integram a Região Metropolitana de Belo Horizonte, cuja organização social e laboral favorece uma presença mais significativa de cidadãos mais jovens. “Nestes casos, vários jovens trabalhadores e estudantes ali residentes vão trabalhar ou estudar em Belo Horizonte o que chamamos de movimentos pendulares. Em contrapartida, apesar de Belo Horizonte oferecer empregos e receber estes adultos jovens para trabalhar diariamente, sabemos que a capital é um município em rápido processo de envelhecimento, até porque muitas pessoas optam ou optaram por morar no seu entorno – como Nova Lima e Lagoa Santa, para a população de alta renda; ou Ribeirão das Neves e Vespasiano, para a população de menor renda. Portanto, há uma relação entre oportunidades de emprego e a idade média dos habitantes, mas é preciso contextualizá-la”, conclui.

 


Sarzedo, Vespasiano, São Joaquim de Bicas, Ibirité, Ribeirão das Neves e Betim são as cidades da Grande BH que integram a lista das 30 cidades menos idosas do estado. A própria capital mineira tem 19,97% de sua população com mais de 60 anos.

 

Médica geriatra, Karla Giacomin,  diz que é preciso ter políticas públicas para a terceira idade

Médica geriatra, Karla Giacomin, diz que é preciso ter políticas públicas para a terceira idade

Beto Novaes/EM/D.A Press – 1/8/11


Percepção distorcida do problema social


Por ser o pleito em que são eleitas as autoridades políticas mais próximas da população, as eleições municipais têm uma dimensão de atuação no cotidiano dos cidadãos. Neste cenário, a falta de destaque para as políticas públicas de atenção aos idosos revela que há ainda um caminho a ser percorrido para que essa parcela dos brasileiros seja efetivamente ouvida, como comenta a médica geriatra, pesquisadora do Núcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento (Nespe – Fiocruz/UFMG) e consultora da Organização Mundial da Saúde (OMS), Karla Giacomin.

 


“Sem dúvida as políticas que dão entrega para os cidadãos são as políticas municipais. E então as prefeituras precisam ter um diagnóstico situacional muito claro da sua população para saber de fato em que investir. Qualquer candidato a vereador vai falar que trabalhará pela educação, pela segurança pública e pela saúde, bem como acontece com os candidatos a prefeito. Essas são frases vazias”, diz Karla Giacomin. “Precisamos saber como trazer a sociedade de volta para esse diálogo. No nível das cidades, a gente precisava muito conversar com quem está mais velho hoje. O que significa envelhecer em Belo Horizonte? O que significa envelhecer em Nova Serrana? O que significa envelhecer em Biquinhas? Para a gente poder tentar dar a respostas compatíveis com essas realidades”, acrescenta a médica.

 

 

Geriatra há quase três décadas, Giacomin recorda as projeções feitas para o envelhecimento da população brasileira durante seu período de graduação para discorrer sobre como a velhice é tratada como uma questão postergável. Em última medida, a percepção distorcida sobre o tornar-se idoso dificulta a concepção de uma análise deste processo natural da vida como uma progressão coletiva e não individualista ou limitada às decisões tomadas em cada núcleo familiar.

 


“Quando eu estudava para fazer geriatria, os textos apontavam que em 2025 o Brasil terá a sexta maior população idosa do mundo. O que os estudantes de hoje veem é que em 2050, o Brasil vai ter um terço da população idosa. A gente está sempre postergando essa constatação e esse enfrentamento. Envelhecer muda tudo em todas as políticas, não só na política previdenciária, mas na mobilidade, educação, habitação e assistência social. Mas as pessoas preferem não ver”, diz a geriatra. “A gente acha que a velhice é uma questão da vida privada. A infância todo mundo tem que defender, mas a velhice é um problema de cada um e cada família que se vire para dar conta do que é modificado no cotidiano. A velhice não é uma questão privada, mas social. Precisamos pensar em que cidades queremos viver quando estivermos idosos”, acrescenta a pesquisadora.

 


Já no primeiro quarto do século em que vivemos, o Brasil viu sua população passar de menos de 10% de idosos para o cenário atual que cerca de 15% dos habitantes têm mais de 60 anos. Em 2070, segundo projeções do IBGE, cerca de 37,8% dos habitantes do país terão rompido a marca sexagenária. A idade média de quem vive no país saltou de 28,3 anos em 2000 para 35,5 anos em 2023 e, em 2070, será de 47,4 anos seguindo a mesma progressão. (BE)