O uso do cargo público para se mostrar forte nas urnas. Levantamento do Núcleo de Dados do Estado de Minas, com base nos dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mostra que ao menos 623 candidatos às eleições municipais deste ano em Minas Gerais utilizam cargos das forças de segurança no nome de urna. O termo mais comum da lista está ligado aos militares: 254 candidatos levam a patente de "sargento" no nome de urna para conquistar o eleitor. Na sequência, aparecem "cabo" 72 vezes; "tenente" em 41 oportunidades; e "policial" em 38 chapas. Na pesquisa, a reportagem considerou não só as patentes militares, mas também posições ligadas à Polícia Civil e à Polícia Federal.

 

 

De acordo com a apuração, o partido que concentra o maior número de postulantes às câmaras e prefeituras mineiras com nomes ligados às forças de segurança é o PL. São 96 concorrentes do tipo. O grupo reúne nomes como o deputado estadual Coronel Sandro, que disputa a prefeitura de Governador Valadares, no Vale do Rio Doce. Também está na lista a Coronel Cláudia, candidata a vice-prefeita de Belo Horizonte na chapa com Bruno Engler, outro do PL.

 

 

O presidente do PL em Minas, o deputado federal Domingos Sávio, afirma que o dado é uma consequência orgânica causada pelo alinhamento ideológico da legenda. “É uma aproximação natural. Não há convite para esses candidatos por serem militares. Há uma razão natural e lógica para isso: o PL é um partido de direita com posições muito claras contra o crime, contra a bandidagem”, diz.

 

O segundo partido com mais candidatos que levam as forças de segurança no nome de urna neste ano é o Republicanos, com 56; seguido pelo PSD, com 54 nomes. Cerca de 581 postulantes a vereança apostam na fórmula para se destacarem entre as opções. Também integram o levantamento 22 concorrentes a prefeituras e 20 a vice-prefeituras.

 

Em relação a 2020, houve queda no número de candidaturas que referenciam as forças de segurança no nome de urna em Minas Gerais. Enquanto em 2024 são 623, há quatro anos o estado registrava 697 chapas do tipo, uma diminuição de aproximadamente 10%.

 

 

Quando se olha para a profissão declarada, a base de dados do TSE aponta para 325 policiais militares concorrendo, enquanto o número de militares reformados chega a 196. Os policiais civis somam 114 chapas, enquanto os bombeiros militares 28. Essa é uma autodeclaração, portanto os candidatos podem, por exemplo, atuar nas forças de segurança e se apresentarem como servidores públicos, em vez de especificar a corporação propriamente dita.

 

Entre os que são policiais militares, 61,2% dos candidatos fazem questão de levar suas patentes no nome de urna para tentar convencer o eleitor. Entre os militares reformados, esse índice é de 52,5%, patamar semelhante ao dos bombeiros – 53,5%. Entre os policiais civis, 15,7% deixam claro para o cidadão que trabalham na instituição por meio da nomenclatura da chapa.

 

Especialistas analisam

O professor e pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais em Comunicação e Cultura Contemporâneas, Camilo Aggio, explica à reportagem do EM que a utilização de “profissões” no nome de urna funciona, historicamente, como uma ferramenta de reconhecimento do candidato.

 



 

“A utilização dessas identidades, em geral profissões, em nomes de candidatos não se resumem às patentes militares. É muito comum, por exemplo, candidatos, principalmente às câmaras municipais, utilizarem ‘professor’, ‘doutor’, ‘fulano da van’. Então, os militares não são os únicos a utilizar. O que o concorrente quer é uma insígnia para se distinguir e fazer com que o eleitor o localize numa certa ocupação, uma posição social”, diz.

 

 

Ainda assim, segundo ele, com a ascensão da extrema-direita, esse cenário se torna uma simbologia ideológica. “Isso tem muito a ver com a própria ascensão da extrema-direita, e esse discurso de combate à violência. Não com base em políticas públicas de contenção da criminalidade, mas com base no discurso da própria violência, o uso da força, o uso da violência. No limite, inclusive, a própria celebração do CPF cancelado, por exemplo. Não é um meme. Vem muito a reboque do modo como policiais acabam representando esse papel”, afirma o pesquisador.

 

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O cientista político da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) Adriano Cerqueira explica que houve um processo de descrédito nos governos militares após a ditadura militar de 1964. “O fim do regime militar não foi ‘bonito’ para os militares porque foi sucedido de uma grave crise econômica. Então, esse grupo ficou queimado na política e se comprometeu a não se envolver mais”, afirma.

 

“Lideranças militares surgem individualmente, como o ex-presidente Jair Bolsonaro. Militares, sobretudo da reserva, participam da política entendendo isso como um serviço ao Brasil, para ajudar a resgatar os valores tradicionais. O discurso desses candidatos, em sua maioria, está associado ao país, à pátria e ao conservadorismo”, diz o professor da Ufop.

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