O atual contexto geopolítico no Oriente Médio teve peso direto no tom do discurso do presidente Lula (PT) durante a abertura da 79ª Assembleia Geral da ONU ontem. De acordo com apuração do Núcleo de Dados do Estado de Minas, a palavra "guerra" foi citada cinco vezes pelo mandatário brasileiro, a sexta mais usada por ele na ocasião. O termo não aparecia entre os 30 mais citados pelo chefe do Executivo desde 2007. Ele também pronunciou "paz" e "conflitos" em quatro ocasiões cada.
Durante o discurso desta terça, o presidente reiterou que desaprova a invasão ao território ucraniano e pediu por diálogo e o “fim das hostilidades”. Lula também destacou os conflitos que envolvem Israel no Oriente Médio, como os do Líbano (contra o Hezbollah) e da Cisjordânia (contra o Hamas), além de embates “esquecidos” no Sudão e Iêmen. Em seu discurso em 2006 na ONU, ano em que também houve conflito entre Líbano e Israel, “guerra” havia sido dita pelo presidente sete vezes.
“Em Gaza e na Cisjordânia, assistimos a uma das maiores crises humanitárias da história recente e que agora se expande perigosamente para o Líbano. O que começou como ação terrorista de fanáticos contra civis israelenses inocentes, tornou-se punição coletiva de todo o povo palestino”, declarou o chefe do Executivo.
Nesta terça, Israel voltou a bombardear o Líbano e anunciou a morte de um dos líderes do Hezbollah, entidade predominante xiita com braços militares e políticos, atualmente aliada ao Irã e ao Hamas. O Ministério da Saúde libanês afirma que esse foi o segundo ataque em dois dias contra o reduto do Hezbollah. O balanço é de seis mortos e 15 feridos, informou a pasta em comunicado. Anteriormente, o Comitê Islâmico de Saúde, afiliado ao movimento xiita, havia anunciado outras três mortes.
A preocupação de Lula e da comunidade internacional se intensificou na última semana, quando centenas de pagers (espécie de aparelho usado para comunicação via bipes e mensagens de texto) e walkie-talkies explodiram simultaneamente em redutos do Hezbollah no sul de Beirute, acentuando ainda mais o conflito que já dura décadas.
‘Fome’
A palavra "fome" também voltou a figurar entre as mais ditas pelo presidente, como acontecia em seu primeiro governo, como em 2003, quando foi citada 18 vezes por Lula. À época, o Programa Bolsa-Família estava prestes a ser sancionado, e o chefe do Executivo defendeu a criação de um comitê mundial contra a desnutrição na ONU. Vinte anos depois, em 2023, “fome” apareceu cinco vezes. Neste ano, foram sete citações – a quinta palavra mais mencionada pelo petista.
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“O problema é especialmente grave na África e na Ásia, mas também persiste em partes da América Latina. Mulheres e meninas são a maioria das pessoas em situação de fome no mundo. Pandemias, conflitos armados, eventos climáticos e subsídios agrícolas dos países ricos ampliam o alcance desse flagelo. Mas a fome não é resultado apenas de fatores externos. Ela decorre, sobretudo, de escolhas políticas”, disse Lula em seu discurso.
O presidente afirmou que o mundo produz alimentos mais do que suficientes para erradicar a fome, mas falta criar condições de acesso aos alimentos. O chefe do Executivo ainda destacou as limitações do espaço fiscal de alguns países para conseguir fundos de investimento em saúde e educação. “Países da África tomam empréstimo a taxas até oito vezes maiores do que a Alemanha e quatro vezes maior que os Estados Unidos. É um Plano Marshall às avessas, em que os mais pobres financiam os mais ricos. Sem maior participação dos países em desenvolvimento na direção do FMI e do Banco Mundial não haverá mudança efetiva."
Nesse contexto, a palavra "África" apareceu, neste ano, pela primeira vez entre as 30 mais ditas por Lula em seus discursos na organização internacional, segundo a apuração feita pelo EM. Ele referenciou o continente vizinho em quatro oportunidades durante a fala.
O fato de Lula voltar a pautar a fome também acompanha a realidade nacional. De acordo com o Relatório das Nações Unidas sobre o Estado da Insegurança Alimentar Mundial, o país tem 2,5 milhões de pessoas enfrentando o problema, dado que chegou a 17,2 milhões de brasileiros em 2022.
'Biocombustíveis'
Lula voltou a falar sobre energias renováveis, o que não acontecia desde 2007, quando o presidente citou a palavra “biocombustíveis” pela primeira vez na conferência internacional. Neste ano, a palavra foi repetida oito vezes, enquanto “ambiental” quatro.
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Neste ano, o presidente optou por destacar o pioneirismo do país na utilização de “energia verde”. “Fizemos a opção pelos biocombustíveis há 50 anos, muito antes que a discussão sobre energias alternativas ganhasse tração. Estamos na vanguarda em outros nichos importantes como o da produção do hidrogênio verde. É hora de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis”, afirmou.