Idalísio Soares Aranha Filho e Walkíria Afonso Costa formavam um casal no início da década de 1970. Ambos eram estudantes na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG): ele cursava psicologia, e ela, pedagogia. Mas os companheiros não chegaram a concluir a graduação. A carreira acadêmica foi interrompida pela perseguição que a ditadura militar, que vigorou no Brasil entre 1964 e 1985, impôs aos opositores. Filiados ao PCdoB, os dois foram mortos na Guerrilha do Araguaia, em 1972. Os jovens tinham, então, apenas 24 anos de idade. 

 

Além do casal, outros dois estudantes da instituição, José Carlos Novais da Mata Machado, discente do curso de direito, e Gildo Macedo Lacerda, que se graduaria em economia, tiveram destino semelhante. Eles eram colegas de militância no Grupo Ação Popular e foram mortos em 1973, quando tinham, respectivamente, 27 anos e 24 anos. Nesta terça-feira, a UFMG fez um ato de reparação histórica e os diplomou.  

 

 

A cerimônia na UFMG também prestou as devidas homenagens a Elza Pereira e Irany Campos, servidores técnico-administrativos em educação, e Marcos Magalhães Rubinger (in memoriam) e João Batista dos Mares Guia, docentes da UFMG. Eles foram afastados das atividades na instituição devido ao posicionamento político e exilados ou refugiados em outros países, durante o regime militar. 

 

Trata-se de decisão excepcional, já que o estatuto da instituição não prevê a concessão de títulos póstumos. Porém, o Conselho Universitário da UFMG reconheceu, em sessão realizada no último mês de agosto, a importância de prestar uma homenagem aos quatro alunos e deliberou pela confecção dos diplomas.

 

Antônia Vitória Soares Aranha, irmã de Idalísio Soares Aranha Filho, um dos estudantes da UFMG mortos pela ditadura militar, destacou a importância da homenagem

Marcos Vieira /EM/D.A.Press

 

De acordo com a reitora da UFMG, professora Sandra Regina Goulart, com a diplomação, a instituição reconhece as injustiças cometidas contra estudantes, funcionários e docentes. "Nós fomos realmente impactados pelo Golpe Militar de 1964. Tivemos esses quatro estudantes que foram mortos, e por, isso, não puderam concluir o seus cursos, e também professores e servidores que foram excluídos da universidade, perderam o emprego, por causa da militância política", lembra.

 

A professora pondera que a militância política tem total relação com a universidade, que é um lugar de defesa dos ideais democráticos. "Nada mais justo do que prestar essa singela homenagem da universidade, para que a gente possa não se esquecer nunca, para que a gente se lembre desses momentos difíceis que nós passamos", conclui. 

 

Memórias 

 

Valéria Costa Couto, conta que a irmã, Walkíria Afonso Costa, chegou a fundar o Diretório Acadêmico (DA) da Faculdade de Educação (FaE) da UFMG enquanto ainda era estudante. "Havia espiões do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social, órgão de repressão da ditadura militar) dentro das salas, fingindo ser alunos. Então, para ela atuar junto aos colegas, era muito complicado", lembra.

 



 

A familiar pontua que Walkíria foi capturada com vida pelos militares logo após a Guerrilha do Araguaia e assassinada. O corpo dela nunca foi encontrado. "Até hoje, de nada sabemos", lamenta. Diante de tudo isso, ela ressalta o simbolismo da diplomação. "Estou muito grata à UFMG por essa iniciativa", diz Valéria, que é professora e também estudou na instituição.

 

Assim como vários outros familiares de perseguidos políticos, Valéria Costa Couto ainda não conseguiu sepultar a irmã, Walkíria Afonso Costa

Marcos Vieira /EM/D.A.Press

 

Já Antônia Vitória Soares Aranha, professora da UFMG, destaca que o irmão, Idalísio Soares Aranha Filho, foi o quinto dissidente morto durante a guerrilha do Araguaia. Porém, assim como centenas de outros opositores ao regime, ele, oficialmente, desapareceu. "Nunca tivemos nenhum comunicado oficial, não tivemos nenhum acesso aos restos mortais, ou, como a gente chama, os restos de vida deles", declara. 

 

"O sentimento é de que ele não morreu em vão. Ser reconhecido por uma universidade como a UFMG, para nós, é muito importante, porque, apesar de tudo, a luta dele continua. As pessoas continuam firmes na busca pela democracia e pela justiça social", conclui. 

 

O corpo de Gildo Macedo Lacerda também nunca foi localizado pela família. Já os parentes de José Carlos Novais da Mata Machado conseguiram localizar os restos mortais e sepultá-los em Belo Horizonte. Os nomes dos quatro jovens que foram diplomados mais de 50 anos após serem mortos constam no relatório final da Comissão da Verdade em Minas Gerais.

 

Cerimônia cheia de vida e emoção

 

A cerimônia, realizada no auditório da Reitoria da UFMG, estava lotada. Além de familiares e docentes, vários universitários, muitos deles integrantes da União Nacional dos Estudantes (UNE) compareceram. Eles se manifestaram em diferentes oportunidades e, no momento da diplomação, entoaram os nomes dos quatro estudantes mortos, seguidos pela palavra "presente".

 

 

A presidente da UNE, Manuella Mirella, integrou a mesa da solenidade. Também se sentaram em posição de honra a reitora da UFMG, professora Sandra Regina Goulart, o ex-ministro e deputado Nilmário Miranda, que representou a Ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo, e o deputado federal e candidato a prefeito de Belo Horizonte, Rogério Correia (PT). A vice dele, Bella Gonçalves (PSOL), estava na plateia. 

 

 

 

 

 

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