“O modelo político do Brasil está falido.” Com essa frase Felipe Neto, uma das vozes de maior potencial de influência da era digital – com mais de 46,7 milhões de seguidores – resume o cenário do país em entrevista ao Estado de Minas. Neste mês de setembro, o empresário e influenciador lança o livro “Como enfrentar o ódio”, em que expõe sua jornada ao lidar com ataques de grupos bolsonaristas. Ele analisa o papel corrosivo das redes sociais, destacando que o Brasil, segundo sua visão, não está simplesmente polarizado, mas dividido entre uma “extrema-direita neofascista odiosa” e quem tenta resistir a ela.
Fenômeno da internet no início dos anos 2000, Felipe Neto conquistou notoriedade com vídeos que mesclavam agressividade e humor ácido. Seus alvos? Tudo e todos: desde bandas adolescentes e a saga “Crepúsculo” até a corrupção e figuras do Partido dos Trabalhadores (PT), como Lula e Dilma Rousseff.
A fórmula funcionou e fez dele o primeiro YouTuber brasileiro a atingir 1 milhão de inscritos, redefinindo patamares do conteúdo digital no país. Porém, com o impeachment de Dilma e a ascensão do que classifica como extrema-direita, Felipe Neto diz ter começado a rever suas posições. Afinal, onde se encaixar politicamente, se os rótulos de “esquerda” e “direita” já não faziam sentido para ele?
Na entrevista ao EM, o influenciador fala sobre seu livro, que levanta essa questão, destacando a importância da política e o impacto das redes sociais na construção de narrativas. Afirma ter sido alvo de perseguição e menciona nomes como Nikolas Ferreira (PL) como líderes “extremistas” em Minas Gerais. Apesar de rumores, Felipe Neto nega a possibilidade de se candidatar em 2026 e traça um panorama crítico das forças que, segundo ele, têm ameaçado a democracia, reforçando a importância de uma “Constituição digital”.
Responsabilidade
“Eu acredito carregar responsabilidade sobre a influência que exerço e que foi construída em uma confiança mútua entre mim e quem me assiste. Quando há um crescimento neofascista no país, considero obrigação de todo indivíduo na mesma posição que eu lutar contra esse movimento de intolerância, violência e ódio. Como descrevo no livro, muitos que detêm essa posição se acovardaram”, afirmou.
Segundo Felipe Neto, o livro surgiu de uma necessidade de mostrar ao mundo os ataques que vinha enfrentando. O influenciador afirma que o dia decisivo para o start da obra foi quando a Polícia Federal esteve em sua casa e ele recebeu uma intimação relacionada a “crime contra a Segurança Nacional”. Na época – março de 2021 – o youtuber foi obrigado a comparecer a um distrito policial para responder a uma intimação por ter chamado o presidente Jair Bolsonaro (PL) de genocida. “Por isso, esse é o primeiro capítulo do livro. Ali foi a hora em que decidi que precisaria escrever o que estava enfrentando.”
Questionado sobre ter havido algum momento em que desejou desistir, o influenciador afirma que essa não era uma opção. “Nunca permiti que essa opção fosse realmente validada em minha mente. Minha família e meus amigos foram fundamentais nisso, pois, mesmo enfrentando todo tipo de ameaças, continuaram firmes e não me pediram para parar. Foram inúmeras tentativas de me silenciar, desde ameaças de morte contra mim e minha mãe, até perseguição policial com o objetivo de me prender”, afirmou.
A fratura do Brasil
Nos últimos anos, o Brasil viveu uma polarização política intensa, marcada pela ascensão e queda de Jair Bolsonaro. Eleito em 2018, o ex-presidente governou com uma retórica que acirrou divisões sociais e políticas e acabou por impulsionar o retorno da chamada esquerda no Planalto.
Mas, com a volta de Lula ao poder, em 2023, a tensão persistiu. Bolsonaristas, insatisfeitos com a derrota, protagonizaram uma invasão violenta às sedes dos Três Poderes, em Brasília, em 8 de janeiro. Sobre o tema, Felipe Neto rejeita a ideia de polarização política, argumentando que a situação é marcada por um confronto entre “uma extrema-direita neofascista odiosa” e pessoas de diferentes espectros políticos, incluindo esquerda, centro-esquerda, centro, centro-direita e até a própria direita.
Para ele, o que ocorre não é polarização, mas um combate à barbárie. “Não se trata de ‘lado político’ ou ‘ser de esquerda’, mas de enfrentar aqueles que pregam intolerância, violência, ditadura e morte”, afirmou, ressaltando que é dever dos influenciadores de grande alcance participar desse embate, em meio a um modelo político falido.
Apoio e avaliação
O influenciador, durante as eleições de 2022, apoiou o presidente Lula (PT) e avaliou também o comando do petista nesses últimos dois anos. “Minha opinião é que é um governo de concessões, o tempo inteiro tentando enxergar onde pode afrouxar para permanecer tendo alguma governabilidade com o pior Congresso Nacional da história democrática do país.”
“A culpa disso não é de Lula ou Haddad, mas do atual modelo político brasileiro. Agora, não há qualquer resquício de dúvida de que nós estamos em uma situação infinitamente melhor do que aquela que vivemos sob o regime bolsonarista, principalmente na economia e na situação dos mais pobres. Quanto ao ódio, acredito que saímos de uma situação de ‘quase-morte’ para uma situação de ‘estado grave’. Ainda estamos no meio de uma inflamação terrível, mas agora o ódio não parte mais do líder máximo do país e nem daqueles ao seu redor.”
Constituição digital
Felipe Neto propõe enfrentar o ódio com uma “lei geral da internet” ou uma “Constituição digital”, regulando plataformas para combater intolerância e políticas neofascistas. O influenciador defende que, se as plataformas falharem, a lei deve guiar a ação de vítimas, agentes públicos e Justiça. “As plataformas precisam agir com moderação e, quando falharem, a lei deve estabelecer os próximos passos,” defende.
Para ele, no atual cenário o ódio está entranhado em tudo e cada situação é particular. “Não há um padrão único para enfrentá-lo; o importante é adotar estratégias eficazes e evitar injúria, calúnia ou difamação,” afirma. Ele entende que a única solução para reverter o aumento dos discursos de ódio é a criação do que chama de “Lei Geral da Internet”. “Sem uma legislação específica para o ambiente digital, a situação só tende a piorar. As plataformas não têm interesse em se autorregular, pois lucram com desinformação e radicalização.”
Minas como Polo
O EM também questionou Felipe sobre Minas Gerais e lideranças bolsonaristas, como o deputado federal Nikolas Ferreira (PL) e Bruno Engler (PL), deputado estadual e candidato à Prefeitura de Belo Horizonte. “Essas figuras são consequência de um ódio profundo contra a política, cultivado sistematicamente por nós, que compomos a comunicação. A história mostra que sempre que semeamos o ódio antipolítica, o fascismo renasce, trazendo ‘salvadores da pátria’ e ‘antissistemas’ que prometem ‘mudar tudo o que está aí'. Enquanto não desinflamarmos a população e não oferecermos educação política de qualidade, isso não mudará,” alertou. Por fim, Felipe Neto refuta rumores sobre uma possível candidatura em 2026. “Acredito que posso contribuir muito mais de fora para dentro do que de dentro para fora,” concluiu.
Serviço
* “Como enfrentar o ódio” De Felipe Neto (Companhia das Letras, 376 páginas, R$ 68,33), foi lançado em 7 de setembro e lidera a lista de vendas no Brasil. Disponível em livrarias e também pela internet