As investigações por suspeitas de serem "lavanderias" de dinheiro sujo e o endividamento e beneficiários do Bolsa Família que têm utilizado a ajuda financeira do governo federal para fazer apostas na internet — conforme apontou levantamento elaborado pelo Banco Central (BC) e divulgado em 24 de setembro — mostram que o governo federal falhou ao tratar da questão.
A avaliação é do deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG), vice-líder do governo na Câmara, em entrevista concedida ontem ao Podcast do Correio. Para ele, há sérias lacunas em pontos, como a publicidade e a saúde mental dos jogadores.
Na visão do parlamentar, a lei em vigor é insuficiente para a quantidade de problemas ligados ao setor de apostas no país. "Sem uma cultura de planejamento financeiro, ao não regular essas propagandas, houve um efeito de epidemia. Ou seja: levou parte da população brasileira a acreditar que o caminho para resolver a sua baixa renda per capita, a possibilidade de se tornar ou de ficar rica é pela via da jogatina, dos jogos de azar, dos jogos on-line. Então, de fato, nós erramos", reconheceu.
O estudo técnico do BC aponta que cerca de R$ 3 bilhões foram usados em apostas por beneficiários do Bolsa Família, em agosto. O parlamentar avalia que se trata de um grande indicativo de que o país vive uma "verdadeira epidemia da jogatina".
Segundo Lopes, a população de baixa renda é justamente a mais vulnerável ao vício, por acredita que na apostas on-line está uma "chance de enriquecer". "Isso demonstra a fragilidade e a falta de planejamento e de educação financeira. Demonstra a falta de políticas públicas do nosso país em relação a essas famílias", destaca o deputado. Para ele, há que se fazer um esclarecimento de que os jogos de aposta não podem ser tratados como se fossem investimento.
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Questão de saúde
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o jogo compulsivo é como uma doença e se enquadra em casos como a dependência de álcool, por exemplo. Para Lopes, essa "epidemia" reflete uma outra dívida do governo federal com a sociedade: a falta de políticas públicas voltadas para a saúde mental, situação que se agravou a partir da pandemia de covid-19.
"O Brasil precisa ter política pública de saúde mental. Subestimamos os impactos da pandemia e não criamos uma política de Estado para a saúde mental das pessoas. Então, acho que nós estamos devendo à sociedade brasileira um amplo programa nacional de políticas públicas. Cada vez mais, o mundo tecnológico, o mundo digital, o mundo da ilusão das redes sociais, o mundo do Instagram leva as pessoas a viver uma realidade que não é sua. E a achar que aquela realidade é verdadeira. Mas aquela realidade é mentira", enfatizou.
Por conta dessa constatação, o deputado cobrou do Ministério da Saúde um amplo programa de saúde mental capaz de tratar também o vício em apostas. "As famílias estão com muitas dificuldades e nós não temos, infelizmente, uma política que seja do tamanho dessa necessidade. Se soma ao pós-pandemia, que a gente não cuidou, a epidemia dos jogos, mais uma variável que compromete a saúde mental das pessoas", aponta.
Autoexclusão
Um ponto que o deputado acredita que possa colaborar para evitar que a população mais vulnerável seja afetada psicologicamente pelo vício em jogos é a autoexclusão para apostadores.
"No Reino Unido, você tem um cadastro de autoexclusão, porque a lei fala do jogo responsável, de fazer educação e de combater o jogador acometido pelo vício. Eles têm que ser excluídos. Se é um viciado, tem que ser tratado. Então, com base nessa perspectiva, também trago a proposta do cadastro tal como é feito no Reino Unido", observa.
Para que as apostas on-line não se tornem uma chaga social e debilitem a saúde financeira das famílias, Reginaldo salienta que a experiência de muitas décadas do Reino Unido tem muito a contribuir com o caso brasileiro.
"Outra ação que proponho é que temos que limitar o percentual da renda do cidadão (com as apostas). Com tanta propaganda, com a falta de uma cultura para o planejamento financeiro, temos que limitar. É para ser algo que dá prazer, recreativo. Não é para ficar rico. Para isso, têm outras atividades econômicas que não sejam o jogo. Então, se é recreação, temos que limitar. Um por cento da renda do jogador, do apostador mensal, por exemplo. Sei que têm países que limitam a um pouco menos, mas apresentei uma proposta que é de 1%", explicou.