"Acredito que o discurso que prevalece, o discurso do identitarismo, não acrescenta na disputa geral de um projeto de sociedade", Marília Campos, prefeita de Contagem -  (crédito: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)

"Acredito que o discurso que prevalece, o discurso do identitarismo, não acrescenta na disputa geral de um projeto de sociedade", Marília Campos, prefeita de Contagem

crédito: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press

Reeleita para o quarto mandato como a mulher mais votada do Brasil, a prefeita Marília Campos acredita que o Partido dos Trabalhadores (PT) precisa mudar sua estratégia política e promover uma reaproximação com as pautas municipais. Com 188.228 votos em Contagem, na Grande BH, a petista foi a primeira a vencer uma eleição em primeiro turno depois de 28 anos no terceiro maior colégio eleitoral de Minas Gerais.

 

Em entrevista ao EM Minas, programa da TV Alterosa em parceria com o Estado de Minas e Portal Uai, Marília Campos fez críticas aos rumos do partido que, segundo ela, não tem conseguido respostas para os principais problemas locais. “O partido dá resposta na macropolítica, na economia temos bons indicadores, bons resultados, mas ainda não dá uma resposta para aquilo que mais aflige a população. Olha o preço da carne que ainda está alto, o preço da conta de luz”, disse.

 

 

Aliada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a prefeita optou por fazer uma campanha defendendo seu projeto municipal e não contar com o chefe do Executivo federal na cidade. Marília Campos ainda comentou sobre os planos para 2026, o que mudou em Contagem durante suas gestões e qual é a articulação necessária com a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH).

 

 

A senhora bateu muitas marcas nessas eleições: a prefeita mais bem votada do país e a primeira a ser reeleita em 1º turno em Contagem depois de 28 anos. A que atribui o resultado?

Cada eleição foi um momento. A estratégia da minha primeira eleição foi apontar a necessidade de um projeto de mudança, explorei muito a "esperança". Depois, eu fui reeleita apresentando o que eu fiz, era o meu trabalho como prefeita. A terceira que eu disputei também foi pautada pelo meu trabalho, e aí associando ao compromisso de deputada estadual. Dessa vez eu adotei como estratégia principal o trabalho, o meu compromisso com a cidade e todo processo de reconstrução da política. Eu fiz também um diálogo chamando 14 partidos para compor a minha coligação. Eu chamei a unidade colocando os interesses de Contagem acima de quaisquer outros interesses. A terceira questão que acho importante foi não estabelecer nenhuma polarização nacional. Meu foco foi a disputa de um projeto municipal. Eu não quis estabelecer essa polarização Lula versus Bolsonaro. Eu sou do PT, sempre fui do PT, sou uma grande aliada do presidente Lula, sempre fiz campanha para ele, mas não era isso que estava em jogo. O que estava em jogo era o meu projeto de cidade. O que eu fiz foi defender a continuidade desse projeto. Eu não precisava de apoiadores nessa campanha eleitoral, o principal testemunho era o meu trabalho.

 

Na eleição municipal a política nacional perde o foco? É mais importante para o eleitor as questões locais?

Acho que é parcial. Por exemplo, eu tinha aprovação de 80% e ganhei a eleição com 60%, eu conquistei uma parcela do eleitorado que se fala de direita ou que votou no ex-presidente Bolsonaro. Uma parcela se deslocou avaliando que o que tinha que ser colocado na balança era o trabalho, mas uma parcela não ficou comigo por eu ser do PT, por ser aliada do Lula. Ainda é muito polarizado, mas a estratégia que a gente adotou conseguiu trazer essa parcela que aprova o nosso governo. Eu entrei bem nessa parcela que rejeita o PT pelo trabalho e diálogo que eu tenho com a população. O meu perfil é ser proativa, dialogar com todos independentemente da coloração partidária. É muito uma questão de perfil.

 

Como era a Contagem quando a senhora assumiu no primeiro mandato, e como é a Contagem de hoje?

Quando eu cheguei, Contagem não tinha capacidade de endividamento, não tinha recurso para investimento e estava com a situação fiscal muito comprometida. Eu fiz toda uma gestão para aumentar a arrecadação, corte de despesas, e fiz muitas negociações sobre o endividamento, que hoje é muito pequeno. Eu recuperei a Prefeitura de Contagem do ponto de vista fiscal, com isso nós recuperamos a capacidade de investimento. O poder público voltou a investir em todas as áreas. Na saúde, por exemplo, a gente fez o centro materno infantil, porque grande parte das nossas crianças nasciam em Belo Horizonte. Na educação, nós fomos os primeiros a construir escolas de educação infantil, que a gente chama de Cemei, em Contagem não tinha. A gente se destacou muito por melhorar as políticas públicas na cidade, e agora nesse terceiro mandato nós investimos muito em infraestrutura.

 

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Recentemente a senhora criticou o PT pela distância das pautas municipalistas. A senhora tem dialogado dentro do partido para mudar essa perspectiva?

O PT apresentou um resultado nestas eleições em que cresceu um pouquinho, mas são cidades muito pouco expressivas politicamente. Na minha opinião, o PT precisa promover uma mudança profunda na sua estratégia política, ele precisa se vincular à realidade das pessoas nas cidades. Primeiro, acredito que o discurso que prevalece, o discurso do identitarismo, não acrescenta na disputa geral de um projeto de sociedade. Segundo, essa estratégia de sempre se reportar ao passado, o povo não quer mais isso, o povo quer resposta para os problemas atuais. Qual é a resposta do PT para o problema do emprego? Qual a resposta do PT para o preço da cesta básica, o preço da gasolina? Qual é a resposta do PT para o problema do transporte? O partido dá resposta na macropolítica, na economia temos bons indicadores, bons resultados, mas ainda não dá uma resposta para aquilo que mais aflige a população. Olha o preço da carne que ainda está alto, o preço da conta de luz. A população quer viver melhor e a gente ainda não deu uma resposta. Acredito que o presidente Lula ainda terá o seu tempo. Ele terá que não só apresentar melhores indicadores de emprego e renda, mas também sintonizar a disputa política, dialogar mais com as cidades, os estados, saber quais são as principais demandas. Falta um pouco de diálogo.

 

Em Belo Horizonte, Rogério Correia ficou bem abaixo do que se esperava, com menos de 5%, mas o PT teve duas vitórias importantes em Contagem e Juiz de Fora. Como a senhora analisa o desempenho do partido no estado?

 

 

Poderíamos ter um resultado melhor. O Rogério Correia não teve só uma derrota eleitoral, mas uma derrota política. É uma derrota porque, na minha opinião, não apresenta também um discurso da esperança, um discurso da possibilidade de mudança, e repete muito a polarização nacional. Acho que o PT deveria ter tido uma postura diferente em relação à candidatura do Fuad (Noman). A gente deveria ter reunido todos os setores progressistas e feito uma união em defesa daquilo que é mais central: a cidade de Belo Horizonte. Eu enxergo o Fuad como uma candidatura de centro, e que deveria ser reeleito por merecimento, mas também porque é bom para Belo Horizonte e bom para as cidades da região metropolitana. Ele conversa com todos os segmentos e todos os setores, por essa razão eu defendo a candidatura dele. Eu fui deputada estadual junto com o Bruno Engler, é uma candidatura que dialoga pouco. É uma candidatura que representa um projeto que, na minha opinião, não vai ser benéfico para a cidade de Belo Horizonte nem para as cidades do entorno da região metropolitana, justamente porque tem pouca capacidade de dialogar.

 

A senhora tem com Fuad a questão dos contratos previstos para a Lagoa da Pampulha. É também por isso o seu apoio?

O Fuad é uma pessoa que tem experiência política e de gestão, e que já tem um relacionamento com as cidades da região metropolitana no sentido de pensar BH não como uma ilha, mas como a cidade que vive os seus problemas e muitos deles são vividos com as cidades do entorno. A experiência que nós temos de governar procurando soluções conjuntas para os problemas comuns, ela já tá existindo no processo de despoluição da Lagoa da Pampulha, onde foi feito um convênio articulado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-MG) que envolve a Copasa, o governo do estado e as prefeituras de Contagem e Belo Horizonte. Uma outra experiência que também temos juntos é de enfrentar os problemas das enchentes no caso do Ribeirão Arrudas. A prefeitura de Belo Horizonte está executando uma obra de contenção na Cidade Industrial do lado de Belo Horizonte, e Contagem também está fazendo duas grandes bacias do seu lado. É uma experiência que a gente tá se articulando, para enfrentar o problema das enchentes naquele pedaço. Tem que ter essa disposição para o diálogo. Se a gente tiver um prefeito em Belo Horizonte que não dialogue com os outros municípios, a gente não consegue resolver os problemas que são comuns.

Marília Campos, prefeita reeleita em Contagem, em entrevista ao programa Em Minas

Marília Campos, prefeita reeleita em Contagem, em entrevista ao programa Em Minas

Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press

 

Eleita para o seu quarto mandato, o segundo consecutivo, é natural pensar em outros planos. A senhora vai ser candidata ao governo do estado em 2026?

 

 

Depois de tanta luta eu quero ser prefeita. Eu fui eleita e a minha pretensão é ficar os quatro anos, mas eu quero ajudar a construir uma alternativa para o estado de Minas Gerais. Acho que nós temos que pensar um projeto que livre Minas dessa situação de estrangulamento financeiro e orçamentário. Temos que pensar em um perfil de candidatura que não só ganhe o processo eleitoral, mas que consiga governar para termos uma nova experiência de participação, de construção de novas saídas para o nosso estado. Eu quero ajudar a construir, mas sinceramente quero ser prefeita. É natural, mas assim como você coloca o meu nome, eu acho o nome do Rodrigo Pacheco (PSD) espetacular. Eu acho que ele cumpre um papel no Senado que é muito gratificante ver Minas tão bem representada com a postura que ele tem, não só de defesa dos interesses do nosso estado, como na questão da dívida, como também o compromisso com o projeto democrático do nosso país. Eu me sentiria muito bem representada se ele viesse para Minas e fosse o nosso governador. Eu acho que a gente tem que fazer ajustes na trajetória dele, e temos que convencê-lo dessa tarefa, mas seria um grande governador se ele se dispusesse.

 

A senhora falou desse estrangulamento financeiro. Esse é o maior problema de Minas Gerais? Como observa o estado no cenário nacional?

É um estado espetacular, mas que durante muito tempo a situação de Minas foi escondida e os problemas que a gente teve, e continuamos a ter, foram muito analisados como se fossem apenas problemas de gestão orçamentária e administrativa. O que se paga da dívida compromete toda e qualquer capacidade de investimento no nosso estado, como também compromete a nossa possibilidade de buscar empréstimo, seja em órgãos nacionais e internacionais. Um estado sem capacidade de endividamento como é que faz investimento? Não faz. Hoje, as estradas de Minas são péssimas, não temos ferrovias modernizadas, nós não temos transporte de passageiros por trem, nós não temos mobilidade urbana na região metropolitana que de fato permite que a gente ande com qualidade de vida. Isso faz com que Minas perca investimento, um estado do tamanho do nosso que não tem estrada, não tem ferrovia. Hoje, os recursos são provenientes das tragédias de Brumadinho e de Mariana, é uma lástima isso. Tudo isso porque não se fez o enfrentamento necessário para negociar essa dívida. Rodrigo Pacheco foi um “ás” para conseguir essa negociação, mas ainda é insuficiente e não coloca Minas numa posição de resolver o processo. Aliviou, mas não resolveu.

 

O que faltou nesse acordo para resolver a dívida?

 

 

O valor principal não foi diminuído. Nós precisávamos de um alongamento maior e a diminuição de fato do valor principal para que a gente recuperasse a capacidade de endividamento. Nós ainda não estamos nessa situação.

 

A senhora tem um certo acesso ao governador Romeu Zema (Novo). Como é esse relacionamento?

É um bom relacionamento. Eu tenho um perfil de explicitar minha divergência política e ideológica, mas isso não pode ser o impedimento para o diálogo que resolva os problemas dos mineiros que moram em Contagem. Eu acredito que o governador também teve essa postura e defende uma relação republicana. Sempre que eu procurei o governo do estado nós celebramos convênios, foram repassados mais de R$ 100 milhões pra gente viabilizar as obras de contenção do Ribeirão Arrudas. O que eu tenho cobrado muito do governo do estado é que ele assuma a responsabilidade de resolver os problemas do transporte coletivo. Cerca de 70% do transporte coletivo em Contagem é gestão do estado. Eu posso até fazer as obras de mobilidade como eu estou fazendo, mas eu resolvo 30%. Eu também tenho criticado, por exemplo, a área da saúde. Qual é o gargalo da grande maioria dos municípios? É a média e alta complexidade. Contagem resolve o problema do seu hospital, resolve o problema da unidade básica de saúde, mas não consegue resolver o problema de um paciente que está internado na UPA e que precisa fazer uma cirurgia do coração. Quem libera isso é o estado, e tem uma fila enorme. Falta recurso? Falta. Mas falta também uma regulação.