Nas últimas semanas, poucas vozes dentro ou fora do Partido dos Trabalhadores (PT) têm se dedicado a discutir sobre o futuro da legenda e apontar discordâncias com os rumos tomados pelo grupo, como o deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG). As críticas do parlamentar vão desde as estratégias nos pleitos municipais à forma como o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem apresentado os próprios resultados à sociedade.
Em entrevista ao Estado de Minas, Lopes fez um balanço sobre os resultados petistas nas urnas do dia 6 de outubro; defendeu que o partido apoiasse Fuad Noman (PSD) à reeleição em Belo Horizonte desde o primeiro turno; e manifestou seu desejo de ser um "provocador" da mudança na forma do partido se comunicar com públicos que o rejeitam como o agronegócio e os pequenos empreendedores.
Além dos limites do PT, Reginaldo Lopes falou sobre a situação da bilionária dívida mineira com a União e defendeu que Cemig, Codemig e Copasa não entrem no refinanciamento do débito. O parlamentar também falou sobre a reforma tributária e a regulamentação das apostas no país. Leia a entrevista completa abaixo.
Entrevista
O PT teve um crescimento no número de prefeituras, mas ainda está distante de outros partidos. Como o senhor avalia o desempenho do partido no Brasil e Minas Gerais?
Em Minas Gerais tivemos um desempenho um pouco melhor que o PT nacional, elegemos nossas principais prefeituras, Contagem e Juiz de Fora, ganhamos em Alfenas e outras cidades importantes. É evidente que, do ponto de vista nacional, o partido ficou bem aquém do resultado eleitoral.
Isso demonstra que nosso partido precisa promover uma grande reformulação programática. Depois de quase 45 anos, precisamos compreender um pouco esse novo Brasil que, na minha opinião, nos governos Lula um e dois, ajudamos a construir. Construímos uma classe média mais robusta com o pleno emprego e aumento da renda. A sociedade também se reorganizou em movimentos comunitários com forte presença dos evangélicos.
O mundo do trabalho passa por transformações, então com o crescimento econômico criamos milhões de novos trabalhadores que são empreendedores, na modalidade de micro e pequenos empresários, mas com a reforma tributária, criamos um nanoempreendedor. Você tem uma reorganização no mundo do trabalho onde esses empreendedores requerem um outro programa de governo.
O Brasil ganhou o mundo do ponto de vista do Agro, com uma agricultura e pecuária muito potente que precisamos melhorar o diálogo. O partido precisa nessa renovação da direção Nacional em 2025, promover uma reformulação para se reconectar e permitir um encontro intergeracional. Vivemos várias gerações no mesmo tempo, e isso requer uma releitura desta conjuntura.
O senhor falou desse novo mundo do trabalho, o partido tem falhado em conversar com esses novos trabalhadores?
Acredito que sim. Quando tentamos regular os trabalhadores de aplicativo, erramos o modelo. É importante o partido ter um diálogo mais próximo, e ao mesmo tempo é importante acertar garantias em especial do ponto de vista da seguridade social. Eu mesmo apresentei algumas soluções legislativas para garantir essa autonomia empreendedora desses trabalhadores, mas, ao mesmo tempo, o estado dá a eles a proteção de saúde e previdenciária. O partido precisa, sim, estabelecer amplo diálogo para a gente formatar direitos, mas que fortaleça essa modalidade de trabalho que tem liberdade de horário, acesso a crédito, programas de qualificação. Eles têm outras demandas que não são as mesmas dos trabalhadores CLTs.
Essa falta de diálogo com esses setores têm um impacto direto no resultado das eleições?
Nosso governo nos últimos dois anos, do ponto de vista macroeconômico, da estabilidade e aumento de renda, ele deveria ter mais aprovação com a sociedade. Por que isso não está acontecendo? Acredito que tenha um erro de comunicação, mas também de diálogo com essas novas organizações do mundo dos trabalhadores. Costumo dizer que no exercício do mandato somos melhores na prática do que no discurso.
Por exemplo, se hoje a gente tem um agro potente, se deve muito aos primeiros governos do presidente Lula. Organizamos a renegociação dos endividamentos que tinham no governo anterior do Fernando Henrique Cardoso, potencializamos a agricultura familiar, mas no Brasil a gente continua ainda nessa disputa ideológica de tentar separar esses dois mundos. O Brasil também precisa sair da economia primária exportadora para a de valor agregado. Acredito que não estamos conseguindo comunicar com a sociedade a maior reforma estruturante da economia nos últimos 60 anos, que foi a reforma tributária.
A eleição municipal tem uma característica muito própria da disputa local, mas evidentemente falta ainda orientação correta do nosso projeto de país. O candidato expressa no dia a dia das eleições um programa para a cidade, e se a gente se perde nessa disputa ideológica que não muda a vida de ninguém, se perde essa conexão com o eleitor e acaba perdendo a eleição; 2024 comprova que o cidadão quer saber se o candidato tem uma solução dos seus problemas reais e objetivos, não está sendo muito feliz quem está nacionalizando as eleições. Mas do ponto de vista nacional nosso partido também está errando o diálogo, porque nosso governo e nosso projeto fortaleceu muito esses setores.
A prefeita Marília Campos, de Contagem, disse que, para ser reeleita, teve uma estratégia de defender seu projeto de cidade e não polarizar as eleições. Como o senhor avalia o nome dela como uma liderança, por exemplo, para disputar o governo de Minas?
Marília Campos é a melhor experiência do nosso partido no estado. Ela está em uma posição territorial difícil, onde o ex-presidente Bolsonaro venceu as eleições em 2022. Junto com ela tem a prefeita Margarida Salomão (Juiz de Fora), claro que em uma situação mais favorável. A Zona da Mata é um território de centro-esquerda, mas demonstra que as duas prefeitas possuem sensibilidade de compreender o que de fato é importante para as famílias. Elas souberam traduzir isso para a campanha, ou seja, dar soluções aos problemas diários.
Elas conseguiram ser reeleitas no primeiro turno em uma conjuntura totalmente adversa das candidaturas majoritárias do partido. Em média, lamentavelmente, as candidaturas do PT tiveram 5%, e elas ganharam no primeiro turno. O partido deveria aprender com elas como construir uma campanha municipal.
Belo Horizonte entra nessa média que o senhor citou. Desde 2012, o PT não tem um candidato que disputa nas cabeças. O que falta para o PT voltar a disputar a capital, ou seria o caso de não ter mais candidatura própria?
Em BH era muito natural que o PT apoiasse a reeleição do prefeito Fuad Noman (PSD), por um princípio de reciprocidade, um princípio importante na política. O Fuad vai terminar os próximos quatro anos como o prefeito que mais vai entregar obras estruturantes para BH. Vai conseguir entregar, e eu o ajudei muito nessa operação junto ao governo federal, duplicar os viadutos do Anel Rodoviário. Ele não só elaborou projetos para solicitar o repasse do governo federal, como também assumiu a responsabilidade de municipalizar o trecho.
Durante seu governo, ainda vamos ter a expansão do metrô, várias obras de infraestrutura, São 120 grandes obras, portanto, é uma continuidade em favor do povo de Belo Horizonte, além de uma experiência de mais de 50 anos. Tudo indica que ele caminha para sua reeleição no próximo domingo.
O senhor opinou dentro do partido para que esse apoio ao Fuad fosse feito no primeiro turno?
Opinei publicamente sempre que o caminho natural deveria ser o apoio à reeleição do prefeito Fuad, mas respeitei e acatei a decisão do meu partido. Mas acredito que foi um erro de avaliação política, e o partido poderia ter saído mais fortalecido com o apoio no primeiro turno ao prefeito Fuad.
O PSD tem sido um parceiro do PT, mas o presidente da legenda, Gilberto Kassab, já disse que pretende apoiar o governador de São Paulo nas eleições em 2026. Essa reciprocidade não tem sido uma via de mão única para o partido?
O Brasil está passando por uma reforma política, e acredito que teremos um sistema próximo do perfeito. Nosso sistema eleitoral partidário tem eliminado essa megapulverização partidária, isso é importante para que o eleitor compreenda o que defende cada partido e cada candidato. A partir de 2030, o Brasil vai ter cinco grandes partidos, com cinco grandes propostas. Acredito que o projeto do PSD tem muito haver com a reeleição do presidente Lula, ele compõe um pensamento de políticas públicas e defesa da democracia muito mais próximo do nosso projeto, do que o projeto do ex-presidente Bolsonaro.
O Gilberto Kassab compreende que em 2026 o caminho do PSD é ficar dividido entre uma parte com o bolsonarismo, o ex-presidente e a extrema direita, e uma outra parte com o nosso bloco, com a centro-esquerda. Ainda vamos esperar esta avaliação, o Kassab também fala muito na construção do governador Tarcísio para 2030. Independentemente do nome, a extrema direita vai ter um candidato forte para disputar conosco, o próprio Pablo Marçal demonstrou isso.
Em Minas Gerais defendo um movimento de centro-esquerda para a disputa do governo do Estado. O ideal é uma ampla frente para desenhar o projeto de reeleição do presidente Lula, e o melhor nome é do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD).
Na Câmara de BH, o PT teve quatro vereadores eleitos, dobrou a bancada com dois novatos e dois reeleitos, mas que são jovens. Como o senhor avalia esses nomes na renovação do partido?
As eleições municipais, em especial o Legislativo municipal, é uma bela escola de formação. Talvez a eleição mais difícil da nossa democracia sejam as eleições proporcionais para as Câmara Municipais, e é um espaço de formação importante. A eleição de uma liderança expressiva, com boa formação e carisma como a do Pedro Rousseff, e também nossa querida Luiza Dulci, é um sinal importante de reconstrução do PT de Belo Horizonte. É com esses atores que será possível repensar uma candidatura majoritária para os próximos anos.
O senhor acredita que esses novos nomes podem ser alternativas para a PBH?
Sim, acredito que eles têm todas as características deste século: são jovens, conectados e inquietos. É importante compreender que há um terço da sociedade que espera mais do Estado. Há uma parte da extrema direita que quer negar o papel transformador e importante do Estado. Existe um terço de centro-esquerda convicto, mas também temos o povo. Parte da classe média, que ganha de dois a cinco salários, compreende que paga muitos impostos e recebe pouco do Estado. Há mães que desejam escolas mais competentes, com melhor aprendizado, e trabalhadores das periferias que esperam mais oportunidades e políticas públicas. Assim, temos um terço da sociedade que, de fato, somos devedores de respostas mais objetivas.
Sou parte de um grupo na política que está inquieto. Espero que o Estado seja capaz de responder, não do ponto de vista das "lacrações" na internet ou de abstrações, mas de maneira objetiva e concreta, buscando mudar a vida dessas pessoas. Costumo dizer que o Estado, às vezes, é muito violento contra as pessoas mais pobres. Ele acaba sendo bom para alguns setores da sociedade, e temos uma obrigação.
Um exemplo que me incomoda muito é a falta de articulação com todos os municípios e a ausência de um pacto para proteger a primeira infância de maneira integral. O que quero dizer é que não podemos, daqui a cinco anos, ter mais crianças de 0 a 3 anos sem uma escola integral, sem aprendizado nessa idade e sem proteção alimentar ou segurança nutricional. Hoje, deixamos 40% das crianças de 0 a 3 anos com algum tipo de insegurança alimentar e nutricional; isso é uma vergonha para um projeto de nação, para um projeto de país, para um pacto civilizatório.
Eu sei que a responsabilidade é do município, mas também temos parte dessa responsabilidade. Precisamos atuar como coordenadores, via Ministério da Educação, para fazer essa repactuação. Às vezes, falta foco, e quem tem muitas propostas não tem nenhuma na prática. Acredito nessa inquietação dessa juventude, em especial da Luiza Dulci, do Pedro Rousseff e de vários outros atores que estão despertando para a política no país.
Como o partido reage ao seu discurso de tornar o PT mais amigável a setores como o agro e o empreendedorismo?
O PT é o partido mais fantástico que o Brasil já teve. Ele constrói sua unidade na diversidade, e está faltando esse debate. Quero ser o provocador. Chegou a hora de o partido ter a compreensão de que nem tudo está certo e nem tudo está errado, que devemos ter orgulho do nosso legado e da nossa trajetória; já fizemos muito pelo Brasil e temos orgulho do que realizamos. O governo Lula consolidou a democracia, o Brasil está muito melhor, muito mais pacificado, e os resultados macroeconômicos são excelentes. No entanto, o povo quer mais. Isso não é apenas uma demanda do Brasil, é uma demanda mundial. Após a Segunda Guerra Mundial, o estado de bem-estar social e as instituições liberais burguesas, nesta e nas próximas décadas, nos devem mais ousadia, mais entrega, mais Estado para essa população, que está cobrando. Portanto, não adianta transferir a responsabilidade para outros que conseguem dialogar melhor e canalizar a raiva; o problema é nosso. Precisamos assumir essa responsabilidade e encontrar as respostas. Na minha opinião, falta foco. Precisamos de criatividade e foco.
O presidente Lula é um ser humano extraordinário; diria que, como diz um poeta, é um ser humano insatisfeito. O insatisfeito é bom, pois não dorme, e são as inquietações que mudam o mundo. Precisamos ter as inquietações do presidente Lula e de todos os militantes da sociedade do PT, e isso deveria ser uma inquietação de toda a sociedade brasileira. Não podemos admitir preconceito, desigualdade ou injustiça.
O Brasil é muito rico. Sou otimista em relação ao Brasil. Acredito que é uma das nações mais ricas do planeta, pois dominamos o clima tropical. Ninguém acreditava que seria possível fazer uma, duas, três safras. As vantagens comparativas brasileiras nos colocam em uma posição extraordinária de sermos um grande supermercado do mundo.
O Brasil está dominando agora a inovação na matriz energética, que é o melhor exemplo para o mundo. Temos riquezas no solo e no subsolo extraordinárias: terras férteis e terras raras. Mas o Brasil precisa ter um projeto de nação bem definido, especialmente em um contexto em que teremos a maior população idosa do mundo. A Europa demorou 100 anos para ter 30% de idosos; o Brasil terá isso nos próximos dez anos, tanto do ponto de vista econômico quanto humanitário. Este país tem a obrigação de não deixar ninguém para trás. Todos os jovens precisam ter qualificação profissional.
O Brasil tem estrutura, institutos federais, tem o Sistema S e condições de garantir isso. Precisamos sacudir; a situação não está legal. O povo já foi muito grato ao nosso partido, que nos elegeu cinco vezes para a presidência da república. Devemos ser muito gratos à generosidade do povo brasileiro, e isso nos impõe uma responsabilidade ainda maior.
O povo quer mais entrega, entrega, ser mais focada, mais objetiva. É nessa perspectiva que estou inquieto em meu debate. Estamos prestes a ter uma renovação na direção nacional do partido; acredito que essa direção perdeu a capacidade de avançar. Por isso, a renovação é boa. Este é o momento de colocar o debate em pauta. Quero trazer à luz e propor internamente todas as minhas preocupações, porque, enquanto militante e deputado federal, sou alguém que fundou o partido com 13 ou 14 anos. Quero que este partido tenha vida longa.
No ano que vem, o PT escolherá seu novo presidente. Como o senhor avalia a gestão da deputada Gleisi Hoffmann e como vê o nome de Edinho Silva, prefeito de Araraquara, para a sucessão?
Edinho é meu candidato à presidência do PT, e, em um diálogo com ele, tenho afirmado que, além do nome, vamos estabelecer processos abertos, sem rostos, sem rótulos e sem medo, trazendo à tona temas que estão colocados no Brasil e nas principais democracias do mundo. Vamos tentar formular soluções para fortalecer a democracia, pois fora dela só existe barbárie. É por meio da democracia que conseguiremos melhorar a vida das pessoas. Se o partido estiver aberto a esse amplo debate, estou com ele. Isso é um grande desafio. A presidenta Gleisi foi uma grande líder em um momento muito importante, em que o PT enfrentou dez anos de muitos ataques.
Talvez nenhum outro partido na história conseguisse sobreviver. Isso mostra que o PT está enraizado na sociedade, que o compreende como um bom instrumento para conquistas e avanços sociais. Contudo, cumpriu seu papel e agora enfrenta o novo desafio da necessidade de reformulação e de respostas mais objetivas, pelo menos para um terço da sociedade que deseja mais Estado, mais respostas e mais eficiência nos gastos públicos. Além dos nomes, o mais importante é um projeto que transforme o PT em uma escola de formação política permanente, uma escola de elaboração de políticas públicas contínua, um partido capaz de eleger um vereador em qualquer cidade, mas que chegue lá para orientar a atuação daquele legislador e que consiga dialogar com as prefeituras, fazendo diferença na vida da comunidade. Acho que esse é o grande papel do partido.
O governador Romeu Zema (Novo) decretou o teto de gastos e foi criticado pela oposição por não ter passado a decisão pela ALMG. Como o senhor avalia a decisão e como foi a repercussão em Brasília?
Dentro de um projeto de nação, é importante a união. É preciso compreender que não há desenvolvimento nacional sem a proteção integral dos entes subnacionais. Isso é fundamental para nosso país. Estou dizendo isso porque um projeto de ação com crescimento consistente deve incluir o crescimento de seus estados e municípios. Na minha opinião, a dívida de Minas com a União é responsabilidade da própria União. A falta de ousadia e de compromisso do governo federal em reorganizar o nosso sistema tributário é um problema. A origem dessa dívida vem de juros compostos e da ausência de receitas.
Foi a própria União, em 1995, que retirou de 22 milhões de mineiros seu imposto sobre exportação. Não sou contra não tributar a exportação, mas o grande erro foi a União não ter feito a reforma tributária. Quando os mineiros compram um carro em São Paulo, pagam imposto para São Paulo, e perdemos esse imposto como consumidores. Os estados primários exportadores, como o Rio Grande do Sul, ficaram endividados. Sempre defendi que essa dívida deve ter não apenas um redutor na taxa de juros, mas também um redutor no montante da dívida, pois a União deu um calote nos estados primários exportadores.
E não se trata de um calote pequeno, mas sim extraordinário. Se somarmos tudo, dá mais de R$ 800 bilhões. A União praticou uma taxa de juros que não é compatível com seu papel de manter a integridade nacional. Se a economia cresceu, em média, 1,2% do PIB nos últimos 40 anos, cobrar IPCA + 4% de prêmio é quase uma agiotagem. Eu tentei pautar esse debate de outra forma, pois entendo que a Cemig, a Copasa e a Codemig são soluções para Minas, não problemas. Essas empresas distribuem lucros e dividendos que compõem as receitas do estado, e nos últimos dez anos, 80% dos investimentos vieram dessas três empresas, garantindo ao povo mineiro água, saneamento, saúde e energia, fundamentais para o desenvolvimento e para cuidar de nossas riquezas no subsolo. Eu entendo que essa é uma abordagem errada, mas minha posição, evidentemente, é minoritária neste momento.
Reduzir o estoque sem envolver as estatais, portanto?
Elas poderiam até ficar alienadas, vamos dizer assim, desde que a transferência de seus lucros e dividendos fosse para pagar o restante dos juros. Mas não devemos transferir as estatais para a União; elas pertencem ao povo mineiro, são patrimônio do povo mineiro e instrumentos que temos para o desenvolvimento de Minas. Minas é quase um continente e é fundamental para o desenvolvimento nacional. Portanto, não devemos abrir mão dessas estatais.
O senhor foi coordenador do Grupo de Trabalho da Reforma Tributária e relator da regulamentação na Câmara. Qual foi o maior avanço que o senhor acha que conseguiu com a reforma?
A reforma tributária é algo extraordinário. O Brasil passará do pior sistema tributário do planeta para um dos mais ousados e modernos do mundo. Seremos o primeiro país em que, ao realizar uma compra, o cidadão passará o meio de pagamento, e o imposto será contabilizado, apurado e recolhido automaticamente. Com isso, reduziremos em 5% a carga tributária do povo brasileiro, combatendo a sonegação, a fraude e a inadimplência. Esse modelo tecnológico permitirá devolver crédito ao exportador em 180 dias; hoje, ele não recebe. Se ele acumular crédito, a devolução será automática, pois o sistema será inteligente. Estamos criando um meio de recolhimento do imposto em que, se o adquirente desconfiar do fornecedor, que não paga a Receita Federal ou o comitê gestor, ele ainda poderá pagar manualmente. Sem falar que 98% das nações têm imposto sobre valor adicionado e não cobram imposto sobre o imposto.
O Brasil está desconectado do mundo; os produtos com valor agregado ficaram caros, e, por isso, o Brasil virou um país primário exportador, sem competitividade nem no mercado interno. Criamos progressividade no sistema tributário e vamos devolver o dinheiro pago em impostos para os mais pobres. Para 94 milhões de brasileiros, ao comprar, ao informar o CPF, receberão de volta o imposto. Isso é uma revolução. Quem mais paga impostos no Brasil são os mais pobres, as pessoas com menor poder aquisitivo. O consumidor é quem arca com 1/3 da arrecadação em renda e patrimônio, enquanto dois terços vêm do consumo.
Assim, o consumidor que tem meio salário de renda per capita receberá cashback, um retorno do que paga. Resolvemos, portanto, todas as distorções do sistema tributário brasileiro, reconectando o Brasil ao sistema internacional e criando um ecossistema conhecido para atrair novos investimentos. Temos uma megasimplificação e o resultado disso será colocar R$ 6 mil a mais de renda per capita no bolso do povo brasileiro. Faremos o Brasil ficar rico, com um aumento de 20% no PIB apenas pelo ganho de competitividade. É a primeira vez que a economia brasileira terá ganho de produtividade e competitividade.
O senhor criou um projeto para proibir o uso de cartões de crédito e contas bancárias do Bolsa Família para apostas em jogos online (bets). Como o senhor avalia a regulamentação do setor?
Nós erramos; deveríamos ter regulamentado as apostas e controlado a propaganda. Subestimamos a capacidade de publicidade das casas de apostas, e isso está tirando mais de 1,5% do PIB. A economia poderia crescer mais de 3% de maneira extraordinária; ninguém esperava que pudesse crescer mais de 4%, mas estamos tirando dinheiro da mesa do povo, comprometendo a alimentação das famílias para enviá-lo a paraísos fiscais. Portanto, não podemos admitir, em hipótese alguma, o uso de cartões de crédito, pois é uma agiotagem com juros de 400%. Não podemos permitir que R$ 40 bilhões continuem sendo desviados, já que foram R$ 3 bilhões apenas em agosto com o Bolsa Família.
Precisamos parar com essa jogatina. Estou realmente radicalizado nesse ponto. Quero proteger as famílias, e proteger as famílias não é escolher o modelo de família, mas sim preservar seu poder de compra, sua renda e seu emprego, sem permitir que sofram preconceito. Nessa perspectiva, considero-me um defensor das famílias brasileiras, pois enfrentei esse debate com coerência. Até então, o tamanho do desastre das apostas nas rendas populares e no consumo no supermercado e restaurantes ainda não era público.
Na reforma tributária, incluímos um imposto seletivo sobre as apostas, pois entendemos que é necessário inibir o consumo desse produto, que causa problemas de saúde coletiva, vícios e questões de saúde mental.