Renato Orphão
     -  (crédito: Renato Orphão)

Renato Orphão

crédito: Renato Orphão

Que a direita e o centro deram uma goleada na esquerda não há nenhuma dúvida. Os números estão aí e não carece repetí-los aqui. Porém, mais do que dar a vitória ao centro e à direita, o povo mandou um recado aos políticos nas eleições municipais. Nos recordes de abstenção, de votos nulos e brancos está embutida a mensagem popular.

Passados 14 anos, o comportamento do eleitorado dá sentido a uma confusa filosofada da então candidata a presidente da República, Dilma Roussef. Em setembro de 2010, ainda sem saber que, em um mês e pouco, seria eleita presidenta (como gostava de ser chamada) e impichada cinco anos e pouco depois, Dilma fez a seguinte profecia:

“Não acho que quem ganhar ou quem perder, nem quem ganhar nem perder, vai ganhar ou perder. Vai todo mundo perder”.

Aqui não dá para escapar da numeralha. Em média, 30% do eleitorado não saiu de casa de para votar. Mais alguns milhares foram às urnas para dizer que nenhum candidato merecia ser prefeito e anularam os votos. Outros milhares, mais, foram às seções eleitorais para mostrar que estão pouco ligando para a política e votaram em branco.

Fico com os resultados de Porto Alegre, por afinidade, e de São Paulo pelo tamanho da metrópole. Na capital gaúcha. Sebastião Melo foi eleito em segundo turno com 406.467 votos. Mas 381.965, a maior abstenção da história, se abstiveram. Aí, some esse povo todo aos 27.249 que votaram em branco e aos 26.811 que anularam e o Melo perde para eles por quase 30 mil votos. E tem mais, é preciso contar, também, o pessoal que votou no Melo não porque o considera melhor, mas porque acha Maria do Rosário pior que ele…

Olha aí a profecia da ex-presidenta. Todo mundo perde…

Em São Paulo, a coisa se repete. A capital paulista bateu recorde de abstenção no segundo turno. Também, após daquele primeiro turno que mais pareceu encontro da Mancha Verde com a Gaviões da Fiel depois de um Palmeiras x Corinthians, queriam o que, não é mesmo?Ricardo Nunes foi eleito com cerca de 3,3 milhões de votos contra os 2,3 milhões de votos de Guilherme Boulos.

Vamos ao número recorde: dos quase 10 milhões de eleitores da capital paulista, 2,9 milhões preferiram ficar em casa a sair para votar em Nunes, ou Boulos. Outros 430 mil foram às seções eleitorais para vaiar dos dois e anularam os votos.

Além disso, 234 mil paulistanos foram às urnas para dizer “tô nem aí pra vocês” e votaram em branco. Resultado: quase 3.6 milhões de paulistanas e paulistanos não queriam nem Nunes, nem Boulos na Prefeitura.

Como em Porto Alegre, é preciso, ainda, levar em consideração os votos dos que digitaram 15 na urna só para impedir que o 50 ganhasse a eleição…Tipo de voto, aliás, que se repetiu Brasil afora.

Esse é o aviso que, me parece, brota das urnas. É crescente a descrença na política como meio de se promover mais igualdade, mais liberdade e mais decência na sociedade.

Os partidos, os líderes – os sérios, é claro – precisam entender esse recado e repensar sua cultura e seus propósitos. Tomara que os progressistas, a esquerda, não se fiem nessa história de que a direita rachou nas disputas municipais.

Bolsonaro saiu enfraquecido de Goiânia, onde o candidato do PL apoiado por ele perdeu para o candidato do União Brasil apoiado pelo governador goiano, Ronaldo Caiado que sonha ser candidato da direita a Presidente da República em 2026? Ora, ora… para que lado irá Bolsonaro num eventual segundo turno daqui a dois anos entre Caiado e Lula , ou outro candidato da esquerda?

Como tem muita gente especulando, dou a minha especuladinha também.

Para que lado vão se deslocar Gilberto Kassab, dito de centro, o pessoal do MDB, do PP e do centrão todo numa eventual disputa de Tarcísio de Freitas contra João Campos, por exemplo?

Essa coisa de votar no menos ruim só faz bem para a direita, que vai continuar usando as redes sociais para manipular e desinformar, esculhambando a política e se beneficiando do que há de pior na política. Então, cabe à esquerda, ao campo progressista e decente da política, jogar o jogo para melhorá-lo e não para normalizar a desmoralização da política partidária, como fez o Boulos ao topar aquela live com o Marçal na antevéspera da eleição.

Atacado pelo coach com todo o tipo de baixaria durante o primeiro turno inteiro, o psolista topou participar do que o coach chamou de Entrevista de Emprego… Imagina, o Marçal ficou fora do segundo turno por decisão do povo. Mas não vacila em se fantasiar de recrutador do prefeito, função que cabe aos eleitores… e o Boulos topa se submeter ao teste de emprego.

Me parece que não é assim que a esquerda vai fazer frente a esse inchaço da direita. Para furar essa bolha, os progressistas precisam ter claro que os movimentos sociais, o sindicalismo trabalhista, as organizações estudantis, que sempre foram esteio da esquerda estão cada vez mais desarticuladas. E não por falha de qualquer liderança. A vida mudou, o comportamento e os sonhos são outros.

É preciso ir à periferia com uma agenda mais ampla do que a identitária, a social, a comportamental. Encarar as novas aspirações populares nascidas, muitas vezes, da desinformação das redes sociais, da mentira – como fez Pablo Marçal – de que é só querer para ser empreendedor, o que leva os mais vulneráveis a topar a precarização do trabalho e ficar lutando por conta própria sem nenhum benefício trabalhista, sem nenhuma garantia previdenciária…

Ouvir os sonhos e mostrar como realizá-los sem o discurso fácil do querer é poder…E isso tem que ser feito todos os dias e nas ruas. Só nos gabinetes e nos plenários das casas legislativas não dá.

Fernando Guedes é jornalista e sócio da SHIS Comunicação, analista político, especializado em marketing político, administração de crise, análise de cenários, construção de imagem e produção de conteúdo. Trabalhou nos principais veículos de comunicação do país e assessorou ministros de Estado. Foi diretor da TV Câmara e da TV Justiça e secretário de Imprensa da Presidência da República