A virada de humor dos investidores diante da chance de vitória de Donald Trump na corrida pela presidência dos Estados Unidos antecipou um cenário que só era esperado para o primeiro semestre do ano que vem e obrigou a equipe econômica a acelerar a definição das medidas para garantir o compromisso com o equilíbrio das contas públicas. A tensão financeira joga luz no debate mundial sobre o tamanho da dívida pública, em especial dos países emergentes, como o Brasil, e derruba a estratégia que prevalecia dentro do governo brasileiro de convergência gradual do endividamento público para um nível considerado "tolerável".
O patamar atual da dívida do Brasil, que beira os 80% de tudo o que é produzido no país, em si, não é nenhuma novidade. O elemento novo no tabuleiro do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é a expectativa de piora no cenário global. Nesta semana, as projeções sobre as eleições americanas ganharam força e aumentaram a aversão a risco dos investidores, o que faz com que cada detalhe ganhe mais relevância na hora de definir onde deixar o dinheiro investido.
O tamanho da dívida é um ponto avaliado para ditar se vale ou não correr o risco de investir no Brasil. Até agora, o governo contava com "certa tolerância", já que a economia está crescendo mais do que esperado (e isso ajuda no crescimento receita do governo). Além disso, o novo presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, acredita-se, pela forte aproximação e credibilidade que conta com o presidente Lula, fará coro ao compromisso fiscal e já mostrou disposição a subir juros para manter inflação sob controle.
No entanto, o que era até aceitável num mundo dentro da normalidade muda com a previsão de que um novo governo nos EUA poderá manter a pressão nos mercados. A leitura é de que a política de Trump, se eleito, passará por mais gastos públicos, aumento da renda (fruto da visão contrária ao uso de mão-de-obra estrangeira no país) e do consumo, com pressão na inflação. O candidato republicano também defende proteção da indústria local. Com isso, dificilmente as importações, que poderiam aliviar a pressão os preços em território americano, poderão ser um instrumento com esse efeito. E, para completar, há a previsão maior tensão com a China, um motor do crescimento mundial. Tudo isso azeda a análise sobre investimento.
E investidor de mau humor reage ao mínimo sinal. A declaração de Haddad na última terça-feira, 29, de que não havia data para a divulgação das medidas de ajuste fiscal passaria perfeitamente apenas como uma tentativa do ministro de desconversar sobre o tema há duas semanas. Mas ela acentuou o estresse no mercado financeiro e obrigou Haddad e sua colega no Ministério do Planejamento, Simone Tebet, a virem a público, nesta quarta, dizer que já há consenso sobre as propostas de controle das despesas, que devem ser anunciadas em novembro. Na véspera, o presidente Lula recebeu Haddad e Galípolo para tratar do assunto.
O governo quer tempo para avaliar melhor os desdobramentos da eleição nos Estados Unidos e medir o tamanho do estrago que pode resvalar no Brasil. Na prancheta da equipe econômica estavam medidas que já provocaram a ira do presidente Lula, mas que podem ter que voltar para avaliação, a depender do cenário, segundo interlocutores oficiais.
Técnicos do governo dizem que são quase nulas as chances, por exemplo, de conseguir mexer na vinculação das despesas com saúde e educação (atreladas, pela Constituição, à variação das receitas do governo). Também já ouviram um não para a desindexação dos programas sociais, como Bolsa Família e abono salarial, que acompanham o salário mínimo.
No Planejamento, Tebet e sua equipe não estão conseguindo emplacar a tese de redução "do gasto tributário", o montante de arrecadação que o governo deixa de receber ao manter subsídios a vários setores e que, hoje, somam uma renúncia fiscal em torno de R$ 600 bilhões.
Mas uma coisa o mercado já sacou. O ministro da Fazenda tem se mostrado habilidoso em pautar o debate econômico e conduzi-lo para o lado que melhor lhe convém. O problema é que, agora, o cenário mudou, defendem seus próprios colegas de equipe, e a tensão financeira deve ditar o rumo das discussões.