Famoso na internet, Bruno Diferente viaja de Curuçá, no interior do Pará, até a capital Belém, veste uma camiseta com o número de um candidato a vereador e participa de carreatas ao lado dele. Apenas no Instagram, o influenciador digital tem 1,2 milhão de seguidores.

O número de seguidores de Bruno nessa rede social é maior que os 1.056.697 eleitores da cidade de Belém, segundo dados do Tribunal Regional Eleitoral. No TikTok, Bruno Diferente acumula mais 4,6 milhões de seguidores — número quatro vezes maior que o de pessoas aptas a votar na capital paraense.

Sem contar os 316 mil fãs que ele tem no YouTube, outros 300 mil no Kwai e 386 mil no Facebook.

 



 

Bruno não é o único. Outros influenciadores digitais têm usado suas contas pessoais para promover candidatos nas eleições municipais deste ano.

Mas, além de ditar tendências de consumo, ideologias, gostos musicais e comportamentos, essas pessoas são realmente capazes de influenciar ou até mesmo desequilibrar uma eleição? E até que ponto elas podem demonstrar apoio e pedir votos sem ferir a legislação eleitoral?

A reportagem da BBC News Brasil ouviu cientistas políticos e especialistas em marketing político para entender qual o peso que alguns influencers podem ter. Eles concordam que o apoio dos famosos na internet pode ser relevante para as campanhas, e podem chegar a ser decisivos em cidades menores, com pleitos onde uma diferença de dezenas de votos podem ser determinantes.

O cientista político e especialista em comportamento eleitoral e marketing político Antonio Lavareda afirma à BBC News Brasil que o influenciador é um formador de opinião da era digital. O especialista explica que esse tipo de apoio sempre existiu, mas que a diferença hoje é apenas o meio de comunicação utilizado.

"A importância dos formadores de opinião numa campanha sempre foi grande. Tanto é que todo candidato queria ter o apoio do futebolista que tinha acabado de ganhar o campeonato. Essas coisas contam bastante", diz.

Lavareda afirma que o apoio de famosos pode ser decisivo em algumas eleições.

"Alguns influenciadores podem ter um peso muito grande, especialmente em cidades menores. Imagine se o Pelé estivesse vivo e apoiasse um candidato a prefeito da cidade Três Corações, em Minas Gerais? Desequilibraria, sim. As coisas são como sempre foram, mas acrescidas das características dos novos tempos."

Para Lavareda, hoje o influenciador tem muito mais capacidade de formar a opinião de seus seguidores porque ele tem um espaço relativamente infinito de exposição.

"A grande diferença é que hoje ele se relaciona diretamente com o seu público, sem a mediação dos meios de comunicação. Ele não depende de espaço na TV, no rádio ou jornal", diz.

Ele afirma que um grande exemplo de sucesso dos influenciadores são casos como o do Pablo Marçal (PRTB), que é candidato à Prefeitura de São Paulo e ganha boa parte de seu apoio por meio das redes sociais.

"É o próprio influencer sendo candidato, pedindo os votos da população. São Paulo vai nos mostrar a grande força disso e ao mesmo tempo algumas limitações", aposta.

Pablo Marçal inclusive chegou a ter suas redes sociais derrubadas pela Justiça Eleitoral de São Paulo a pedido do PSB. A ação acusou Marçal de abuso de poder econômico pelo suposto pagamento de apoiadores para editar e difundir cortes de vídeos do candidato nas redes sociais.

Apoio que faz a diferença

Reprodução/ Facebook
Bruno Vinicius ficou conhecido nas redes após artistas divulgarem a loja de grife que ele possui na zona leste de São Paulo

Vânia Siciliano Aieta, especialista em direito eleitoral e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirma ser um pouco cética em relação ao peso que tem o apoio dos influenciadores nas eleições nacionais. No entanto, reconhece que eles podem fazer a diferença em pleitos municipais.

"As pessoas seguem essas celebridades por motivos diversos e isso não significa que vão votar neles. Também há muitos casos que impulsionam seus seguidores por robôs", diz.

"Mas eu acredito no poder do TikTok em relação ao jovem que não tem muita paciência para ficar ouvindo e vendo coisas muito longas, mas é conquistado por pílulas de conteúdo nessa rede. Hoje, uma campanha vitoriosa precisa desse conteúdo", diz Aieta.

Aieta, que tem uma experiência de 33 anos em direito eleitoral, afirma, no entanto, que em sua visão as eleições municipais ainda têm obedecido a uma "cartilha da política velha".

"Hoje temos inteligência artificial, influencers, mas estamos nos preocupando com debates. Hoje, 90% da eleição é sobre uso da máquina pública, abuso de poder, compra de votos", diz.

Na campanha eleitoral em São Paulo, o comerciante e influenciador Bruno Vinicius seguiu a mesma trilha de Pablo Marçal e resolveu se lançar como candidato a vereador pelo União Brasil.

Sua principal arma é a presença digital conquistada antes da vida política. Ele acumula 2,3 milhões de seguidores no Instagram por conta da fama da loja de grife que possui, que fica na zona leste da capital paulista.

O perfil do comércio tem 2,5 milhões de seguidores na mesma rede. No TikTok, Bruno Vinicius tem mais 435 mil seguidores.

Além de falar para seus próprios seguidores, na reta final da campanha, ele conta com um reforço intenso de amigos famosos que também possuem milhões de seguidores na internet.

Apenas nesta sexta-feira (4/10), antevéspera das eleições, Bruno Vinicius publicou em seu Instagram mensagens de apoio de diversos influencers.

Entre eles, estão o pugilista Popó, com 6,3 milhões de seguidores no Instagram, Gabriel Salvador, o Salvador da Rima (4,9 milhões), Maumau (2,8 milhões), Daniel Alves, conhecido como Danielzinho do Grau (2 milhões), do rapper Predella (1 milhão), Kelly Araújo (1,1 milhão) e Viviam Costa (930 mil).

O que um influenciador pode fazer nas eleições?

Getty Images
Caso regras sejam desrespeitadas, influencers e candidatos podem pagar multa de até R$ 30 mil e a candidatura pode até mesmo ser cassada

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foi procurado pela reportagem, mas não informou o que os influencers podem ou não fazer durante a campanha. O órgão orientou que a reportagem procurasse especialistas para interpretar a lei.

"A resolução que dispõe sobre propaganda eleitoral é a 23.6010/2019 alterada pela Resolução 23.732/2024. Para a interpretação dos termos, sugerimos que busque um especialista em direito eleitoral", informou o TSE por meio de nota.

De acordo com Michel Bertoni, advogado eleitoralista e professor de direito eleitoral, a legislação brasileira permite que qualquer pessoa expresse sua opinião. No entanto, não é permitido que seja feito qualquer acordo financeiro em troca desse apoio.

"Não pode ter nenhum tipo de pagamento, com exceção do impulsionamento de conteúdo [feito apenas por contas oficiais de candidatos e partidos]. Se houver uma propaganda irregular, os envolvidos podem receber multas de R$ 5 mil a 30 mil reais. Os casos mais graves ainda respondem por abuso de poder econômico", diz o especialista.

Essa regra vale desde 2009, por meio de uma resolução do TSE. Bertoni explica, no entanto, que essas punições são raras, pois é difícil comprovar que houve esse pagamento.

"Se ocorrer essa transação, ela não será declarada, feita de maneira transparente. Então, é muito difícil rastrear e comprovar que isso foi feito", diz.

Difícil, mas um candidato ao Senado teve seu registro cassado após ter sido identificada uma propaganda irregular.

O TSE tornou inelegível por oito anos o candidato ao Senado por Minas Gerais nas Eleições de 2018 Miguel Correa da Silva Junior e da empresária Lídia Correa Alves Martins. A Corte eleitoral entendeu que ambos cometeram "abuso do poder econômico e captação ilícita de recursos para a criação de aplicativo de internet e a contratação de influenciadores digitais em benefício da campanha".

O processo apontou que os dois são donos de uma empresa responsável pela contratação de outra empresa, por R$ 257 mil, para a criação de um aplicativo. A Justiça eleitoral alega que o pagamento teria representado mais de 20% do valor gasto na campanha de Miguel, sem ter declarado na prestação de contas.

Para Alexandre de Moraes, ministro relator deste caso, o elevado valor do contrato e o uso do aplicativo com claro viés eleitoral e sem ter sido declarado caracteriza abuso de poder econômico.

A determinação é diferente quanto às campanhas de rua, nas quais pessoas podem ser contratadas para distribuir santinhos, por exemplo, desde que as contas sejam prestadas diante da Justiça Eleitoral.

Na internet, uma pessoa até pode ser contratada pela campanha para administrar as redes sociais de um candidato. Mas ela não pode fazer isso usando seus próprios perfis.

Michel Bertoni afirma que, como pessoa física, o influenciador pode manifestar sua opinião de maneira livre.

"É a mesma coisa quando uma uma liderança política, como um presidente da República, apoia outro candidato. Ele tem influência e pode atrair muitos votos, e as pessoas têm o direito de expressar sua opinião política", diz.

Apesar de qualquer cidadão poder demonstrar seu apoio nas redes, ele não pode impulsionar posts políticos.

Por exemplo, pagar para que sua publicação chegue a mais usuários por meio de ferramentas do Instagram ou TikTok, por exemplo. Só quem pode contratar impulsionamento são os candidatos, os partidos ou as coligações.

A única observação que deve ser feita é que a página do influenciador que decidiu fazer campanha deve pertencer à própria pessoa física. Se aquele perfil se tornou uma empresa, ou seja, com CNPJ, ainda que seja de propriedade daquele influenciador, aquela página passa a ser considerada uma página empresarial e não pode ter campanha eleitoral.

Mesmo sem ter CNPJ, qualquer página que pareça ser de empresa, como uma loja de roupas ou uma doceria online, também está vetada da propaganda eleitoral, pois está atraindo pessoas por meio da prestação de um serviço, de acordo com o advogado especialista em direito eleitoral Fernando Neisser, professor da Fundação Getúlio Vargas.

7 milhões de seguidores

Reprodução/ Instagram
Bruno Diferente dançando com mulher de candidato a vereador em Belém do Pará

Bruno Diferente, o humorista que se define como um meme ambulante, fez diversas publicações em apoio à candidatura de Zezinho Lima, candidato a vereador pelo PL em Belém, no Pará.

Bruno acumula quase 7 milhões de seguidores em suas redes sociais e acredita que sua popularidade pode ajudar a eleger o candidato.

O vereador mais votado nas últimas eleições municipais em Belém foi eleito com 10.851 votos. Mas teve quem se elegeu com 2.364 votos ao último pleito para uma cadeira na câmara municipal da capital paraense.

Bruno, que aparece em fotos e vídeos ao lado do ex-presidente Jair Bolsonaro e do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), diz que apoia Zezinho por se identificar com suas propostas e pela atuação dele como vereador na cidade de Ananindeua, na Região Metropolitana de Belém.

"Me interessei pelas propostas e, apesar de votar em outra cidade, decidi apoiá-lo. Não podemos deixar Belém do jeito que está, com ruas esburacadas, cheias de lixo. Vamos sediar a COP30 [em novembro de 2025 ] e precisamos de mudança", afirma.

Em entrevista à BBC News Brasil, tanto Zezinho quanto Bruno disseram que a participação ativa na campanha levou Bruno a passar os últimos dias em Belém.

Ambos negaram haver pagamento em troca de apoio. Zezinho afirma que apoia Bruno com hospedagem. O influencer, que mora a cerca de 150 km da capital, estava hospedado em um hotel quando conversou com a reportagem.

Bruno Diferente já teve um de seus vídeos publicado na página do rapper americano Snoop Dogg e costuma aparecer acompanhado de celebridades, como jogadores de futebol e políticos. Ele diz não temer uma possível perda de seguidores por apoiar o candidato.

"Eu não posso me acovardar. Quando eu comecei a apoiar, ele tinha 25 mil seguidores no Instagram e agora está com quase 30 mil. Estou cumprindo meu papel como cidadão", disse o influenciador.

Zezinho Lima afirmou à reportagem que se aproximou de influencers por meio da mulher dele, que também é atuante nas redes sociais e publica conteúdo sobre musculação e beleza.

"Comecei a seguir o Bruno, mostrei meus projetos de lei aprovados, como a proibição de crianças na Parada Gay, e nos identificamos. [Essa aproximação] pode ser uma boa oportunidade para eu sair da bolha da direita. O Bruno tem uma grande influência. Quando ele está com a gente, chama mais atenção que todo mundo", conta.

O candidato, que diz ter uma relação próxima com o ex-presidente Jair Bolsonaro, afirma que Bruno Diferente costuma participar de dois comícios da campanha dele por semana, mas que não o ajuda financeiramente.

"Não vejo ele se vendendo ou ganhando alguma coisa para estar ao nosso lado e defendendo nossas pautas", diz.

"Na verdade, a única coisa que eu estou dando aqui é a questão da estadia dele. O resto ele está se mantendo com seu próprio trabalho. Não é uma coisa diária. Ele está com a gente umas duas vezes por semana quando tem adesivaço e ele discursa".

Chamar atenção, seja como for, sempre foi uma tática usada em campanhas políticas no Brasil e agora ela é renovada com o auxílio de influenciadores.

Em sua campanha, o candidato à prefeitura de Sorocaba, no interior de São Paulo, Rodrigo Manga (Republicanos) não apenas conta com o apoio de influenciadores, mas também participa dos vídeos feitos por eles para elogiar sua gestão.

Em um desses conteúdos publicados no Instagram, o prefeito aparece ao lado do influenciador conhecido como bigmartt (que tem 1,1 milhão de seguidores na rede) em um cenário caótico.

Na cena, que ocorre ao lado de uma área com lama, o prefeito é molhado com um balde d’água enquanto sorri, entrega uma carteira de trabalho, uniforme escolar e até uma manga (em referência ao nome dele) para o influenciador.

A esquete de humor é elogiada nos comentários por outros influencers, como o humorista Thiago Ventura, que tem 9,5 milhões de seguidores no Instagram.

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