“Concedei-nos o convívio dos eleitos”. A frase dita em coro por fiéis em missas da Igreja Católica para manifestar o desejo de herdar a vida eterna perto de Deus é facilmente transferida para outro contexto durante o período de campanhas políticas. Neste outro cenário, o desejo pela ‘eleição’ é mundano, mas pode estar também atrelado à fé cristã. É o caso das centenas de candidatos de todo o país que bateram à porta do deputado federal Nikolas Ferreira (PL) em busca de apoio nas disputas pelas câmaras municipais deste ano. O cabo eleitoral do bolsonarismo foi rigoroso ao escolher seus apadrinhados e colheu bons resultados: das 20 maiores cidades mineiras, 12 tiveram o nome ungido pelo parlamentar neopentecostal com vaga de vereador garantida.


A capital e maior colégio eleitoral do estado, Belo Horizonte, é o melhor exemplo do sucesso da estratégia do PL nas maiores cidades mineiras. “O candidato do Nikolas Ferreira”, como Pablo Almeida se apresentava nas redes sociais e até em jingles de campanha, foi eleito vereador como o mais votado da história ao conseguir 39.960 votos. Apontar apenas um competidor como o apoiado pelo deputado federal foi uma estratégia difundida para as demais cidades, bem como o uso do número mais simples para a memória do eleitor: 22.222.

 




Conforme relatado à reportagem, a definição do nome apoiado por Nikolas em cada cidade foi criteriosa e rigorosa. Na pré-campanha, os pedidos chegaram aos montes. A equipe do parlamentar então faz uma devassa na vida do requisitante e busca por elementos que possam o credenciar como o escolhido naquela cidade. Um deles é ser um apoiador de longa data do ex-presidente Jair Bolsonaro, ao menos desde a eleição de 2018. A partir daí, são avaliadas a postura em relação à chamada ‘ideologia de gênero’, a contrariedade ao aborto e demais tópicos típico da pauta de costumes bolsonarista.


O PL reúne diversos candidatos que usam o rosto de Bolsonaro, Nikolas, Michelle Bolsonaro e dos filhos do ex-presidente. Mas, impreterivelmente, apenas um por cidade tem um vídeo com o deputado federal mais votado do país em 2022 pedindo nominalmente a escolha do eleitor. Essa unicidade também faz parte da estratégia e ajuda, inclusive, na concentração de recursos.


Apenas a transferência do prestígio e força digital de Nikolas não bastam para o sucesso eleitoral, é claro. É aí que entra a influência do parlamentar dentro do partido regido por Valdemar Costa Neto. A campanha de Pablo Almeida foi turbinada com R$ 302 mil, sendo R$ 290 mil dos cofres do PL. Em Uberlândia, Janaína Guimarães recebeu R$ 33 mil da legenda, pouco mais de um terço do total arrecadado para obter o resultado de 5.050 votos em seu número 2.222 e garantir uma vaga na Câmara Municipal da segunda maior cidade do estado. 


Em Contagem, Pedro Luiz foi outro agraciado com o apoio de Nikolas e o número de urna 22.222. A repetição do algarismo foi confirmada 9.330 vezes na cidade da Grande BH, a terceira mais populosa do estado, o que lhe rendeu o posto de segundo nome mais votado da cidade. O novo vereador tem três publicações fixadas em seu perfil no Instagram, todas elas com a imagem do deputado federal. Dos R$ 194 mil recebidos pela campanha do candidato, R$ 190 mil vieram dos cofres do PL.


Migrando para a Zona da Mata, repete-se a lógica. Roberta Lopes teve os R$ 190 mil de sua campanha bancados pelo PL e, ao lado de Nikolas, emplacou 7.924 votos em seu número 22.222 e foi a segunda candidata mais votada de Juiz de Fora, quarta maior cidade de Minas.


O ‘triplo dois’ não foi sinônimo de sucesso para Larissa Ramos, que ficou na suplência em Montes Claros, no Norte de Minas. Mas em Betim, sexta maior cidade mineira, o apoio de Nikolas emplacou o quinto mais votado na corrida pela Câmara Municipal, Layon Silva.


Em Uberaba, Ellen Miziara garantiu a eleição e o número 22.222. Ela abraçou todas as pautas do PL bolsonarista, mas não foi apadrinhada por Nikolas. Em Santa Luzia, Fernando de Ariston foi o quinto mais votado contando com um feed do Instagram transbordado com fotos e vídeos de Nikolas Ferreira.


Ipatinga foi a maior cidade mineira em que o apoiado de Nikolas não era do PL e conseguiu sucesso. O número 22.222 ficou com Ley do Trânsito, um quadro do PL com uma campanha menos atrelada ao bolsonarismo. Nikolas Ferreira apoiou Matheus Braga, do Democracia Cristã (DC), eleito como o quinto preferido do eleitorado do município do Vale do Aço.


O apadrinhado de Nikolas em Teófilo Otoni foi o último entre as 20 maiores cidades mineiras a aliar o número 22.222 ao sucesso nas urnas. Ugleno Alves é outro que coleciona fotos com o deputado federal às dezenas, incluindo uma em que o parlamentar aparece sentado sobre seus ombros. Ele foi o candidato mais votado do município de 137 mil habitantes.


Em Poços de Caldas, Ricardo da Zélia foi eleito como “o candidato de Nikolas Ferreira” com o número 22.333. Com 22.000 nas urnas e o deputado federal no material de campanha, Davi Martins pavimentou seu caminho à Câmara Municipal de Varginha. Patos de Minas, no Alto Paranaíba, foi outra cidade em que o apoiado do parlamentar não foi um correligionário, mas Zé Luiz, do Podemos.



Fracassos


Os apoiados de Nikolas Ferreira ficaram na suplência em Governador Valadares, com Paula Crepaldi; em Divinópolis, com André Alves, do Republicanos; em Sete Lagoas, com Winicius Raposo; e em Vespasiano, com Claudinei Lopes.


Felipe Paiva, o 22.222 de Ribeirão das Neves, e Guilherme Costa, com o mesmo número em Ibirité, não foram eleitos e sequer integram a lista de suplentes. Pouso Alegre fecha a lista das 20 maiores cidades do estado sem ter nenhum candidato do PL eleito para a Câmara Municipal.

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