Vereadora de esquerda mais votada em Belo Horizonte, Iza Lourença (Psol) atribui o resultado ao trabalho junto aos movimentos sociais feito na Câmara Municipal nos últimos quatro anos. Com 21.485 votos, ela foi reconduzida para um segundo mandato triplicando seus números, sendo a terceira entre todos os eleitos na capital mineira.


Em entrevista ao Estado de Minas e Portal Uai ontem, Lourença comentou o resultado das urnas avaliando que foi um reconhecimento do trabalho e uma resposta para a violência política de gênero sofrida no primeiro mandato, com ameaças e perseguições nas redes sociais. “Eu tive um sentimento de justiça pelo que passei nos últimos quatro anos”, disse.

 


A vereadora do Psol também comentou a disputa pela Prefeitura de Belo Horizonte, declarando apoio ao atual prefeito Fuad Noman (PSD) contra o deputado estadual Bruno Engler (PL), apadrinhado político do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). “Não pode sentar na cadeira de prefeito quem fala contra a vacina (de COVID-19)”, declarou Iza Lourença.


A parlamentar ainda classificou a emergência climática na capital como um ponto central do seu mandato, além da defesa dos direitos das mulheres. Iza Lourença também comentou a liderança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a disputa entre o correligionário Guilherme Boulos e Ricardo Nunes, do MDB, em São Paulo.

 



 

A senhora praticamente triplicou sua votação em relação ao primeiro mandato. A que atribui esse crescimento tão expressivo?


Eu acho que tem muito a ver com o meu trabalho. Já imaginava aumentar o número de votos que tive porque trabalhei muito nesses quatro anos, mas ter esse número tão expressivo foi resultado de um reconhecimento. As pessoas acreditaram e passaram a confiar em mim. Em 2020 eu era muito menos conhecida do que sou agora. A partir do momento que as pessoas me conheceram, e eu tive a oportunidade de mostrar o meu trabalho, tive esse reconhecimento. Além disso, a minha felicidade maior foi ter contribuído para aumentar a bancada de esquerda na Câmara. Nesses quatro anos foi muito difícil. A quantidade de violência que a gente enfrentou, principalmente eu e a Cida Falabella, duas mulheres de esquerda lá dentro com a vida ameaçada, andando de escolta, foi muito difícil. Quando veio esse reconhecimento eu tive um sentimento de justiça pelo que passei nos últimos quatro anos.

 

Na própria campanha houve muita violência?


Teve muita, além das violências cotidianas que recebemos todos os dias, um desmerecimento, comentários agressivos nas redes, isso está muito cotidiano no Brasil. Agora, na campanha, eu tive o episódio de estar fazendo uma “caminhada pelo clima” na Feira Hippie, chamando as pessoas para votarem pensando no planeta, e dois homens diferentes vieram me intimidar com uma câmera, gravar, e tentar acabar com minha caminhada. Acho que a melhor resposta foi na urna.

 

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A senhora também teve um episódio em que rasgaram suas bandeiras. Tem como contornar esses episódios na rua? Acha que a legislação precisa melhorar para proteger as candidatas mulheres?


Eu bato muito na tecla da resposta institucional à violência política de gênero. Quando fui ameaçada, por exemplo, em agosto de 2023, a gente lutou muito para que o responsável fosse preso. Foi muita luta até ele ser preso, mas foi uma resposta importante. Também vamos aprovar em segundo turno na Câmara um projeto de lei contra a violência política de gênero, que vai ser uma resposta importante. Nesse caso da bandeira, um homem coloca um boné, óculos, atravessa a rua com um objeto cortante, e rasga a minha bandeira no meu rosto. Quando a gente viu as imagens percebemos que não se tratava de qualquer coisa, se tratava de uma violência contra a minha pessoa. Provocamos a Polícia Federal para abrir um inquérito e investigar. Acho que as instituições estão se movendo para isso, ainda que a gente tenha que provocar muito para que de fato a justiça seja feita.

 

A senhora está partindo para um segundo mandato. O que ficou para trás e não conseguiu fazer que pretende retomar neste mandato apresentando um projeto?


A gente vive uma centralidade da luta ambiental, isso é inquestionável. Onda de calor, misturada com a pior seca da nossa história, a pauta ambiental precisa continuar no centro e vai continuar no meu mandato. Isso significa que todo dia tem coisa, todo dia a gente tem que combater a mineração, lutando pela despoluição dos rios. Falamos muito disso, mas pouca coisa foi feita para despoluir o Ribeirão do Onça, pensar no Rio Arrudas que mais abastece Belo Horizonte. Eu consegui aprovar 18 projetos de lei, algo que considero extraordinário em uma Câmara difícil para a esquerda. A luta agora é para que essas leis saiam do papel e sejam implementadas. Por exemplo, a lei de combate à violência obstétrica, porque muitas vezes a mulher sofre a violência e não tem onde denunciar, então aprovamos um projeto sobre o que são as boas práticas na hora do parto, mas ainda não está efetivado em Belo Horizonte.

 

A Câmara Municipal tem aprovado muitos projetos vistos como conservadores, recentemente teve um “censo do aborto”. Como fazer o enfrentamento dessas pautas que acabam aprovadas com facilidade?


Hoje a Câmara é muito conservadora, e a que vem também vai ser, temos que ter muita inteligência política para lidar com isso. Lembro que quando o meu projeto sobre a violência obstétrica foi pautado no plenário, gerou um murmurinho com vários vereadores falando que era um projeto para legalizar o aborto em Belo Horizonte. Eu tive que sentar com um por um e explicar primeiro que nem é possível legalizar o aborto em uma cidade, é inconstitucional, segundo que estou dizendo o contrário, que as mulheres na hora que estão tendo um filho precisam ser respeitadas e não podem ser violentadas. Eu tive que fazer todo um trabalho para convencer as pessoas. O aborto também é uma pauta muito complicada, porque ele é legalizado em três possibilidades: risco de vida da mulher, feto anencefálico e caso de estupro. Existe uma agenda nacional de tentar fazer com que esses três casos retroceda. Nós enfrentamos no Congresso Nacional um projeto em que a mulher vítima de estupro que decidisse pelo aborto poderia ser julgada no código penal. Em Belo Horizonte fizeram uma lei para que a prefeitura publicasse todos os dados, ou seja, dados da maternidade, faixa etária, tudo. Para que isso serve? Para perseguir as pessoas, para irem na porta de uma maternidade que faz o aborto legal e tentarem convencer uma menina. Isso é perseguição, violência psicológica. Nós acionamos a justiça e ela suspendeu o projeto.

 

Com o crescimento da bancada de esquerda de 5 para 9, esse enfrentamento vai ser mais fácil?


Vai ser menos pesado. Porque quando você está lá às vezes sozinha, ou contando com poucas pessoas, fala e fingem que não entendem o que você está falando. Por mais que você fale, parece que entra no ouvido e sai pelo outro, é pesado. Com 10 pessoas falando a mesma coisa, eu acho que sem dúvida a gente vai estar mais fortalecido. Além do debate no plenário que vai ser melhor, vai ser mais dividido, a gente vai poder atuar em mais pautas, mais gente para atuar e estar mais com a população. Vai ter mais gente com o povo, conversando, debatendo ideias para que a gente consiga desfazer mentiras e consiga quebrar tabus que são importantes na sociedade e mudando consciências.

 

A direita também saiu muito fortalecida. Que Câmara a senhora está prevendo?


A gente já esperava o fortalecimento da direita. Eu não tive nenhuma surpresa, porque a Câmara já é muito conservadora e vai continuar. Eu espero uma Câmara difícil de atuar, eu fui eleita em 2020 junto com o Nikolas Ferreira e foram dois anos de briga todos os dias, e elas vão continuar no Parlamento. Eu não conheço (o Pablo Almeida, vereador mais votado de BH), nunca vi, nunca tive nenhuma discussão política com ele, mas chega forte. Vão ter muitos embates na Câmara Municipal, sem sombra de dúvidas. Agora, vamos ver como vai ser o segundo turno.

 

Na disputa para prefeito, o que a senhora espera, se o Bruno Engler vencer e se Fuad Noman vencer?


Se o Bruno ganhar a eleição nós vamos ter um cenário de dificuldade, na Câmara e na cidade. A máquina pública é forte, veja o Fuad que era um prefeito que as pessoas não conheciam e foi para o segundo turno. A prefeitura tem máquina, tem dinheiro. O Bruno Engler com isso na mão eu espero um cenário de muita dificuldade. Estamos falando de um possível prefeito que falou abertamente que não toma vacina para COVID-19, olha quantas pessoas morreram na nossa cidade. Um possível prefeito que na Assembleia foi aliado das mineradoras, e estamos falando que precisamos proteger a Serra do Curral. Por outro lado, se a gente tem a vitória do Fuad, e estou trabalhando para que ela aconteça, não porque acho ele o melhor prefeito do mundo, mas porque não pode sentar na cadeira de prefeito quem fala contra a vacina. Vamos continuar tendo dificuldades na Câmara porque ela é muito conservadora. Por exemplo, teve um projeto apresentado pelo Fuad sobre o enfrentamento às mudanças climáticas que ela derrubou. Vamos ter uma Câmara difícil, mas vamos debater políticas públicas em outro patamar do que no caso de um prefeito do PL. Nós vamos fazer a campanha para apoiar o Fuad. A princípio, estamos articulando uma reunião com o prefeito. Existem movimentos sociais que querem entregar cartas e defender suas pautas. Nós vamos fazer essa atuação com os movimentos sociais, que é onde a gente tem um peso grande.

 

 

Na campanha para prefeito, como a falta de acordo da esquerda contribuiu para o campo não chegar ao segundo turno?


Desde o ano passado a gente lutou muito para sair uma candidatura unificada, fizemos um ato público com Rogério (Correia), Duda (Salabert), Bella (Gonçalves) e Ana Paula (Siqueira) para falar da necessidade dessa unidade. A Bella sentou com o presidente Lula, que pra gente é o maior líder da esquerda do Brasil e quem conseguiu nos tirar de um governo fascista, e fizemos o gesto de retirar a nossa candidatura. A gente queria estar junto na coordenação de campanha, na militância, porque a nossa prioridade era a junção de Duda e Rogério naquele momento. O resultado da eleição demonstra que se tivessem saído juntos seria muito melhor para a cidade. Infelizmente se dividiu a esquerda e boa parte dos votos migrou para o Fuad como alternativa para o segundo turno.

 

A eleição municipal é pautada pelos problemas da cidade, mas o PL tende a nacionalizar a questão. Faltou um engajamento do presidente Lula na cidade?


Era importante a vinda do presidente, e continua sendo importante. Nós temos um Brasil dividido, não é possível escapar dessa divisão. Acho que o presidente Lula faria toda diferença na eleição, mas eu acho que ele também está preocupado com as alianças para 2026, e a gente tem que respeitar.

 

Bolsonaro ganhou de Lula em Belo Horizonte. É possível reverter esse quadro ou BH virou uma cidade conservadora?


Belo Horizonte é uma cidade de muita alegria, cidade do Milton Nascimento, Clube da Esquina, Djonga, carnaval, referência para o hip-hop. Eu acho que estão lutando para transformar em uma cidade cada vez mais conservadora, nós estamos aqui para resistir. Eu falo que nossa bancada de esquerda vai ser o “paredão de resistência”. Acho que vai depender muito da atuação da esquerda nesses dois anos para chegar em 2026. É verdade que o presidente Lula não ganhou em Belo Horizonte? É verdade, mas também é verdade que ele teve quase 50%, não é como se ele tivesse perdido por 30%. Ele tem base, foi bastante gente que votou nele. Eu aposto muito na reconstrução da esquerda. Na minha atuação política priorizo o trabalho territorial. Sou fundadora de cursinho popular no Barreiro, que é auto-organização da juventude e aprova pessoas nas universidades. Isso vai ganhando peso social nas pessoas. Eu aposto muito nesses movimentos sociais para a gente virar o pouco que falta para Belo Horizonte se tornar de maioria em prol da igualdade.

 

Considerando sua experiência no primeiro mandato, o que vê de erros e não quer repetir?


Quando cheguei eu tive um baque muito forte. Eu não esperava que fosse tão difícil na Câmara. Mantive posições muito firmes, mas foi muito difícil. Teve projeto, por exemplo, que falei que não votava porque era ruim, e pessoas influentes falavam que eu não aprovaria nada no meu mandato. Uma coisa que eu apostei é na construção coletiva, e quero continuar apostando. Todos os projetos que apresentei na Câmara foram construídos com os movimentos, nunca apresentei um projeto da minha cabeça. Eu chamo os movimentos que atuam na pauta para fazer junto, e isso eu pretendo repetir. Foi só por causa dessa força popular que cheguei onde cheguei.

 

O deputado federal Guilherme Boulos disputa a Prefeitura de São Paulo como a grande aposta da esquerda, do PT e do PSOL. O que falta para ele tirar a diferença do Ricardo Nunes (MDB)?


Estou muito convicta de que com o Lula na campanha do Boulos, agora a Tabata e o Alckmin, é possível vencer a eleição de São Paulo com muito esforço e muita luta. Não acho que seja uma eleição perdida. É difícil para o Boulos, mas não acho que está perdido. Eu acho que dá para apostar nas pessoas que elegeram o Lula em São Paulo e foi mais de 50% da população, e dá para ganhar. 

 

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