De um lado, Bruno Engler (PL) se agarra à vantagem de quase 100 mil votos conquistada no primeiro turno para se tornar prefeito de BH. De outro, Fuad Noman (PSD) se apega ao cenário medido pelo Instituto Datafolha, que projeta 48% das intenções de voto para o atual chefe do Executivo, ante 41% para o deputado estadual, no segundo turno. A única certeza de momento, porém, é que a corrida será apertada neste segundo turno das eleições 2024.
Cada ingrediente pode pesar para o resultado final. Diante de tal prognóstico, as 588.699 abstenções na capital mineira na primeira rodada do pleito se tornam um dos alvos das campanhas para sair com a vitória em 27 de outubro. Como conquistar a preferência de quem sequer foi às urnas na semana passada?
Para efeito de comparação, o volume de quase 590 mil abstenções supera a votação de Bruno Engler em 152 mil, mesmo com o deputado liderando a disputa no primeiro turno. Na comparação com Fuad Noman, a diferença alcança a marca 252 mil. Em termos percentuais, 29,54% dos eleitores da capital sequer compareceram aos seus locais de votação em 6 de outubro – índice que coloca BH acima da média nacional de 21,68% de faltantes.
Apesar dos dados expressivos de BH, o cientista político e professor do curso de Relações Internacionais da ESPM, Fábio Andrade, pensa que o TSE precisa melhorar a maneira como mede as abstenções. “A base do TSE melhorou muito, mas continua problemática. Temos pessoas que faleceram, mas não foi feita essa limpeza. Temos também pessoas que mudaram de domicílio, mas que não fizeram a correspondente mudança de zona eleitoral. BH pode estar acima da média nacional por conta de movimentos migratórios. É um ponto de atenção”, afirma.
Mas, onde estão essas abstenções? Apuração feita pelo Núcleo de Dados do EM por meio de requisições à interface do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostra que o maior volume absoluto delas se concentra no Barreiro. A 333ª zona eleitoral – onde estão bairros como Bonsucesso, Cardoso e Flávio Marques Lisboa – registrou 42.113 faltantes no primeiro turno. Nesse local, Engler teve uma de suas menores vantagens sobre Fuad no primeiro turno, cerca de quatro mil votos.
Venda Nova também se destaca em volume absoluto de abstenções com 39.550 na 334ª zona eleitoral, que compreende também algumas pequenas partes da Pampulha. Estão nela bairros como Santa Mônica, Céu Azul, Jardim Leblon e Copacabana, considerando essa primeira regional; e Santa Amélia e Jardim Atlântico, tratando sobre a segunda. Nessa fatia da cidade, Engler teve larga vantagem sobre o prefeito Fuad, com quase 10 mil votos de frente.
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Ao considerar os índices de abstenção (percentual de eleitores aptos que deixaram de ir às urnas), em vez do volume absoluto (total de faltantes), a Região Centro-Sul se destaca. As três zonas eleitorais que dividem esse território da cidade lideram proporcionalmente o número de abstenções. Na 33ª, onde estão bairros como Centro, Lourdes e Barro Preto, 35,6% dos cidadãos não participaram do processo eleitoral. Lá, Bruno Engler teve sete mil votos a mais que o prefeito Fuad Noman.
Conquistar o voto de quem não vai às urnas, no entanto, é bastante desafiador. Nos últimos anos, o TSE registra uma crescente contínua no índice de abstenção em BH, justamente por conta de posições avessas à política adotadas pela sociedade. Em 2020, o índice foi de 28,34%, menor do que o mais recente de 29,54%, mesmo que há quatro anos o pleito tenha ocorrido durante a pandemia da Covid-19. Em 2016, em outra eleição municipal, a estatística era quase 10 pontos menor do que a atual: 21,66%.
O cientista político Adriano Gianturco, do Ibmec, acredita que mais do que saber onde estão esses eleitores, as campanhas precisam conhecer o seu perfil. “São pessoas mais pobres, com baixa escolaridade, que vivem em áreas periféricas, ou muito jovens ou muito mais velhos. Para fazer essas pessoas irem votar, os candidatos podem utilizar estratégias territoriais, ao ir até esses locais, e estratégias de políticas públicas específicas, mais direcionadas a esse público. As eleições municipais não são batalhas ideológicas, são batalhas mais concretas”, diz.
Trabalho e fatalidade
A Região de Venda Nova é dividida em duas regionais eleitorais: a 334ª e a 38ª. Juntas, elas somaram 71.570 abstenções no primeiro turno. Em número absoluto, essa primeira zona foi a segunda com mais eleitores faltantes. Quem vive nos bairros da regional apresenta justificativas diversas para a não ida, entre a rotina, fatalidade e o desânimo com a política.
“Eu não votei porque estava trabalhando, mas queria ter ido. Eu dobrei meu horário e trabalhei das 07h às 22h. Não pude sair, o local era até aqui perto, na minha escola. Eu iria votar naquele apresentador de TV, o (Mauro) Tramonte. No segundo turno, eu ainda vou pensar”, afirma o repositor de supermercado, Tiago Lucas.
Hudson Fernandes, outro morador de Venda Nova, diz que um fato triste impediu sua ida às urnas. “Não fui votar porque meu irmão faleceu e eu tive que ficar organizando o velório. Eu pretendo votar no segundo turno e votar no Fuad. Na última eleição, também não votei porque estava trabalhando. Não acompanho muito a política, só o que passa na televisão mesmo”.
O vendedor Matheus Pratos afirma que está desiludido com a política e culpa o “sistema” pela ausência no processo democrático. “Eu não tenho esse costume de votar já há um tempo, uns cinco ou seis anos. Alguns candidatos até me representam, mas eu não acredito no sistema. É pelo que acontece, a gente vê o resultado, a gente acha meio duvidoso, então eu não acredito muito na eleição. Se eu fosse votar, votaria no Bruno Engler. O partido do Nikolas me representa”, diz.
Djalma Pinto, cientista político e especialista em direito eleitoral, afirma que a posição de Matheus não surpreende. “Muita gente não participa do processo eleitoral por desencanto com a classe política. A ausência de políticas públicas focadas naquilo que a população considera prioridade, as reiteradas notícias também sobre a má aplicação do dinheiro público sem consequência alguma para os infratores da lei. Tudo isso provoca uma sensação de impotência no eleitor a ponto de perder ele o interesse em participar da escolha dos seus representantes”, opina.
Frustração
No Barreiro, está a zona eleitoral com o maior número de abstenções no primeiro turno. Cerca de 42 mil pessoas deixaram de votar na 333ª, que abriga bairros como Cardoso, Bonsucesso e Flávio Marques Lisboa. Quem vive nas redondezas dessas localidades traz um discurso de total descrença com o processo eleitoral.
“Na verdade, nunca vai ter um candidato que a gente espera muita coisa. Então, não tem jeito, não tem como votar. Estou muito desinteressado na política. No segundo turno, vou pagar R$ 5. É muito melhor do que se preocupar em votar. Se falar que a multa é R$ 100, eu prefiro. Votei na última eleição e me arrependi amargamente”, afirma o aposentado Ademir Augusto da Silva.
A diarista Jéssica Sabrina Silva confessa que sequer conhece os candidatos. “Eu não quis votar, porque estou desanimada com a política. Não tinha nenhum candidato em mente e nem procurei saber. No segundo turno, também vou justificar o voto”, diz.
O também aposentado Afonso Celso Pereira já tem mais de 70 anos, portanto seu voto é opcional. Ele diz acompanhar a política, mas descarta ir às urnas. “Eu desanimei com a política. Desde os 18 anos que eu voto, até hoje não mudou nada pra mim. Eu não vou votar nunca mais. Acompanhei os debates na TV e não escolhi um candidato”, afirma.