"Parece-me plenamente cabível uma investigação por parte da justiça eleitoral. Há uma suspeita evidente". A fala do mestre em direito político e econômico, Antonio Celso Baeta Minhoto, descreve uma situação ocorrida em Entre Rios de Minas, na Região Central do estado, constatada pelo Núcleo de Jornalismo de Dados do Estado de Minas a partir do cruzamento de informações entre o desempenho nas urnas e os valores recebidos pelos candidatos.

 

 

A situação envolve Iara Silva, que concorreu à Câmara local pelo PL, mas registrou apenas um voto no pleito. Ela recebeu exatamente R$ 10 mil da legenda – o sétimo maior valor entre os 116 postulantes ao cargo no município –, mas teve o pior desempenho da cidade com seu único voto. No estado, 494 chapas tiveram um ou zero preferências do eleitor – 190 dessas contaram com investimento público ou privado para tentar sucesso em 6 de outubro.

 


O especialista ouvido pela reportagem ressalta que o simples desempenho abaixo da média da candidata não é motivo para a suspeita. A situação muda, no entanto, quando se olha para a prestação de contas de Iara Silva. A maior parte do dinheiro – R$ 6.330 – está dividida entre dois prestadores de serviços, das áreas da contabilidade e da publicidade por adesivos.

 

Esses fornecedores, no entanto, são os mesmos que aparecem na campanha de Alexandre Tristão (PSB), candidato a prefeito apoiado pelo PL por meio de uma coligação em Entre Rios de Minas. Ex-secretário municipal de Obras, Tristão teve 12,24% dos votos válidos e ficou em último lugar na disputa que elegeu Thiago Itamar Ted (Avante) com 41,34%.

 




Além disso, moradores de Entre Rios de Minas que conversaram com a reportagem em anonimato afirmam que Iara Silva é uma pessoa em vulnerabilidade social. Ao TSE, a dona de casa não declarou bens.

 

"Em primeiro lugar, a existência de fornecedores idênticos para duas candidaturas; em segundo, a condição de vulnerabilidade social de um desses candidatos; e, em terceiro ponto, o fato dessa candidata vulnerável ter recebido apenas um voto... Tudo isso coloca a situação toda sob suspeita", afirma o advogado Antonio Celso Baeta Minhoto, que também trabalha como professor da Universidade Municipal de São Caetano do Sul e da Fundação Santo André.


Procurado pela reportagem, o candidato a prefeito derrotado em Entre Rios de Minas, Alexandre Tristão, afirmou que "não sabia" do desempenho ruim de Iara Silva. Ele ainda disse que o esclarecimento sobre o fato caberia ao PL, apesar de as coincidências entre os fornecedores das duas campanhas terem sido apresentadas a ele.


Já o diretório do PL em Minas se posicionou a partir do deputado federal Marcelo Álvaro Antônio (PL-MG), que segundo a legenda foi o responsável por indicar a destinação do fundo eleitoral em Entre Rios de Minas. "Esclarecemos que a indicação dos recursos realizados às candidaturas femininas no município de Entre Rios foi feita em igual valor para as três candidatas do PL. O uso e a prestação de contas do recurso são de responsabilidade da candidata e do PL municipal de Entre Rios", disse o parlamentar.


A reportagem tentou contato com Iara Silva a partir do diretório municipal do PL em Entre Rios de Minas, mas não houve retorno.

 

Quase R$ 125 mil


Em Minas, 190 candidatos receberam recursos para fazer campanha, mas tiveram zero ou apenas um voto. Desses, Iara Silva é a postulante do tipo com mais dinheiro destinado – os R$ 10 mil já citados. No total, R$ 124.544,63 foram distribuídos a esses concorrentes com desempenhos muito abaixo da média. A maioria é formada por mulheres – 65%.


Quanto aos partidos, aqueles com mais candidaturas com recebimento de recursos e desempenhos de zero ou um voto são PSD (16), União Brasil (16), PT (14), PL (13) e Republicanos (13).

 

"A investigação pode existir, mas a simples condição de ter recebido uma baixa votação me parece insuficiente para que a situação se torne suspeita. Obviamente, se ficar comprovado que houve algum tipo de fraude, aí tanto o partido quanto o candidato vão responder por isso", diz o especialista Antonio Celso Baeta Minhoto.


A reportagem também procurou o Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG) para saber se alguma investigação estava em curso, mas não houve retorno. A legislação eleitoral prevê que os candidatos têm até 30 dias após a eleição para prestar contas. Em contato anterior com a reportagem, para repercutir uma matéria semelhante, o TRE informou que ainda não consegue identificar candidaturas fantasmas. “Só após o julgamento do processo de prestação de contas é possível verificar a existência desses elementos”.
O Ministério Público Eleitoral, vinculado ao Ministério Público Federal (MPF), esclareceu que medidas serão oportunamente tomadas.

 

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Metodologia do levantamento

Para chegar aos 190 candidatos que tiveram um ou zero voto em Minas, mesmo recebendo recursos de campanha, a reportagem cruzou duas bases de dados do TSE, que informam o número de votos recebidos pelos políticos; e o valor de receita destinado aos mesmos, usando um número sequencial de cada concorrente fornecido pela Corte. Por valor de receita se entende qualquer repasse feito àquela campanha, desde os oriundos de partidos até os doados por pessoas físicas – uma reforma eleitoral feita em 2015 proibiu as transferências do tipo por pessoas jurídicas.

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