O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), comparou nesta quarta-feira (23/10) o chamado "pacote anti-STF" do Congresso à Constituição da ditadura de Getúlio Vargas, de 1937. De acordo com ele, neste momento histórico, é perigoso que o Parlamento passe a derrubar decisões da Corte.
O colegiado passou mais de uma hora da sessão plenária debatendo se o Congresso respeitou o rito legislativo correto no caso que incluiu as cooperativas médicas no rol de companhias que podem pedir recuperação judicial de acordo com a Lei das Falências.
O decano manifestou a preocupação sobre a repercussão que a conclusão do plenário poderia ter em outros temas a partir da decisões e mesmo sobre o momento de tensão entre os dois Poderes.
"Acharia muito perigoso estimular a postura do Congresso Nacional no momento que estamos vivendo. Estamos falando de 4 ou 5 emendas constitucionais, há inclusive dois mandados de segurança com o ministro Kassio [Nunes Marques], que trata inclusive de cláusula pétrea. Uma delas que revive o dispositivo da Polaca, a carta de 1937 de Getúlio Vargas", disse.
Gilmar se referiu ao pedido feito pelo deputado Paulo Pereira da Silva (Solidariedade-SP), o Paulinho da Força, ao Supremo para que determine o arquivamento de duas propostas em análise no Congresso e que limitam os poderes dos ministros da Corte.
No pedido protocolado no último dia 11, o parlamentar defende a tomada de decisão em caráter emergencial (liminar) para que seja suspensa a tramitação das PECs e sustada qualquer deliberação sobre essas propostas. O relator será o ministro Kassio Nunes Marques, indicado ao tribunal pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
O trecho mencionado por Gilmar estabelecia que o Congresso, sob a ditadura Vargas, poderia cassar decisões do STF. "Para quem sabe, não houve Congresso em 1937. Então, quem exerceu esse poder foi o presidente ditador Getúlio Vargas, que cassou decisões do Supremo. Estamos vivendo essa quadra", afirmou o ministro.
O presidente do tribunal, ministro Luís Roberto Barroso, também já questionou as iniciativas em tramitação no Congresso citando a situação ocorrida nos anos 1930. "Rever decisão do Supremo, que foi um precedente do Estado Novo na ditadura Vargas, me soa mal. Se esse debate se colocar de uma maneira consistente, nós vamos participar dele também", disse em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, em agosto.
O pacote de medidas conhecido como "anti-STF" foi aprovado no último dia 9 na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania) da Câmara dos Deputados em ofensiva liderada pelo PL de Bolsonaro, mas que contou também com o apoio dos demais partidos de centro e de direita.
O colegiado aprovou a admissibilidade de duas PECs (Propostas de Emenda à Constituição) e dois projetos de lei que limitam poderes de ministros do Supremo e ampliam as hipóteses de pedidos de impeachment dos magistrados.
As propostas haviam sido enviadas pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), à comissão numa resposta à decisão unânime do Supremo de suspender a execução das emendas parlamentares até a adoção de medidas mais transparentes.
A PEC 8/2021 foi aprovada por 39 votos a 18. Ela restringe o poder de os magistrados da Corte derrubarem por decisão monocrática (individual) leis aprovadas pelo Congresso. O PT usou o recurso da obstrução para tentar evitar a apreciação do tema, mas a maioria optou por dar prosseguimento à votação.
Já a PEC 28/2024, aprovada com 38 a 8, permite que as decisões do STF possam ser derrubadas pelo Congresso. Além da análise por uma comissão especial e pelo Plenário, em dois turnos de votação, a proposta também segue para apreciação do Senado.
A Constituição de 1937 citada pelo decano da Corte previa que o presidente da República poderia manobrar para tornar sem efeito uma decisão do STF pela inconstitucionalidade de uma lei. O chefe do Executivo teria a possibilidade de, sob a justificativa do "bem-estar do povo, da promoção ou da defesa de interesse nacional de alta monta", devolver o caso ao exame do Parlamento.
Caso o Congresso confirmasse por dois terços de votos em cada uma das Câmaras, a decisão da Corte estaria cassada. Este dispositivo foi revogado em dezembro de 1945.
O Congresso foi fechado por Vargas em 10 de novembro de 1937. Em discurso transmitido pelas rádios, Getúlio informou que instituía um "regime forte, de paz, justiça e de trabalho". As eleições foram suspensas, a Constituição de 34 foi anulada, partidos políticos foram proibidos, e rádios e jornais, censurados.
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A Constituição daquele ano ficou conhecida como Polaca por ter textos de inspiração no modelo semifascista polonês, era centralizadora e concedia ao governo poderes praticamente ilimitados.