O primeiro turno da eleição para a Prefeitura de Belo Horizonte terminou com o deputado estadual Bruno Engler (PL) na liderança, com 34,38% dos votos válidos, e o atual prefeito Fuad Noman (PSD) na segunda posição, com 26,54%. A contagem dos eleitores que efetivamente foram às urnas e escolheram os números 22 ou 55 em 6 de outubro soma 777.295 pessoas, pouco menos de 40% das quase 2 milhões que estão aptas para voltar às zonas eleitorais hoje e decidir o futuro dos próximos quatro anos na administração da capital mineira.

 



Se mantiverem os eleitores conquistados na primeira votação, Engler e Fuad estarão em busca de 1.155.165 votos distribuídos entre abstenções, brancos e nulos, e os destinados a outros candidatos. Em uma campanha de segundo turno sem grandes movimentações dos postulantes derrotados e sem uma busca ativa dos remanescentes aos votos dos indecisos, a tendência é de um resultado final apertado e imprevisível.



Numericamente, o maior público que não escolheu Engler ou Fuad no primeiro turno é o dos que sequer foram às urnas. A abstenção em 6 de outubro foi a maior da história da cidade, com a ausência de 29,75% do eleitorado apto a participar do pleito. O voto de quem não compareceu às zonas eleitorais, no entanto, é dos mais árduos para se conquistar entre as votações.

 





A tendência histórica mostra que a abstenção aumenta entre os turnos. No Brasil, a única vez em que houve queda entre as votações foi na eleição presidencial de 2022, marcada pela intensa polarização entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL).



Em Belo Horizonte, os dois últimos pleitos em que houve necessidade de segundo turno registraram um leve aumento nas abstenções. Em 2012, quando Márcio Lacerda (PSB) foi eleito contra Leonardo Quintão (MDB), 16,85% não votaram no primeiro turno e a taxa subiu para 17,87% três semanas depois. Já em 2016, pleito no qual Alexandre Kalil (então no PHS) venceu João Leite (PSDB), o segundo turno teve 22,77% de não votantes, ante 21,66% na primeira oportunidade.



Para o diretor do Instituto Opus e especialista em pesquisas de opinião pública, Matheus Dias, é improvável que essa tendência seja subvertida em 2024. Ele explica que, se os dois candidatos já não chamaram a atenção do eleitor na primeira votação, a chance é de que o mesmo cenário se agrave na segunda oportunidade de ir às urnas. Além disso, na visão do analista, a campanha de Engler e Fuad não foi acalorada o suficiente para ampliar o interesse dos belo-horizontinos.



“O eleitor que não se sentiu representado por nenhuma das candidaturas no primeiro turno dificilmente vai mudar de opinião quando só restam dois nomes na disputa. A tendência é justamente de aumento do não comparecimento entre as duas etapas da eleição. Ainda mais porque não houve grande movimento por parte dos candidatos, ou dos apoios políticos. A eleição ainda está um pouco fria, distante do dia a dia e da realidade do cidadão”, avalia.


Eleição atípica

 

 

Demorou até que o nível de disputa entre Fuad e Engler ganhasse contornos mais bélicos. Embora o prefeito tenha sido alvo de ataques reiterados desde o primeiro turno em um movimento comum em pleitos em que o incumbente está na briga, as discussões estavam quase sempre no âmbito da avaliação da gestão da cidade.



Na semana final do segundo turno, porém, trechos do livro “Cobiça”, em que Fuad Noman narra o abuso sexual de uma criança, caíram nas graças de Engler e seus apoiadores bolsonaristas. À revelia de tratar-se de uma obra literária e sem qualquer forma de endosso ou apologia ao crime, o fato foi tema de materiais de campanha estrelados por nomes como a candidata a vice Coronel Cláudia (PL); a deputada estadual Chiara Biondini (PP) e o deputado federal Nikolas Ferreira.



Com o apelo forte à pauta moral ganhando força apenas na reta final, Matheus Dias vê a campanha de segundo turno na capital mineira com elementos atípicos para este tipo de disputa. Um deles é de que essa etapa costuma ser marcada por uma convergência dos dois atores ao centro para evitar o aumento da rejeição.



Em BH, Fuad apostou em manter uma estratégia de ater-se quase exclusivamente à defesa de seu mandato de dois anos e meio e em evitar atacar seu adversário. Mesmo com o apoio do presidente Lula, o prefeito evitou ao máximo ser associado à esquerda e fez o tradicional movimento ao centro ideológico. Engler, por sua vez, reiterou seu bolsonarismo, contou com a presença do ex-presidente em ato público e chegou até mesmo a dizer que, se vencer nas urnas, sua gestão contará com participação ativa de Bolsonaro, Nikolas e do senador Cleitinho Azevedo (Republicanos).



“A eleição do segundo turno costuma tender ao centro. Os dois lados que passam para esta etapa, geralmente, um da esquerda e outro da direita, tentam buscar o eleitor mais moderado, o eleitor que espera uma discussão mais racional sobre a cidade, sobre os problemas que a cidade enfrenta e sobre o dia a dia. No caso do Engler, nós não vimos essa mudança de postura, inclusive. Isso pode, sim, ter um resultado relevante para eleição aqui em BH”, aponta Dias.



Apoios apáticos

 

 

A lista dos candidatos mais votados, mas com números insuficientes para alcançarem o segundo turno, começa com o deputado estadual Mauro Tramonte (Republicanos); passa pelo presidente da Câmara Municipal Gabriel Azevedo (MDB); pela deputada federal Duda Salabert (PDT); pelo deputado federal Rogério Correia (PT); e pelo senador Carlos Viana (Podemos). Juntos eles somam 492.139 votos no primeiro turno.

 



Tramonte teve 192.991 votos, e Gabriel, 133.728. Terceiro e quarto colocados na corrida, eram naturalmente os apoios mais cobiçados pelos disputantes remanescentes. A busca pelos eleitores de ambos foi bastante tímida por parte de Engler e Fuad, e esse cenário foi somado ao fato de que ambos preferiram se manter neutros na disputa.



Para o diretor do Instituto Opus, a falta de participação dos candidatos mais bem votados fora do segundo turno é um elemento que diferencia a atual campanha em BH de outras cidades do país e mesmo da tendência histórica das eleições majoritárias. Esse contexto amplia a possibilidade de uma decisão apertada ao fechamento das urnas.



“Geralmente, a gente vê os candidatos que ficaram pelo caminho apresentando as propostas que eles consideravam relevantes aos candidatos que passaram ao segundo turno. Esses, por sua vez, incorporam algumas dessas propostas nas próprias campanhas. Isso não aconteceu de uma maneira tão enfática, com os candidatos dividindo o palanque e participando ativamente das campanhas, o que novamente mostra o quão atípica é a eleição de BH comparado às outras capitais e também as eleições passadas para nossa cidade. O natural seria o envolvimento maior da classe política dentro desse processo que é tão importante para o dia a dia e para o futuro da nossa capital”, comenta.


Em um movimento natural para as candidaturas de esquerda, Duda Salabert e Rogério Correia anunciaram apoio a Fuad logo na primeira semana após o primeiro turno. Ambos fizeram duras críticas ao prefeito no primeiro braço da campanha, mas não titubearam em se aliar ao prefeito e fazer frente ao bolsonarismo.


A participação de Duda e Correia na campanha, no entanto, foi tímida e afastada mesmo por Fuad Noman em um movimento de afastar a polarização nacional do pleito municipal. O apoio de Lula veio antes mesmo dos candidatos progressistas derrotados, mas o sinal de Brasília não foi ressoado na capital mineira.



Transferência nas pesquisas

 

 

Ao longo do segundo turno, pesquisas de intenção de voto questionaram os eleitores que optaram por candidatos que ficaram pelo caminho sobre suas predileções no retorno às urnas. Datafolha e Quaest, por exemplo, averiguaram a transferência de votos de Tramonte, Gabriel e Duda.


De uma forma geral, os três levantamentos realizados por ambos os institutos mostram que há uma leve tendência na migração de eleitores de Tramonte e Gabriel majoritariamente para Fuad, mas com uma margem pequena. Já entre os que escolheram Duda em 6 de outubro, a preferência pelo atual prefeito frente ao deputado bolsonarista é quase unânime.


Na pesquisa de intenção de voto realizada pelo Datafolha na última quinta-feira (24/10), 45% dos eleitores de Tramonte afirmaram preferir Fuad e 34%, Engler. Já os que escolheram Gabriel migram em 53% para o atual prefeito e 34% para o deputado estadual. Dos que apertaram o 12 de Duda Salabert 85% afirmaram que vão escolher o nome do PSD e 7% que vão  optar pelo bolsonarista.



Efeitos da pauta moral



Embora as pesquisas se esforcem para pintar um cenário de transferência de votos, Matheus Dias alerta que é preciso cautela para determinar como as predileções dos eleitores de quem ficou pelo caminho serão manifestadas no segundo turno.

 

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“A gente não pode somar assim matematicamente porque a gente não tem nenhum eleitor só. Eles são um conjunto de eleitores e alguns vão ficar pelo caminho, não votando ou até mesmo votando em branco ou nulo. E também existem motivações muito individuais de eleitores diferentes. Um fato que pode movimentar um pouco a disputa nessa última semana é a pauta moral, que veio muito forte inclusive na propaganda de TV oficial dos candidatos e que pode trazer algumas surpresa nessa reta final”, avalia.



Ao projetar um pleito disputado voto a voto, Dias ainda aponta para uma tendência histórica de aumento nos números de urna em relação às pesquisas para candidatos de direita e extrema direita nas grandes democracias mundiais. “Historicamente, notamos um voto envergonhado em candidatos de direita, então tem muito eleitor que vai decidir o voto pelo candidato de direita ali nos últimos instantes que antecedem a votação. Esse é um fenômeno que existe no Brasil, nos Estados Unidos, Inglaterra, na França, em todas as grandes democracias. Essa pauta moral que veio no fim da campanha e pode sim movimentar em alguns pontos percentuais essa disputa que tende a ser muito acirrada”.


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