Desigualdades sociais que continuam superando o peso de políticas públicas. Em dezembro de 2021, o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional 111 numa tentativa de aumentar o número de políticos negros e de mulheres no Poder Legislativo. Neste ano, porém, a medida pouco surtiu efeito na última eleição municipal – a primeira do tipo com as novas regras.
Números do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) segmentados pelo Núcleo de Dados do EM mostram que 91,9% dos prefeitos eleitos em Minas são homens – somente 8,1% são mulheres. Ao mesmo tempo, os brancos vão governar 65,6% das cidades mineiras, ante um número de 30,6% de pardos e 2,8% de pretos nas cadeiras mais cobiçadas do pleito. Amarelos, indígenas e aqueles que não informaram somam 1%.
Os dados não consideram as nove cidades mineiras onde ainda não há definição do prefeito por conta de anulações da Justiça Eleitoral. Em números absolutos, são 554 prefeitos brancos, 258 pardos, 24 pretos, dois amarelos e dois indígenas. Outros quatro não informaram suas cores.
Quando se olha para o cargo de vereador, a realidade é menos desnivelada, mas os brancos ainda são maioria. Dos 8.526 parlamentares eleitos em Minas, mais da metade são brancos: 4.508 (52,9%). Os pardos somam 3.209 (37,6%); pretos 708 (8,3%); amarelos 37 (0,4%); e indígenas 14 (0,2%). Outros 50 (0,6%) políticos eleitos para o legislativo das cidades não preencheram a informação junto ao TSE. Se nove em cada 10 prefeitos são homens, na vereança 84,4% dos escolhidos pelo eleitor são do sexo masculino – 7.194 dos 8.526. As 1.332 mulheres vencedoras alcançam 15,6% do universo total.
Em comparação a 2020, esses dados praticamente não mudaram, apesar das novas regras aprovadas pelo Congresso. O número de negros (soma entre pardos e pretos) aumentou dois pontos percentuais entre os vereadores, enquanto entre os prefeitos o crescimento não chega a cinco pontos percentuais.
Quando o recorte é o de gênero, o número de eleitas se elevou somente 1,6 ponto entre as vereadoras e 0,8 ponto entre as prefeitas.
“Esses números mudaram pouco em função do fato de que a questão racial acompanha a econômica. Vale lembrar que as campanhas eleitorais exigem recursos financeiros. Isso pesa muito, ainda mais na corrida dos vereadores. Muitos não contam apenas com o apoio da verba oficial, que vem dos partidos (há, ainda, a possibilidade de receber doações de pessoas físicas). Como a população branca detém o maior poder aquisitivo, ela sai na frente”, afirma o cientista político Paulo Ramirez, professor da ESPM.
Entenda as regras
Desde a eleição federal de 2022, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na esteira da Emenda Constitucional 111 promulgada pelo Congresso em setembro de 2021, exige que a distribuição do Fundo Especial para Financiamento de Campanhas seja proporcional ao número de candidatos negros de cada legenda. Aqui, se considera a soma entre pardos e pretos.
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Além disso, o mesmo texto criou uma regra que faz o voto em negros valer o dobro, em relação às outras raças, para contabilizar a distribuição dos fundos de financiamento de campanha. "Essa medida tem o objetivo de impulsionar o investimento dos partidos nas candidaturas negras", informa o Guia Eleitoral para Candidaturas Femininas e Negras, elaborado pelo Senado Federal neste ano.
O tempo de propaganda eleitoral gratuita em rádio e TV também deve ser proporcional ao número de candidaturas negras. No entanto, é permitido aos partidos remanejar esse tempo de exposição midiática dos candidatos. Portanto, caso numa semana a veiculação não seja proporcional, as agremiações devem compensar esse desequilíbrio em semanas posteriores.
E quem não cumprir?
Deveria ser punido, mas não é o que acontece no frigir dos ovos. Manobras do Congresso Nacional costumam "salvar" partidos que descumprem as regras. Em agosto último, Câmara e Senado promulgaram a PEC da Anistia, que perdoou sanções impostas às legendas que não seguiram o regulamento.
O texto, além de perdoar as punições, diminuiu de 50% para 30% a proporção de recursos reservados para candidaturas de pessoas negras. Na prática, quem descumpriu as regras em 2022 só terá que compensar os repasses a partir das eleições de 2026, quando o Brasil volta às urnas para escolher deputados federais e estaduais, senadores, governadores e o presidente da República.
"A PEC da Anistia mostra a força das elites. Não tivemos nenhum avanço nessa última eleição. Neste ano, especificamente, temos também o peso das emendas parlamentares para a reeleição das pessoas. Aqueles que fizeram uso da máquina tiveram muito mais chances do que os outros candidatos, então a gente mantém as desigualdades de sempre", afirma o professor da UFMG Cristiano dos Santos Rodrigues, que pesquisa ciência política e identidade étnica.
A PEC da Anistia também perdoou dívidas que determinadas agremiações tinham com a Justiça Eleitoral por conta de irregularidades em prestações de contas.
Pela lei, sem considerar as manobras do Congresso, um partido que descumpre as regras existentes pode receber multas monetárias ou até suspensão do recebimento de recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha.