E agora, prefeito? Há uma semana, Fuad Noman (PSD) encerrava e vencia sua primeira eleição como cabeça de chapa. Nas urnas, ele conseguiu o direito de governar Belo Horizonte por mais quatro anos e não escondeu que a campanha foi particularmente desgastante. O desafio que o aguarda, porém, é uma maratona ainda mais longa e árdua. Já à frente da capital mineira por cerca de dois anos e meio, Fuad terá um mandato inteiro para lidar com os problemas de uma metrópole e as demandas de seus 2,3 milhões de habitantes.
Um estudo realizado pela Agenda Pública em parceria com o Instituto IDEA e disponibilizado ao Estado de Minas reúne informações sobre a satisfação dos belo-horizontinos com os serviços públicos oferecidos pela administração e cruza os dados com indicadores de qualidade da cidade.
O levantamento quantitativo e qualitativo foi feito a partir de análise de mais de 40 bancos de dados de entidades nacionais como o DataSUS e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e de questionários aplicados nas 10 maiores capitais do país. Mais de 3 mil cidadãos foram entrevistados, incluindo 243 em Belo Horizonte, na segunda quinzena de outubro do ano passado.
Os moradores foram divididos a partir do recorte censitário da cidade e instados a responder sobre o nível de satisfação com serviços prestados em seis eixos temáticos: educação, saúde, proteção social, desenvolvimento econômico, mobilidade e gestão da qualidade.
O pior problema da cidade
Antes das perguntas temáticas, o questionário averigua de forma abrangente qual é considerado o pior problema da cidade. O item mais citado foi violência e segurança pública, apontado como maior problema do município para 23,5% dos entrevistados. Este é também o aspecto mais citado entre as 10 capitais pesquisadas, mas com percentual ainda mais alto, de 36,4%.
Na sequência aparecem a má administração pública (16%), saúde (14%), pobreza (6,2%), educação e mudanças climáticas (6,2% cada) e educação (5,8%). Os moradores também responderam sobre a prioridade na resolução dos problemas da cidade. A opção apontada como mais urgente, respondida por 20,2% dos entrevistados, foi reduzir as filas nos hospitais e postos de saúde.
A lista segue com foco na melhoria do transporte público (17,7%), aumentar o número de médicos e enfermeiros (16,9%), criar programas de acolhimento para pessoas em situação de rua, melhorar a qualidade do ensino de escolas públicas municipais e geração de empregos (7,4% cada).
Mobilidade urbana em BH
Os dois anos e meio de Fuad Noman à frente da prefeitura já ofereceram pistas dos principais desafios para o próximo mandato. O prefeito pode se guiar pelas críticas sofridas por adversários na campanha, pela conturbada relação com a Câmara Municipal nos últimos meses, pelos apelos dos eleitores e também pelo levantamento feito pela Agenda Pública para perceber que a mobilidade urbana de Belo Horizonte é a campeã de insatisfação em todas as camadas de oferecimento de serviços públicos.
Em diferentes searas que envolvem a capacidade de se locomover dentro da cidade, os belo-horizontinos se disseram massivamente insatisfeitos ou muito insatisfeitos. A soma das duas respostas negativas chegou a 76,1% na avaliação do trânsito, a 73,7% em relação ao preço das passagens – BH tem a sexta tarifa de ônibus mais cara entre as capitais brasileiras – e de 72% sobre o tempo de espera para uma condução.
E não para por aí. Eles também estão, em maioria, insatisfeitos com a higiene dentro dos ônibus e vagões de metrô (63,4%); com a baixa disponibilidade de ciclovias (63,4%) e com a qualidade do asfalto (54,8%). O estudo ainda alerta para o fato de que BH é a terceira capital do Brasil com o maior impacto de gasto mensal com transporte público, com 20,52% do orçamento das famílias afetado.
Surpresa nos resultados
Em entrevista ao Estado de Minas, o diretor da Agenda Pública, cientista político Sérgio Andrade, disse que a avaliação da mobilidade urbana dialoga com outra insatisfação dos moradores. A capital é a única do Sudeste onde os habitantes elencam mudanças climáticas como um dos cinco principais problemas urbanos, diretamente relacionadas com as reclamações sobre condições do trânsito: 75,7% se disseram insatisfeitos ou muito insatisfeitos quando o tema era a poluição sonora ou atmosférica gerada pelos veículos.
“A surpresa de BH é que trata-se da única cidade do país que colocou pobreza como o quarto fator preocupante para a cidade e mudança climática em quinto. É uma cidade que passou por problemas recentes, como uma crise hídrica, mas isso aconteceu em outras cidades como Curitiba e São Paulo, e esse problema da mudança climática não foi tão apontado”, avalia Andrade.
Dois temas críticos
Poucos assuntos foram tão debatidos ao longo dos três meses de campanha eleitoral como a qualidade dos serviços de saúde oferecidos em Belo Horizonte. Em especial no primeiro turno, o tema foi constante nas críticas à atual gestão. Os dados levantados na pesquisa realizada com moradores de Belo Horizonte pela Agenda Pública em parceria com o Instituto Idea e disponibilizado ao Estado de Minas ajudam a entender porque essa insatisfação foi explorada pelos candidatos à prefeitura da capital.
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O levantamento quantitativo e qualitativo foi feito a partir da análise de mais de 40 bancos de dados de entidades nacionais como o DataSUS e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e de questionários aplicados nas 10 maiores capitais brasileiras. Mais de 3 mil pessoas foram entrevistadas, incluindo 243 em Belo Horizonte, na segunda quinzena de outubro do ano passado.
Agendamento de exames
Pontos triviais para um atendimento de qualidade na rede municipal de saúde foram mal avaliados na capital mineira. Para 65,8% dos entrevistados, por exemplo, o tempo de espera para consultas era insatisfatório ou muito insatisfatório. A mesma resposta foi dada por 67,5% dos moradores da cidade em relação ao tempo para agendar exames; e por 63,4% em relação à disponibilidade de médicos.
A comparação dos níveis de satisfação com os serviços ofertados com os dados gerais do investimento em saúde em BH, no entanto, chamam a atenção para o que pode ser considerado falha de comunicação e de organização de recursos no setor. O diretor da Agenda Pública, cientista político Sérgio Andrade, destaca que a cidade tem o maior investimento per capita em saúde do Sudeste, mas transformar a alocação de verbas em percepção de qualidade no atendimento exige engrenagem com melhor funcionamento entre o caixa da prefeitura e o cidadão.
“Bons indicadores”
“O gasto per capita em saúde do município é o maior da Região Sudeste e há outros bons indicadores como a baixa mortalidade. Mas temos que fazer avaliação sobre a efetividade do que está sendo oferecido. Você pode gastar muito, mas pode gastar naquilo que eventualmente não é o mais adequado. O fato de ter um alto gasto per capita em saúde não quer dizer necessariamente performance”, avalia.
“A literatura indica que tempo de espera, resolução de problemas, acesso e qualidade dos profissionais são fatores que ajudam a explicar por que o serviço é ou não bem-avaliado. No caso da saúde em BH, é necessário entender por que esse gasto não está se convertendo efetivamente em boa avaliação”, afirma Andrade também.
Gestão de serviços
Dados da Agenda Pública mostram que há percepção majoritária de deficiência nas ações do poder público em BH em relação à promoção da justiça social. A maior parte dos entrevistados (45,7%) discorda da afirmação de que a prefeitura atua para combater a pobreza e a desigualdade, enquanto apenas 15,6% acreditam que há ações neste teor.
Dados do registro de moradores de BH inscritos no Cadastro Único (CadÚnico) do governo federal, entre janeiro de 2021 e janeiro de 2023, mostram que a quantidade de famílias em situação de extrema pobreza aumentou cerca de 115%. Houve também aumento de quase 80% na quantidade de famílias que vivem com renda per capita mensal de até meio salário mínimo.
Os números são reflexo do período pandêmico, mas acendem alerta na percepção dos moradores da cidade, uma vez que há preocupação significativa com a proteção na cidade, conforme apontado por Andrade. Em Belo Horizonte, a pobreza é tida como prioridade na resolução dos problemas por uma parcela da população superior à média nacional, com 6,2% dos belo-horizontinos tratando o tema como principal questão do município ante 4,5% dos brasileiros de uma forma geral.
Sistema de urgências
Sérgio Andrade destaca que a percepção da qualidade dos serviços públicos em um município passa pela boa comunicação com os cidadãos, fatores abrangidos pelo eixo de gestão da qualidade na pesquisa realizada pela Agenda Pública. O cientista político argumenta que é preciso criar um sistema de urgências para tratar dos pontos em que a cidade se apresenta mais carente.
“Administração pública é priorizar. Mesmo quando não se toma uma decisão, trata-se de uma medida de política pública, porque decidiu-se não agir sobre um problema. Educação, saúde e mobilidade são temas mais evidentes para a população e certamente devem ganhar atenção do prefeito. Nesse caso, a comunicação será fundamental para entender que tipo de serviço o cidadão espera. Um plano de metas estabelece as prioridades e pode ajudar na comunicação com o cidadão e na transparência, que é um fator que vem muitas vezes associado a má administração”, conclui.
Quando questionados sobre a eficiência e transparência da prefeitura em seus serviços, 14,4% dos entrevistados concordaram com a boa qualidade, 39,9% manifestaram neutralidade sobre o tema e 37,9% consideram a atuação do Executivo de má qualidade. As principais queixas apresentadas na realização de procedimentos junto à administração da cidade foram a falta de informações para realizar o serviço (35,7%), falta de informações durante o atendimento (34,8%) e a não finalização do serviço via aplicativo online (31,3%).
Educação é eixo temático
O primeiro dos eixos temáticos da pesquisa é a educação. Neste quesito, os belo-horizontinos se consideram satisfeitos ou muito satisfeitos em relação à disponibilidade de creches e escolas municipais, com 22,6% de respostas positivas neste critério. Os dados colocam a capital mineira atrás apenas de Curitiba entre as 10 mais populosas do país.
Segundo o levantamento feito pela Agenda Pública, os resultados podem estar atrelados ao crescimento no número de matrículas em creches, que passou de 34,4% em 2021 para 56,8% em 2023. Ainda assim, a pesquisa mostra que a satisfação com a disponibilidade não é acompanhada pela qualidade dos serviços prestados.
Cerca de metade dos belo-horizontinos se considera insatisfeita ou muito insatisfeita quando o tema é a qualidade do conteúdo apresentado na rede municipal de educação, rejeitado por 53,9%. A infraestrutura dos equipamentos do sistema de ensino é mal avaliada por 48,1%.
Aumento de creches
Em entrevista ao Estado de Minas, o diretor da Agenda Pública, cientista político Sérgio Andrade, contemporiza as variações de avaliação dos belo-horizontinos sobre a educação em diferentes critérios. Ele salienta que o objetivo da pesquisa é criar o elo entre os serviços prestados pelo poder público e a forma como são apresentados e percebidos pela população.
“Há boas notícias para a educação, com aumento do número de creches, menor taxa de abandono escolar do Sudeste e o segundo menor indicador de distorção entre idade e série escolar. É preciso entender de uma maneira mais profunda como isso caminha com a avaliação da qualidade do serviço. Esse é o grande objetivo da pesquisa, fazer valer a regulamentação da Lei 13.460/2017 (Lei de Proteção e Defesa do Usuário de Serviços Públicos). Eu diria que é mostrar a conexão entre a avaliação de políticas públicas. E é obrigatoriedade dos municípios fazer avaliações regulares dos serviços públicos”, destacou.