A vereadora eleita Juhlia Santos (PSOL) afirmou que, apesar da polarização prevista na Câmara Municipal na próxima legislatura, seguirá pelo caminho do diálogo. Travesti, quilombola e negra, a nova parlamentar destacou que carrega “marcadores” pelos quais precisa lutar nas pautas de costumes.
"Venho desse lugar, carrego esses marcadores, mas jamais eles me definem ou me reduzem. É importante iniciar nossa conversa a partir disso, pois representatividade por si só não transforma a realidade. Precisamos de pessoas reais — negras, mulheres, dissidentes de gênero, quilombolas, indígenas e toda a diversidade da sociedade — nesses espaços de poder, que, infelizmente, ainda não têm nossa presença. Mas, como eu disse, representatividade por si só não muda a realidade."
Segundo Juhlia, sua vontade de entrar na política se fortaleceu justamente por conta desses “marcadores”. "Isso se deve muito às ausências. Quando não nos sentimos parte desses espaços, isso vira um chamado para colocar nosso corpo à disposição. Já produzimos políticas públicas na fiscalização, cobrança, no apoio à implementação, mas disputar esses espaços significa reivindicar nosso direito de sentar à mesa. Queremos participar das discussões e não apenas estar no lugar de servir. Historicamente, sempre estivemos na base de vários partidos."
Ela acrescenta: "Sempre construímos essas figuras para ocupar os espaços legislativos. Mas agora, dizemos que também podemos representar nossas questões. Como diria Carolina Maria de Jesus, quem conhece a fome tem autoridade para debater a questão. Enquanto dissidente, posso dizer que a Câmara Municipal de Belo Horizonte já teve pessoas sensíveis às nossas causas. Já tivemos a primeira vereadora trans, e sigo esse legado, mas com outras interseccionalidades — considerando raça, gênero e classe. Vamos atuar a partir desse lugar, pois são esses marcadores que carrego. Infelizmente, ainda levo o marcador das pessoas que mais morrem e são marginalizadas neste país."
Ao comentar sobre a polarização, a vereadora eleita destacou a importância do diálogo. "Estou lá para dialogar, para conversar, expor uma amplitude de pontos de vista e contrapontos. Como disse, carrego essa pauta interseccional na minha trajetória e na minha existência. E quando dizem que é pela pauta da vida, eu sempre me oponho, perguntando: quais vidas? Porque ainda existe um marcador", afirmou.
Segundo Juhlia, há um alvo específico para as vidas que são ceifadas com muita tranquilidade no país. "Então, dizer que é pela pauta da vida, com certeza, eu vou, naquele espaço de diálogo, ampliar esse olhar para a vida, para várias questões. Como eu disse, se são conservadores, eu também sou uma conservadora. Eu conservo as minhas ideologias, as minhas práticas, o meu fazer, o meu saber. A gente precisa entender de qual conservadorismo é esse, de qual família tradicional estamos falando, porque também venho de uma família tradicional. E, principalmente agora, que vemos o crescimento da bancada da direita conservadora, mas também temos que reconhecer o aumento da bancada da esquerda. Existe uma sociedade, uma cidade que está nesse lugar, e não podemos deixar de levar em consideração essa parcela da população. Não dá para negar a existência dessas pessoas em Belo Horizonte", afirmou.
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A vereadora eleita também citou o PL sancionado pelo prefeito Fuad Noman (PSD) em 20 de novembro de 2023, que se transformou na Lei 174/2023 e proíbe que essa população utilize, com base no gênero com o qual se identifica, os banheiros de templos, eventos e até escolas mantidas por instituições religiosas. Segundo ela, não foram discutidas as "entrelinhas" dentro do texto.
“E aí vêm, talvez, as entrelinhas, as questões que não são discutidas com qualidade e com respeito, lógico. Por exemplo, esse projeto de lei diz que pessoas trans não podem usar o banheiro em espaços religiosos e outros espaços geridos por organizações religiosas. Você entende onde está a questão? E, com muita tranquilidade, eu afirmo que nós, pessoas dissidentes de gênero, não estamos nesses templos religiosos, que, inclusive, são espaços que nos apartam. Não temos direito nem de processar uma fé. A gente não tem direito nem de acreditar no Cristo que eles pregam”, afirmou.
“Um único abrigo em Belo Horizonte, que está apto, dentro de muitas ressalvas, a abrigar a população em situação de rua dissidente de gênero, é gerido por uma organização religiosa. E aí, a Prefeitura vai ter que discutir a gestão desses espaços, pois não pode ficar na mão dessas organizações religiosas. Se ficar, essas organizações não estarão cumprindo com o seu papel, que é atender a todas as pessoas da sociedade de Belo Horizonte”, completou.
Para ela, a discussão precisa ser mais ampla. “Hoje, uma das maiores universidades que temos em Belo Horizonte, a PUC Minas, é gerida por uma organização religiosa. E isso reafirma que aquela organização não está apta a receber todas as pessoas. Você entende como a discussão tem que ser muito mais qualificada? E aí, reduzem a nossa pauta a uma pauta de identitarismo, uma pauta de costume.”
Juhlia Santos participou do EM Entrevista nesta terça-feira (12/11). Ao longo do dia, o em.com.br divulgará os principais trechos da conversa. A edição impressa do EM, que será publicada amanhã, quarta-feira (13/11), trará a entrevista completa.