Não dá para não tratar do triste episódio protagonizado por Francisco Wanderley Luiz, o Tiü França, que morreu na quarta-feira, 13, na Praça dos Três Poderes depois de explodir uma bomba que estava no próprio carro e de detonar outros explosivos presos ao próprio corpo.
Não cabe aqui, e nem precisa, repetir informações já exaustivamente tratadas. Por enquanto, ainda buscam saber se Tiü, candidato a vereador pelo PL em 2020, agiu por conta própria, como um lobo solitário, ou como um bobo solidário numa ação coordenada por espertos que o usaram – literalmente – como bucha de canhão.
O mais provável é que ele tenha agido por própria conta… E risco. Mas, seguramente, não dá para dizer que foi uma ação isolada. O ato terrorista praticado pelo Francisco Wanderley vem no rastro da tentativa de golpe de 8 de janeiro de 23, da, felizmente, frustrada tentativa de explodir um caminhão carregado com combustível de avião no aeroporto de Brasília e de outras insanidades.
Mas, no meio dessas incertezas, há, me parece, uma clara constatação: são tantas e tão descabidas as barbaridades em circulação nas nossas desregulamentas redes sociais que já ninguém – nem mesmo os órgãos de inteligência do Estado, responsáveis pela segurança da Nação – liga quando se depara com posts que ameaçam pessoas e instituições.
Sabe-se, pela Globonews, que a ex-mulher do Francisco Wanderley já prestou, ainda informalmente, depoimento à Polícia Federal. Daiane, esse é o nome dela, teria dito à PF que o ex-marido contava, repetidamente, que pretendia matar o ministro Alexandre de Moraes e quem estivesse perto dele na hora do atentado. E transmitia as ameaças em grupos de mensagens na internet.
A normalização dessa troca de mensagens de ódio, dessa disseminação de discurso reacionário, dessa onda de ataques a autoridades e instituições nas redes sociais é tão forte que ninguém, em nenhuma agência de segurança em qualquer nível, notou a presença do Tiü França.
Tomara que a morte dele e a proximidade a que chegou dos gabinetes dos deputados façam desengavetar o projeto de regulamentação das redes sociais, trancado, já há bastante tempo, em alguma gaveta da Câmara empurrado por um discurso de suposta defesa da liberdade de expressão que, na verdade, mascara a defesa da liberdade de atacar a democracia.
Francisco Wanderley Luiz, o Tiü França, era um homem do povo. Escolheu o meio errado de mandar o seu recado, de marcar sua posição. Cabe às lideranças políticas entenderem como brotam e como florescem atitudes como a do catarinense. O desencanto com a política é fermento para o bolo do ódio. E o desencanto com a política tem ficado maior a cada eleição. E, aqui, chego ao que queria dizer com o título lá em cima.
Aos poucos, os acontecimentos políticos vão deixando claro por que, a cada pleito, aumentam os votos nulos, brancos e as abstenções. Pego dois exemplos. Porto Alegre e São Paulo. Na capital gaúcha, o eleito, Sebastião Melo, perdeu por 30 mil votos para a coligação dos brancos, nulos e abstenções. Na capital paulista, onde venceu Ricardo Nunes, as eleitoras e eleitores que votaram em branco, anularam os votos ou nem saíram de casa para votar superaram em mais de 300 mil os que digitaram o 15 na urna eletrônica.
Mas os políticos parecem não se dar conta disso e continuam aprontando… Tem gente que parece não acreditar que o tempo da impunidade absoluta acabou. Ou, vai ver, imagina que nunca vai ser pego. Ou, ainda, acredita que uma simples suspeita não vai melindrar a sua reputação. Volta e meia temos uma investigação de algum malfeito, de alguma corrupção alcançando as salas do poder e expondo algum ocupante de cargo público.
Olha o que acontece em Porto Alegre. Durante a campanha inteira, o prefeito Sebastião Melo se debateu contra denúncias de irregularidades numa compra de livros e equipamentos para laboratórios pela Secretaria Municipal de Educação (Smed) no valor de R$ 43 milhões em 2022. No dia 27 de outubro, Melo foi reeleito… Na terça-feira, 12, a onda voltou e respingou no prefeito. A polícia gaúcha, em nova fase de uma operação batizada de Capa Dura, que investiga a compra de 2022, cumpriu vários mandados judiciais contra envolvidos nas denúncias de irregularidades.
Executada pela equipe da 1ª Delegacia de Combate à Corrupção, a Operação Capa Dura investiga denúncias de fraude em licitação, lavagem de dinheiro, corrupção passiva e ativa e associação criminosa na Secretaria Municipal de Porto Alegre.
Reportagem do jornal Zero Hora informa que a polícia quer saber qual é o protagonismo de cada um dos participantes de um encontro que teria sido realizado no gabinete do prefeito Sebastião Melo em julho de 2021. Naquela reunião, o grupo empresarial representado por Jailson Ferreira da Silva, o Jajá, teria sido inserido nos negócios da Smed. Jailson tem prisão preventiva decretada e é considerado foragido. A empresa representada por ele ganhou a licitação de R$ 43 milhões…
O prefeito não é investigado na operação. Mas um dos mandados executados no último dia 12 determinou que o vereador Pablo Melo (MDB) fosse afastado de suas funções por 180 dias. Pablo é filho de Sebastião… O vereador é suspeito de ter facilitado as coisas para as empresas de Jailson.
E isso tudo acontece quando nem bem esfriaram os debates eleitorais, quando as redes sociais ainda reverberam discussões acaloradas entre esquerda e direita, entre demagogos e populistas…
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A conclusão a que se chega é que os políticos cada vez entendem menos o que o povo espera deles. O recado popular está dado: as abstenções e os votos nulos e brancos superaram, em muito, a votação dos vitoriosos. E pode piorar se as lideranças não se convencerem de que ao político – daqui pra frente – não basta parecer honesto. Tem quer ser honesto.
Agora, se dá para tirar algo positivo do gesto tresloucado do Tiü França, é que estilhaços das bombas dele feriram de morte as articulações para anistiar os condenados por participação nos atos golpistas de 8 de janeiro. E parece que não vai ter brasileiro na posse de Donald Trump…
Fernando Guedes é jornalista e sócio da SHIS Comunicação, analista político, especializado em marketing político, administração de crise, análise de cenários, construção de imagem e produção de conteúdo. Trabalhou nos principais veículos de comunicação do país e assessorou ministros de Estado. Foi diretor da TV Câmara e da TV Justiça e secretário de Imprensa da Presidência da República