Em entrevista no EM Minas, da TV Alterosa, o publicitário e marqueteiro Paulo Vasconcelos compartilhou sua visão sobre os bastidores da recente campanha de Fuad Noman (PSD) à Prefeitura de Belo Horizonte e refletiu sobre o cenário político brasileiro. Para ele, a vitória de Noman não representa apenas o triunfo de um candidato de centro, mas também a ascensão de uma força política que deve marcar os próximos anos.
Vasconcelos destacou a importância da televisão nas campanhas eleitorais, especialmente na construção de narrativas capazes de atrair eleitores, e apontou o ex-ministro Gilberto Kassab, líder do PSD, como um dos responsáveis pela vitória estratégica de Fuad. “A eleição de Fuad é a vitória do centro, e quem fez isso acontecer foi Kassab, que tem a capacidade de unir e aglutinar uma base ampla”, afirmou. Para o marqueteiro, o triunfo do PSD deve servir de alerta para os próximos ciclos eleitorais, indicando que o centro pode ser a chave para um novo equilíbrio político no Brasil.
Com uma carreira marcada por campanhas de destaque, incluindo as de Aécio Neves (PSDB) e Cláudio Castro (PL), Vasconcelos lembrou que a Operação Lava-Jato e o momento de crise ajudaram a criar um ambiente propício para o surgimento de lideranças políticas com discursos mais radicais, mas, agora, o Brasil parece caminhar para uma nova configuração política.
Com mais de 30 anos de experiência em marketing político, como o senhor vê a transformação nas campanhas com a chegada das redes sociais, que trouxeram empoderamento ao eleitor, mas também intensificaram a disseminação de conteúdos, tanto positivos quanto negativos? E como lidar com essa nova dinâmica?
Temos uma legislação que é, na verdade, caduca. Recentemente, escrevi um artigo sobre isso: se você impulsiona conteúdo negativo, paga uma multa de R$ 5 mil, e, se isso não mudar, no planejamento estratégico das próximas campanhas, você provavelmente vai reservar uma quantia para essas multas, porque acaba compensando continuar infringindo a regra. A penalidade é pequena e não há agravante pela reincidência. Ainda assim, essa eleição provou que a televisão continua sendo a infantaria da comunicação, porque, nela, você consegue uma qualidade e um tratamento da linguagem que a internet não permite. O tempo na internet é curto; ninguém vai lá para assistir a um vídeo de 3, 4 ou 5 minutos. Na televisão, o conteúdo é mais bem elaborado, com mais qualidade e argumentação.
Então o senhor está dizendo que o horário eleitoral gratuito e obrigatório na TV e no rádio ainda é eficaz?
Muito eficaz, porque ele desperta a atenção da sociedade. Claro, você precisa levar parte do conteúdo para a internet, mas onde é que ela funciona de verdade? Ainda se fala muito sobre número de seguidores, “tenho mais seguidores, fulano tem menos seguidores”, mas o que realmente importa é a capacidade de fazer um conteúdo estratégico e impulsioná-lo. A internet permite que você converse com aquele eleitor que mora na Rua do Ouro, que você consegue encontrar e alcançar. Na televisão, não é tão específico. Essa é a grande contribuição da internet para o processo eleitoral; o número de seguidores é quase irrelevante. Fiz a campanha do governador Cláudio Castro no Rio de Janeiro, em 2022. Ele venceu com 100 mil seguidores, enquanto nosso adversário, Marcelo Freixo, tinha 3,3 milhões. Portanto, número de seguidores não é parâmetro.
No horário eleitoral, o que funciona melhor? Aqueles blocos maiores de tempo, como os 10 minutos, ou as inserções comerciais rápidas que pegam o espectador de surpresa?
Na verdade, os comerciais funcionam bem, e foi por eles que nós, publicitários, começamos a participar das campanhas. Nos Estados Unidos, as campanhas são muito compartimentadas com o jornalismo. Aqui no Brasil, houve um glamour para o publicitário, mas eu continuo fazendo campanhas entendendo que 70% é conteúdo jornalístico e apenas 30% é embalagem desse conteúdo.
Falamos de 30 anos de carreira. Quantos candidatos o senhor já emplacou nesse tempo?
Muita gente. Nem conto as derrotas, mas os vencedores foram muitos. Comecei estagiando na campanha de 1986, com Itamar Franco, que perdeu para Newton Cardoso. Depois, fiz a pré-campanha de (Fernando) Collor, em 1989, quando ele tinha 2% de intenção de votos e era apenas governador de Alagoas. Agora, 2024, este ano foi especial. Fizemos quatro prefeitos no interior do Rio de Janeiro e apoiamos Fuad em Belo Horizonte.
Falando genericamente, o que o “marqueteiro” pode fazer por um candidato? E quando é queo senhor decide não entrar em uma campanha?
Olha, isso acontece, sim. Em 2016, por exemplo, fiz um diagnóstico para o Alexandre Kalil e disse: “Você é perfeito”. Já em outros casos, optei por não entrar por ver que não daria certo. Hoje, com pesquisas qualitativas e a quantidade de informações disponíveis, conseguimos prever um pouco do cenário. Não é mágica, mas é possível colocar as coisas em perspectiva e ter uma ideia do sucesso. É um pouco de experiência também; com o tempo, você fica melhor nisso.
Qual foi o maior desafio na campanha de Fuad?
Foram vários. Ele não era candidato e decidiu se lançar neste ano. Temos uma relação de longa data, e ele me pediu ajuda. Em junho, quando começamos os preparativos, nenhuma pesquisa indicava que ele tinha chances de vitória, e ele brincava dizendo que eu estava enrolando. Em agosto, ele foi diagnosticado com câncer. Fui chamado ao hospital, e ele disse que queria continuar como candidato. E seguimos, mas com cuidados especiais. Evitamos debates no primeiro turno para preservar sua saúde e preferimos concentrar a comunicação em vídeos e comerciais que passassem uma imagem de vitalidade. Ele surpreendeu a todos com sua força, e, no segundo turno, estávamos bem fortes.
O senhor mencionou o diagnóstico de câncer do Fuad durante a campanha, e eu queria destacar a questão ética, já que a campanha soube lidar com isso sem explorar o tema para angariar votos. Quase não se falou disso.
Na verdade, houve alguns pequenos movimentos que foram rechaçados pela sociedade, né? Dos adversários. Principalmente nos debates do primeiro turno, quando ele demonstrou a fragilidade no movimento. E faltou aos demais uma certa empatia... houve comentário de que “poxa, ele estava fraco, quase não conseguia levantar”, mas logo esses candidatos perceberam que isso causava uma extrema rejeição. E esse assunto realmente se arrefeceu, ou não foi mais pauta na campanha. E evidentemente, a gente sinalizava também uma campanha com absoluta normalidade. A gente tentou não deixar passar que isso fosse uma força nesse momento. Algumas sutilezas, por exemplo, suspensório e uma campanha bem-humorada... elas nos ajudaram a tirar o peso e a dor, e o drama, né? De um sujeito com câncer disputando a eleição. Então, Fuad passou a ser uma figura simpática, uma pessoa pela qual as pessoas começaram a torcer, não necessariamente votando nele, mas torciam porque ele merecia a simpatia e a empatia, né? Passou um carisma, uma coisa boa.
Vou avançar um pouco e pedir para que conte um pouco sobre os bastidores da campanha. Como funciona essa avaliação após cada programa? Há uma análise de erros para corrigir ou de acertos para reforçar?
A gente tinha, mais ou menos, 20 e poucas inserções por dia. Na atividade publicitária, é uma quantidade enorme de inserções. É muita coisa. Nem a Coca-Cola trabalha com tanta propaganda. Portanto, você tem a obrigação de ter uma certa pluralidade para não gerar fadiga de material, ou seja, superexposição dessa ou daquela peça. Em média, considerando os 35 dias de campanha, 22 inserções por dia. Você deveria ter feito ali umas 40 peças. Nós temos registradas no TRE 97. Por quê? Aí acontece o que você acabou de falar: a gente pensa, cria, produz, testa e joga fora, ou usa.
Caramba! Esse é um processo contínuo.
É uma indústria contínua. Então, tem várias peças que não foram usadas, mas foram criadas. Então, você tem, como uma estrutura básica, um casting de um apresentador, uma apresentadora. Você tem uma estrutura de áudio completa dentro da campanha. Enfim, você tem uma televisão propriamente dita.
Quando o senhor mencionou o Fuad no começo, falou que não apareceu nenhuma pesquisa. Foi mais difícil levá-lo ao segundo turno, ou foi mais desafiador vencer nele?
Foi mais difícil convencer a política de que o Fuad poderia ir para o segundo turno. Fuad teve uma caminhada muito solitária nos primeiros movimentos, porque não existia em volta dele a sensação de que ele era politicamente viável. E a política tem um DNA muito oportunista. A política é igual ao torcedor de futebol que só torce pro time quando ele é campeão, entendeu? A política é um pouco parecida com isso. Então, no primeiro turno, foi difícil trabalhar, porque além do papel de coordenação do marketing, a gente estava ajudando em outras funções pela ausência, pela solidão. Quando a gente vai chegando perto do primeiro turno, e aí você tinha ali uma disputa entre Tramonte e Fuad, a campanha começou a dar uma grande encorpada. E aí, a vida ficou um pouco mais fácil. Portanto, foi mais angustiante o segundo turno. Mas foi mais difícil levar o Fuad para o segundo turno do que vencer no segundo turno.
Fuad recebeu críticas bastante pesadas, e alguns candidatos derrotados o apoiaram no segundo turno. Como lidou com isso do ponto de vista da campanha?
Seria natural que isso acontecesse, tanto para um lado quanto para o outro, né? Assim, os eleitores do Tramonte se dividiram entre (Bruno) Engler e Fuad. Os eleitores de Duda (Salabert), que foram muito duros no primeiro turno, mas foram muito gentis com ele logo após o resultado, foram, em sua maioria, para o Fuad. Os eleitores de Rogério (Corrêa) também. Já os eleitores de Gabriel (Azevedo) se dividiram. O Tramonte não se pronunciou. Ou seja, o que essa campanha prova, e isso é um recado para os políticos da próxima eleição, é que quem bate, cai. Quem bate, perde. A crítica tem que estar estruturada, tem que ter começo, meio e fim. Não pode ser uma posição arrogante, uma questão pessoal. As pessoas querem saber quem vai resolver os problemas delas, não querem saber se você quer “matar” o outro. Então, essa violência na política não será mais uma força.
O que falaria para a gente sobre essa polarização da política? Ela é um encontro do quê?
Na verdade, a eleição Fuad é uma eleição de um candidato de centro. E dizem os entendidos que quem fez vitorioso essa eleição foi o Kassab… que lidera um partido de centro. Portanto, isso é um alerta. Agora, a polarização acabou? Não, ela não acabou. Nunca mais será como foi. Na verdade, eu brinco que o grande marqueteiro de 2018 foi a Lava-Jato. Todos nós estávamos desempregados e aparecia um sujeito com uma narrativa disruptiva, nova, que vocalizava aquilo que estava no peito das pessoas, que era uma grande frustração e decepção. De lá para cá, essa direita também sempre existiu, mas nunca teve um líder que agrupasse e se reunisse em um nome só.
Nós passamos pela campanha do Fuad, mas não falamos especificamente do segundo turno. O Bruno Engler, no primeiro turno, adotou uma posição moderada. Não usou a polarização. Mas, em segundo turno, ele adotou uma estratégia mais agressiva. Isso foi ruim ou bom?
Foi ruim para ele, na minha opinião. Independente do resultado, o Bruno vinha com uma narrativa vendendo um conceito de modernidade, de avanços, especialmente defendendo muito o uso de tecnologia e algumas questões da prefeitura. Como jovem, isso funcionava bem. A química combinava com a narrativa, combinava com o personagem. Mas há uma questão perigosa para os políticos, que é a questão da bolha, né? Quando o Bruno falava para a bolha, ele tinha um desempenho excepcional. Quando ele falava para fora da bolha, o desempenho era menor.
Você não ganha eleição só na bolha. Mas, enfim, não estava lá, não quero julgar qual foi a estratégia da turma. Mas o fato é que, quando ele começa a falar para a bolha, me deu um conforto incrível, porque ele era uma figura que chamava a atenção pela modernidade. Afinal, eu tinha um candidato de 77 anos versus um rapaz de 26.
E depois veio a história do livro, né? Acho que esse foi o ápice desse clima de maior agressividade. Como é que vocês internamente encararam esse desafio?
O livro trouxe para nós duas vantagens e uma desvantagem. A primeira, força. Isso aglutinou uma classe intelectual, jornalistas, pessoas da cultura. Porque qualquer pessoa com o mínimo de cultura geral não consideraria aquilo, de forma alguma, como pornografia. Estamos falando de (José) Saramago. Eles escrevem de forma parecida. Eu respeito muito meu prefeito, mas ele é um escritor como outro qualquer que descreve uma cena. Por outro lado, a segunda força foi que aquilo causou uma rejeição, porque se aproximava de algo completamente fora da caixinha. Imagina, um sujeito de 77 anos, com cinco livros publicados, com a trajetória que ele tinha, ser revelado como um escritor pornográfico. Essa foi a segunda força para nós. A fraqueza foi o mundo evangélico, especialmente aquele que é dirigido por pastores que misturam política com religião. Eles começaram a vender, nas igrejas, a ideia de que o Fuad era perigoso, com ideias comunistas e outros rótulos. Na reta final, isso nos custou uns quatro ou cinco pontos do eleitorado evangélico.
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Como vê esse fenômeno do (Donald) Trump?
O Trump é o reflexo de um processo de longa data nos Estados Unidos. O (Barack) Obama quebrou um pouco essa dinâmica com um discurso apaixonado, mas, no fundo, os americanos sentiam falta de um tempo que não existe mais. E o Trump soube colocar a culpa disso nos imigrantes, em fatores externos, como o desemprego, e outros problemas. Ele tem razão em algumas coisas. Quando ele foi eleito, foi sintomático. O cara que dava tiro ontem, pedindo paz no dia seguinte. Mas aquele “América grande novamente” não volta mais. Aquele Estados Unidos de 30 anos atrás já era. Não volta mais. O Trump vai viver um quadriênio difícil, porque ele está prometendo algo que não conseguirá entregar. Ele até pode entregar algumas coisas, mas a maior parte dessas promessas é algo que já não faz sentido no mundo globalizado de hoje.