Até integrantes da base governista acreditam que o Congresso aproveitará a necessidade do governo de aprovar o pacote fiscal para tentar reverter a trava, em vigor neste momento, à liberação de recursos das emendas parlamentares. As emendas estão represadas por decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), que até recentemente integrava o primeiro escalão de Lula.
Ao PlatôBR, o deputado Carlos Zarattini (PT-SP), vice-líder do governo no Congresso, disse nesta quinta-feira, 28, pouco depois de detalhes do pacote serem apresentados no Palácio do Planalto, que a animosidade no Congresso em razão das emendas parlamentares suspensas por Dino pode dificultar a votação das medidas.
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"O clima no Congresso está péssimo por causa da suspensão das emendas feita pelo Flávio Dino (ministro do STF). E estamos chegando no final do ano. Se não forem liberadas rapidamente essas emendas, e o governo não fizer os empenhos e o pagamento, muito desse dinheiro vai ser perdido. Isso cria uma animosidade dentro do Congresso. Se não resolver o problema das emendas na semana que vem, não vai dar tempo de votar tudo isso. E o pessoal não vai topar votar", afirmou o vice-líder do governo.
"Se o Congresso quiser votar, vai dar. Querendo, tudo é possível. Quando quer (o Congresso), faz. O problema são as emendas serem liberadas e pagas na semana que vem. Isso depende de o Flávio Dino liberar. O governo tem de pressionar", disse ainda Zarattini, para quem essa pressão sobre o ministro já está posta. "(O governo) já está pressionando, já vem conversando. Mas tem de ser mais incisivo", emendou. As conversas estariam sendo encaminhadas pela Casa Civil e pela Advocacia-Geral da União (AGU).
Algumas das medidas do pacote têm de ser votadas ainda neste ano, como a correção do salário mínimo, o que deixa o Congresso em uma posição ainda mais empoderada para fazer exigências. "Tem de votar antes porque essa correção incide no Orçamento, nas despesas da Previdência. Tem de ser votada antes também a regra dos militares (fixar a idade mínima para ir para a reserva e equiparar em 3,5% da remuneração a contribuição para o Fundo de Saúde)", observou. "Se quiser a votação até o final do ano, o tempo é exíguo até as festas de Natal e Ano Novo."
O presidente Lula e o ministro Fernando Haddad pretendem estabelecer uma linha direta nos próximos dias com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para tentar fazer o pacote avançar.
O deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP), um dos autores de uma PEC alternativa ao corte de gastos proposto pelo Planalto e que começou a recolher assinaturas na quarta-feira, 27, disse que se o governo se convencer de que a resposta dada ao mercado não é positiva, terá de procurar outro meio para conseguir fazer o corte de gastos.
"O corte de gastos do governo é insuficiente e não resolve as contas públicas. Se o governo se convencer disso, a solução é a nossa PEC, como avaliam especialistas em orçamento público. Ela é uma solução estrutural, por ao menos dez anos", afirma Kataguiri. Os dois outros autores da PEC alternativa são os deputados Pedro Paulo (PSD-RJ) e Júlio Lopes (PP-RJ). Essa PEC precisará das assinaturas de 171 dos 513 deputados para tramitar.
Kataguiri disse ainda que o governo terá problemas para conseguir aprovar o seu projeto porque os próprios deputados da base de Lula estão insatisfeitos e atribuem a paralisação das emendas à ação do governo. "Os deputados do Centro também estão insatisfeitos porque o ajuste não é suficiente. Só tem ônus. E vai enfrentar a resistência, principalmente de profissionais liberais, com a alíquota maior do imposto de renda para quem ganha mais de R$ 50 mil", observou.
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Dino no caminho
O plano dos parlamentares, no entanto, esbarra na convicção de Flávio Dino, relator do caso das emendas parlamentares no STF. Um acordo foi firmado entre os três poderes recentemente para tentar atender os pontos levantados pelo ministro para ampliar a transparência da aplicação dos recursos, mas ainda há várias pontas soltas – a ponto de interlocutores de Dino dizerem que ele considera que o Congresso não está se esforçando suficientemente para cumprir o combinado.
A não ser que as exigências sejam flexibilizadas agora em razão da necessidade de aprovação do pacote, pelo acordo recente o Congresso terá não apenas que aprovar medidas que tornem as emendas rastreáveis desde a definição do autor até sua execução como também entregar os dados referentes às emendas distribuídas nos últimos anos.
Oficialmente, Dino não se manifesta sobre o assunto. A avaliação no STF, no entanto, é que as propostas que estão em tramitação não preenchem os requisitos de transparência necessários para a liberação. Até há pouco, o próprio governo defendia uma mudança no sistema de distribuição de emendas, por entender que o Congresso estava usurpando poderes do Executivo, uma vez que os parlamentares podiam destinar os recursos a seu belprazer, sem necessidade de qualquer alinhamento com programas federais – o governo entende que, assim, estava perdendo a prerrogativa de definir as prioridades para os gastos.
Pacheco: "Será prioridade"
Rodrigo Pacheco, o presidente do Senado, disse nesta quinta-feira que o pacote de gastos do governo será prioridade no Congresso. Após encontro com Haddad, ele lembrou que, com a proximidade do recesso de fim de ano, os parlamentares terão apenas três semanas para avaliar o pacote.
"Vamos ter três semanas de muito trabalho para chegar ao fim do ano com a LOA (Lei Orçamentária Anual) e a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) aprovadas. Essa medida de contenção de gastos também entra como prioridade", afirmou. (Colaborou Leonardo Fuhrmann)