Um desabafo após uma jornada exaustiva de trabalho, feito mais de um ano atrás nas redes sociais, reverberou nesta semana em Brasília com certo atraso. “O grito”, como classificou o autor, o vereador eleito pelo Rio de Janeiro Rick Azevedo (PSOL), gerou burburinho na Praça dos Três Poderes, que reúne as sedes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, e na Esplanada dos Ministérios.

O momento não poderia ser mais oportuno para o governo. Em meio à polêmica sobre cortes de benefícios sociais para equilibrar as contas públicas, o debate sobre fim da jornada de trabalho 6×1 surge, aparentemente, como uma tábua de salvação para políticos da esquerda, como os do PT do presidente Lula, faturarem politicamente. Mas já há quem diga que se o governo embarcar nessa, pode ser, na verdade, um tiro no próprio pé.

Depois de milhares de assinaturas de trabalhadores apoiando a proposta e o “Movimento vida além do trabalho”, posts varrendo as redes sociais, gerando engajamento e amplificando o debate, o apoio de, no mínimo, 171 parlamentares para garantir que a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) tramite no Congresso foi rápido.

Mas e agora? Primeiro a PEC precisa ser protocolada oficialmente e há discussão sobre o momento ideal, dada a mudança de nomes à frente das comissões temáticas no Congresso onde a proposta precisa circular, prevista para o início da próxima legislatura. Algumas, porém, reações já sinalizam frentes de embate. O deputado de oposição Joaquim Passarinho (PL-PA) levantou um ponto que gera tremedeira na equipe econômica: o governo precisaria desonerar a folha de pagamento para acomodar uma mudança dessa, minimizando o custo para as empresas e o impacto na inflação.

José Márcio Camargo, professor e economista da Genial Investimento, vai além: “Estamos em meio a uma crise fiscal e o ressurgimento desse ponto, que reduz a flexibilização da jornada de trabalho, vem a calhar para o governo”, afirma, questionando se o tema não ressurgiu agora, estrategicamente, para dividir o debate público com as medidas de corte de gastos em debate no governo e que tem gerado polêmica entre os ministros. A crítica do economista refere-se à reforma trabalhista, aprovada em 2017, que permitiu, entre outras coisas, flexibilidade na contratação e demissão de trabalhadores com a criação de contratos de trabalho variados e novos modelos de jornada.

Segundo Camargo, foi essa reforma que “permitiu a redução da taxa de desemprego para os níveis atuais” (na casa dos 6%, de acordo com o IBGE). “Os dados mostram que há redução das demandas na Justiça do trabalho, aumento da formalização de trabalhadores, além do fato de o saque aniversário do FGTS desincentivar a pessoa a querer ser mandada embora. Tudo isso veio no embalo da reforma trabalhista”, afirma. Para o economista, apostar nesse debate de redução na jornada 6×1 é um retrocesso e será um erro do governo. “O ministro Luiz Marinho (Trabalho) tentou criar regras para os trabalhadores de aplicativos e não teve apoio da própria categoria”, argumenta.

O assunto de redução da jornada, limitada a 44 horas semanais pela Constituição, não é novidade no Congresso. Desde 2019, a PEC 221, do deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), propõe reduzir a escala para 36 horas. Mas o assunto não andou até hoje. O movimento nas redes socais nos últimos meses, no entanto, amplificou o tema e gerou muito engajamento da sociedade.

Ao contrário das críticas, a proposta não é algo que nasceu no governo. Ela veio das ruas. Depois do desabafo nas redes, a vida de Rick Azevedo mudou complemente. De balconista em uma farmácia, no Rio de Janeiro, cansado de trabalhar seis dias por semana, o tocantinense de 30 anos se tornou o vereador do PSOL mais votado nas últimas eleições. E o fim da jornada 6×1 é a bandeira dele, que foi nacionalizada pela colega de partido Erika Hilton (foto em destaque), deputada federal por São Paulo.

Nesta semana, outros nomes da legenda fizeram coro à proposta. Guilherme Boulos alertou que o Congresso não pode virar as costas para uma demanda da sociedade e atacou quem faz críticas à proposta. Segundo ele, “toda vez que se discute benefício para o trabalhador, cria-se pânico dizendo que isso vai destruir a economia e acabar com empregos”. Boulos afirmou ainda que não é possível “cair no mito de que ganho para trabalhador é terremoto destrutivo para sociedade”. Ele garante que “o governo vai usar da sua influência para ajudar na tramitação (da PEC)”. O Palácio do Planalto, porém, garante que não tem nada a ver com o movimento (leia mais aqui).

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