O Governo de Minas Gerais protocolou nesta quinta-feira (14/11) dois projetos de lei (PLs) para privatizar a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa). Os textos foram entregues na Assembleia Legislativa (ALMG) pelo governador em exercício Mateus Simões (Novo), vice de Romeu Zema (Novo), que está em viagem oficial no Azerbaijão.


Conforme explicado por Simões durante entrevista coletiva, a proposta é que a Cemig passe por um processo denominado ‘corporation’, em que as ações da companhia seriam disponibilizadas no mercado mas com o governo estadual mantendo poder de veto em decisões estratégicas, a chamada ‘golden share’. Já o texto do PL da Copasa prevê uma privatização mais tradicional com o repasse das ações do estado à iniciativa privada.




 

Nas estimativas do governo Zema, as empresas hoje têm valor estimado em cerca de R$ 15 bilhões. As participações acionárias do estado em cada companhia, no entanto, são distintas. Na Cemig, 17% das ações estão sob controle estatal, enquanto na Copasa, Minas possui mais de 50% do controle.

 

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Os textos, uma vez protocolados, devem seguir o ritmo determinado pelo regimento interno da Assembleia. Os projetos precisam ser lidos em Plenário para dar início à tramitação. O caminho das pautas inclui comissões temáticas e a Comissão de Constituição de Justiça antes de ir à votação no plenário em primeiro turno.


Segundo Simões, o governo entendeu ser este o momento certo para enviar as pautas para o Legislativo por ter uma relação mais madura e fluida com a base de deputados. Privatizar as duas estatais são projetos que integram a pauta prioritária de Romeu Zema desde seu primeiro mandato, mas as propostas nunca tiveram ampla aceitação na Assembleia.


Nesta legislatura, embora Zema tenha conseguido aprovações importantes em projetos nevrálgicos para o Executivo, como o reajuste dos servidores abaixo do requerido pelo funcionalismo e os parlamentares de oposição e o destravamento da pauta do ingresso do estado nos parâmetros do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), a vida dos deputados da base governista não tem sido simples. 


A tramitação das pautas do governo estadual tem sido atribulada no Legislativo, com frequentes protestos populares e obstrução de pauta pela oposição. Nesta quarta-feira (13/11), por exemplo, o projeto de aumento da contribuição ao Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (Ipsemg) teve votação adiada no plenário. Deputados da oposição travaram a discussão por cinco horas e o Executivo autorizou a desmobilização da base para derrubar o quórum e encerrar a sessão.


Propag

Zema decide enviar as privatizações em um momento conturbado não apenas na relação entre governistas e opositores na Assembleia. Cemig e Copasa são dois dos principais ativos mineiros para a negociação paralela da dívida com a União, hoje avaliada em cerca de R$ 165 bilhões.


Enquanto Zema insistia no Regime de Recuperação Fiscal como forma única para sanar os cofres do estado, articulações entre a oposição na Assembleia, o presidente do Congresso Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e o governo federal deram origem ao Programa de Pleno Pagamento da Dívida dos Estados (Propag) como alternativa menos austera ao RRF. 


O plano elaborado por Pacheco define mecanismos para que os estados reduzam os juros cobrados sobre o estoque da dívida, hoje indexados a partir do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acrescidos de 4% ao ano. Uma das formas de reduzir a taxa e ainda abater o valor total do débito é a federalização de ativos estatais. No caso de Minas, a medida inclui Cemig, Copasa e a Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig).


Segundo Simões, os projetos de privatização protocolados nesta quinta na Assembleia não inviabilizam a ideia de federalizar as companhias e ingressar no Propag. O governador em exercício afirmou que a gestão segue focada em sanar as dívidas do estado.


“As duas companhias estatais precisam passar por um processo de modernização relevante. Obviamente, a prioridade do estado continua sendo colocar as contas em dia e, por isso, aprovar o Propag que pode levar a federalização por exemplo da Cemig no formato mais moderno que é contemplado pelo seu processo de transformação em corporation. No caso da Copasa, a modernização é ainda mais necessária e isso é evidente para todos os usuários”, afirmou.

 

Derrubada de referendo

Além do envolvimento das estatais no projeto de negociação da dívida com a União, privatizar Copasa e Cemig depende de tramitação paralela dentro da própria Assembleia. Para ter êxito em sua empreitada de desestatização, o governo estadual precisa alterar a constituição mineira, que exige a aprovação popular via referendo para conceder as companhias de energia elétrica, gás natural e saneamento básico à iniciativa privada.


A ideia de Zema para privatizar as estatais envolve aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 24/2023 na Assembleia. A proposta almeja acabar com a exigência de consulta popular para retirar Copasa e Cemig das obrigações do estado.


A PEC está travada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia há mais de um ano. Com foco em ingressar no RRF e aprovar medidas impopulares para o funcionalismo público como a recomposição salarial e o aumento da contribuição aos serviços de previdência, o Executivo não gastou suas fichas nesta matéria.

 

O cenário agora, pode mudar. Segundo Simões, o ideal para o Executivo é que a PEC 24/2023 seja discutida concomitantemente ao projeto das privatizações. Contudo, diante da resistência da oposição já experimentada no início da tramitação da alteração constitucional, o governador em exercício não descarta a realização do referendo.


“Para nós, fazer o referendo não é um problema. Mas ele é uma burocracia que não existe na venda de nenhuma estatal no Brasil inteiro. O que a gente pretende é que essa discussão seja feita dentro da Assembleia durante a tramitação desses projetos. Para nós, continua fazendo mais sentido para o povo de Minas Gerais que a exigência do referendo seja retirada da Constituição antes da votação das leis. Mas, se a Assembleia concluir ao longo dos próximos meses que é melhor aprovar a privatização e ter o referendo, estamos prontos. Já consultamos o TRE (Tribunal Regional Eleitoral) no ano passado, é um custo relevante, mas é um custo que estamos prontos para enfrentar”, afirmou.


A exigência do referendo foi determinada em 2001 em projeto do então governador Itamar Franco endossado pelos deputados estaduais. A regra está prevista no parágrafo 17 do artigo 4 da Constituição. À época, a medida repercutiu a venda de cerca de um terço das ações da Cemig, perpetrada pelo governo anterior sob comando de Eduardo Azeredo.


Oposição se manifesta

Em nota, o Bloco Democracia e Luta, oposição a Zema na Assembleia, manifestou repúdio aos projetos protocolados por Simões e afirmou que é contrário à ideia de renegociação da dívida do estado via Propag. O grupo, integrado por parlamentares do PT, PV, Rede, Psol, e PCdoB, prometeu enfrentamento às privatizações durante a tramitação dos PLs na Casa.


“Privatizar a água e energia elétrica é um grave retrocesso para Minas Gerais. Ao transformar dois bens públicos essenciais em mercadorias, Zema coloca, mais uma vez, o governo a serviço dos interesses privados, ignorando as necessidades da população. Uma lógica perversa, que coloca os lucros acima da dignidade humana e do acesso universal a serviços básicos, um direito fundamental que precisa ser garantido a todos.[...] Na Assembleia Legislativa, esses dois projetos nefastos encontrarão forte resistência da Oposição, que estará – como sempre esteve – ao lado do povo mineiro na defesa do nosso patrimônio e da gestão pública de serviços básicos, com qualidade e acessibilidade a todos”, diz o documento.

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