Antes das explosões desta quarta-feira, Francisco Wanderley Luiz, conhecido como Tiü França, já vinha circulando por Brasília. Tinha estado na capital federal na época das manifestações que culminaram no 8 de janeiro de 2023 e vinha circulando nos últimos meses pela Câmara dos Deputados e pelo Supremo Tribunal Federal. O caso levanta a dúvida de possíveis falhas no monitoramento de radicais como ele. Mesmo com várias investigações em curso sobre movimentos extremistas, Tiü França conseguiu passar por baixo do radar das autoridades.

Sim, não é uma tarefa simples. Especialmente em um caso que envolve personagens até então desconhecidos. Nesse episódio, uma das dificuldades era exatamente a falta de informações até o momento de que o agressor, morto durante a ação, fazia parte de alguma organização estruturada e regular. No entanto, há sinais de que ele participava de grupos radicais nas redes e, se isso se confirmar, restará claro que houve um deslize no trabalho de monitoramento, que não o identificou como alguém capaz de significar um risco real.

Somam-se às possíveis falhas dos órgãos de investigação alguns empecilhos de ordem legal. Um deles é a dificuldade de levantamento e de armazenamento das informações sobre a atuação de possíveis alvos nas redes. O assunto foi tema da chamada PL das Fake News, de 2020, que não teve sucesso na tramitação no Congresso Nacional. No começo deste mês, um novo projeto apresentado pelo PT tenta aumentar a regulação das redes sociais, inclusive com a criação de uma agência regulatória. O assunto é controverso, até por envolver direitos individuais, mas deve ganhar tração a partir do atentado. Assim como o projeto anterior, a proposta é alvo de ataques de setores da oposição e, também, de empresas do setor.

Além de policiais, membros do Judiciário e do Ministério Público consideram a medida como fundamental. A palavra final pode ser, mais uma vez, do Supremo. Três ações com esse objetivo estão pautadas para serem decididas pelo plenário do tribunal.

Divergências institucionais
Há outras questões, que põem em conflito, inclusive, alguns órgãos oficiais. Oficiais da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), por exemplo, queixam-se da falta de instrumentos para monitorar o comportamento de possíveis criminosos nas redes. No caso concreto, as informações sobre o comportamento suspeito na internet justificariam o acompanhamento dos deslocamentos de Tiü França, inclusive as viagens dele para Brasília e, posteriormente, as idas dele à Câmara e ao Supremo Tribunal Federal.

A Abin, cuja relação com a Polícia Federal não é boa, também reclama por não ter acesso a outras informações que considera essenciais, o que inclui o sistema de monitoramento de 18 câmeras de alta tecnologia da Esplanada dos Ministérios. Os equipamentos são da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e foram testados pela agência. O sistema foi entregue em julho para a gestão Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal. A cessão é atribuída a outro ponto de tensão institucional, entre o presidente da ABDI, o ex-ministro interino do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República Ricardo Capelli, e o diretor da Abin, o delegado aposentado da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa.

O risco do estado policial
Para o cientista político Guaracy Mingardi, que foi subsecretário nacional de Segurança Pública e assessor da Procuradoria-Geral de Justiça do Ministério Público de São Paulo, é preciso equilibrar os limites entre a garantia do monitoramento de ameaças e risco de criação de um estado policial. Mingardi destaca que, mesmo que não existam indícios até agora da participação de outras pessoas no planejamento e na execução do crime, há uma preocupação com a rede de contatos, e não só pela troca de ideias terroristas e que atentem contra a democracia.

Investigações da Polícia Federal mostram que Tiü França não teve acesso a materiais explosivos especiais, mas conseguiu informações para criar bombas caseiras com fragmentos e um detonador remoto. Também fez um lança-chamas com um extintor de incêndio. O compartilhamento, na internet, de orientações sobre esse tipo de técnica é outra frente de preocupação.

Há indícios que o planejamento do crime tenha levado alguns meses. O homem-bomba havia até se mudado para o Distrito Federal – ele alugou um imóvel em Ceilândia. Também alugou o trailer que foi localizado ao lado de seu carro com munição e enterrou uma caixa, ainda sob análise, próxima ao local.

No imóvel que estava ocupando, Tiü França montou uma armadilha para os policiais que certamente iriam fazer buscas após o atentado. Uma gaveta explodiu quando foi aberta. Segundo a Polícia Federal, o artefato poderia ter causado a morte de agentes não fosse a corporação ter usado um robô na operação de busca. Para Mingardi, o maior perigo agora é a possibilidade de novos ataques. “As pessoas de uma rede de contato vão aprender com o que ele fez e corrigir as falhas que ele cometeu”, afirma.

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