Diante da revelação, pela Polícia Federal, de mais elementos do plano de abolição do estado democrático de direito e da tentativa de golpe pela qual passou o país, a pergunta que ecoa em todas as conversas é: por que Bolsonaro e Braga Netto não são levados a julgamento?
As hipóteses passam pela Procuradoria-Geral da República, pelo Supremo Tribunal Federal e pela política.
Para começar, falta a PGR oferecer uma denúncia. Sem isso, não é possível avançar em um julgamento. A demora em promover uma acusação formal de Bolsonaro e Braga Netto pode ter como explicação estarmos diante de crimes complexos. Tentativa de golpe e abolição violenta do estado de direito são tipos penais que exigem mais do que um ato, exigem uma série de atos, em um determinado contexto, que juntos colaboram para o mesmo propósito criminoso. Diante dessa complexidade, pode-se argumentar que ainda haveria a necessidade de aprofundar as investigações.
Além disso, a demora pode ser explicada pelo fato de a PGR ter passado a colaborar com as investigações apenas recentemente, há pouco menos de um ano. Antes disso, a PGR estava ocupada procurando evitar as investigações, pedindo arquivamentos e evitando indiciamentos. Ademais, em razão da retração da PGR no papel de investigação de crimes no governo Bolsonaro, quem assumiu a dianteira foi a PF, sob supervisão do STF. Falta à PGR, assim, não só se apropriar da investigação, como criar a sua própria tese de acusação.
Não se pode afastar a hipótese de que a PGR tarda em fazer uma denúncia por avaliar que o Supremo Tribunal Federal não teria condições de promover o julgamento de Bolsonaro e de Braga Netto. O tribunal estaria enfraquecido após sucessivos ataques e não suportaria um novo levante. Adiar o julgamento seria uma forma de preservar o STF, diante de uma impressão generalizada – ainda que bastante equivocada – de que o tribunal estaria exagerando no rigor ao lidar com as investigações sobre Bolsonaro, generais, deputados e populares envolvidos na tentativa de golpe.
O outro obstáculo ao julgamento de Bolsonaro e Braga Netto pode ser visto na política. Mesmo sendo alvo de investigações sobre a tentativa de golpe no país – além do rastro de centenas de milhares mortos que deixou na pandemia – Bolsonaro é festejado por políticos como Tarcísio de Freitas e Ricardo Nunes, além de um bloco de parlamentares no Congresso. Para essa ala, o golpe foi apenas uma manifestação de patriotas e Bolsonaro está sendo perseguido. O conforto do Congresso era tão grande que cogitou votar um projeto de anistia aos criminosos do 8 de janeiro.
Quem normaliza o extremismo de Bolsonaro e sobe em seu palanque tem sido visto pela imprensa como moderado. Até agora, não tem havido custo a quem abraça o golpismo e golpistas.
Porém, os últimos acontecimentos tornam difícil defender que tudo não passou de uma manifestação que saiu do controle e não uma tentativa de golpe. Anônimos seguem insuflados pela rede de ódio e partiram para o ataque. Um atentado ao Supremo não deixou mais mortos em razão do preparo e da precaução da polícia. Agora, com o levantamento de sigilo de parte das investigações, fatos mostram quão perto estávamos de uma real ruptura democrática.
Bolsonaro e Braga Netto, pelo que as investigações revelam, estavam planejando a morte de presidente da República e de seu vice, além de ministro do STF e presidente do TSE. Havia recursos financeiros e humanos, minutas de decretos e até distribuição de cargos no futuro regime antidemocrático.
Os fatos se impõem. O projeto de anistia aos golpistas esmoreceu. O tribunal esteve no rumo certo. Diante da gravidade do que foi revelado, é preciso reconhecer que Supremo e Moraes têm sido, na verdade, comedidos. O julgamento de Bolsonaro e Braga Netto será o atestado de que a ameaça antidemocrática foi neutralizada, que o tribunal segue cumprindo suas funções e que aos golpistas deve ser dada justiça, não anistia.
Eloísa Machado é coordenadora do projeto Supremo em Pauta, da Fundação Getúlio Vargas (FGV)