O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou, ontem, a transferência do general da reserva Mario Fernandes e do tenente-coronel Rodrigo Bezerra de Azevedo para Brasília. Os dois serão levados para as instalações Comando Militar do Planalto.
Eles foram presos em 19 de novembro, no Rio de Janeiro, na Operação Contragolpe, da Polícia Federal (PF), que investiga um plano de golpe de Estado para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, vencedor das eleições de 2022 sobre Jair Bolsonaro. A trama previa seu assassinato, a do vice-presidente Geraldo Alckmin e a de Moraes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
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Policiais federais envolvidos com as investigações sobre o levante dos militares golpistas afirmam, sob anonimato, que Fernandes trabalha com a possibilidade de fechar uma delação premiada. Conforme dizem os agentes, o general pode trazer novos fatos sobre a participação de Jair Bolsonaro e do ex-ministro Walter Braga Neto na articulação para o golpe.
No fim de semana, interlocutores de Fernandes garantiram a alguns veículos de imprensa que ele está preocupado com o futuro de sua família. Passou a avaliar a hipótese de colaborar com as investigações depois que o advogado de Bolsonaro, Paulo Amador Cunha Bueno, afirmou em entrevista à Globo News, na sexta-feira passada, que a tentativa de golpe era uma manobra de militares que cercavam o ex-presidente. Segundo o defensor, Bolsonaro jamais deu autorização para qualquer iniciativa de rompimento do Estado Democrático de Direito.
Culpa
Entre grupos de militares, tanto da reserva quanto da ativa, a afirmação de Cunha Bueno foi entendida como uma estratégia de Bolsonaro de jogar a culpa da trama golpista para dentro da caserna. O ex-presidente é apontado no inquérito da PF, ora com a Procuradoria-Geral da República (PGR), como o principal beneficiário da ruptura institucional e que estaria por trás de toda a movimentação dos fardados para impedir a posse de Lula e de Alckmin.
Segundo a PF, Fernandes era um dos mais exaltados entre os golpistas e responsável por criar os arquivos em foram armazenadas as informações com os planejamentos das mortes e a instituição de um gabinete de crise após a execução do ruptura democrática.
Rodrigo Bezerra também teria participado das ações do golpe. O celular do tenente-coronel foi utilizado em uma "Rede de Comunicação Sigilosa", conforme a investigação. Também foram presos o policial federal Wladimir Matos Soares, e os tenentes-coronéis Hélio Ferreira Lima e Rafael Martins de Oliveira.
As investigações da PF tiveram como base arquivos deletados, mas posteriormente recuperados, do laptop do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, e também do general Fernandes. Na decisão de ontem, Moraes autorizou que os dois militares recebam visitas de mulheres e filhos.
Bolsonaro e outras 36 pessoas foram inicialmente enquadrados pela PF nos crimes de tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e formação de organização criminosa.
Força-tarefa
A PGR iniciou, ontem, a análise das 884 páginas do relatório final da Polícia Federal sobre a investigação que indiciou Bolsonaro e outras 36 pessoas por envolvimento em um plano de golpe de Estado. Foi criada uma força-tarefa com nove procuradores do Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos para analisar o documento elaborado pela PF.
O relatório foi enviado ao STF na semana passada. O procurador-geral das República, Paulo Gonet, sinalizou que não há pressa para a conclusão da eventual denúncia, citando a "enorme complexidade" do caso. Daí porque a conclusão ficará para 2025.
Nos próximos dias, a PGR também pode se debruçar sobre a investigação da chamada Abin Paralela, um esquema de espionagem ilegal montado na Agência Brasileira de Inteligência e que teria o então diretor da instituição, o hoje deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), como cabeça do esquema. As investigações da PF mostram que políticos e agentes públicos considerados adversários de Bolsonaro foram bisbilhotados. A PGR enxerga conexões com o inquérito do golpe.
A PGR pode apresentar, ainda, uma denúncia conjunta contra Bolsonaro. Incluiria a investigação de fraude nos cartões de vacina do ex-presidente e de parentes e a da vendas de joias e presentes de outros governos à Presidência da República — desviados para serem comercializados no mercado secundário de artigos de luxo.
A investigação da PF trouxe à tona a elaboração de um plano com o objetivo de abolir o Estado Democrático de Direito. Segundo o relatório entregue ao STF e repassado à PGR, Bolsonaro "tinha plena consciência e participação ativa" nas ações criminosas.
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De acordo com a PF, Bolsonaro realizou lives e reuniões para sustentar a narrativa de fraude nas eleições e descredibilizar as urnas eletrônicas. Os desdobramentos do inquérito também colocam o ex-presidente como figura central no esquema, cuja concretização estava na "minuta golpista" que previa a detenção dos ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, do STF, além do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
As "minutas" foram encontradas na casa do ex-ministro Anderson Torres, no celular do tenente-coronel Mauro Cid — ex-ajudante de ordens de Bolsonaro —, e na sede do PL, em Brasília.