Dois fatores tiveram forte influência no fracasso desse golpe tramado pelo ex-presidente Bolsonaro e alguns militares e civis próximos a ele: a força das instituições – Congresso Nacional, Poder Judiciário – responsáveis pela guarda da democracia e a incompetência dos articuladores golpistas.
Acometidos da soberba que contamina cabeças autoritárias, articulavam a tomada do poder em escancaradas trocas de mensagens que ficam gravadas em celulares e computadores e em reuniões com dezenas de participantes e gravadas por câmeras e sistemas de áudio dos palácios oficiais.
Deixavam rastros por onde passavam. Agora, pegos, vão transferindo responsabilidades e até já ameaçam, uns aos outros, com eventuais delações premiadas seguindo o roteiro criado pelo tenente-coronel Mauro Cid, o faz-tudo dos golpistas. Não tinha nenhum perigo de dar certo, não?
Portanto, o nosso regime democrático, que vinha sendo fustigado desde 2019, quando o ex-capitão reformado do Exército Jair Bolsonaro tomou posse na Presidência da República negando a política para se beneficiar dela, está e seguirá preservado. Mas… Sempre tem um mas…
Por isso, cabe, aqui, um olhar para trás e a lembrança da velha declaração atribuída ao ex-presidente dos Estados Unidos Thomas Jefferson e, por vezes, a John Philpot Curran, advogado irlandês e destacado defensor das liberdades: "O preço da liberdade é a eterna vigilância".
Essa vigilância é tarefa de todas as mulheres e homens que vivem por aqui. O instrumento que garante eficiência e eficácia a esse trabalho é a comunicação. E a primeira tarefa dos vigilantes democráticos é o resgate da política, da boa política, até aqui a mais machucada pelas tentativas golpistas.
Sequestrada por quem a ataca para dela se beneficiar, a política está em descrédito. A quantidade de votos nulos e brancos, mais os altos índices de abstenção – que crescem a cada eleição – dá bem a medida da desconfiança do povo em relação aos partidos e aos políticos em geral.
Então, é preciso resgatar a reputação dos partidos e, principalmente, dos seus líderes. Vai dar muito trabalho. E exige muita competência. Mas os meios e os instrumentos estão aí. Pena que os antipolítica, os adeptos dos golpes, usam essas ferramentas com mais eficácia e vão conquistando a confiança do eleitorado.
Uma reforma partidária também é fundamental na busca da reabilitação da política nacional. O Brasil tem 20 partidos representados no Congresso Nacional. A maioria sem nenhuma identidade ideológica, sem nenhuma clareza de propósitos. São grupos organizados em defesa de interesses regionais, classistas e até pessoais. Para esses, a agenda de país, de nação, vai ficando para depois da agenda de seus próprios interesses.
Os partidos precisam se reconstruir. E isso só será feito com bom uso de todos os meios de comunicação. Especialmente das redes sociais, onde os ultradireitistas nadam de braçada desinformando, manipulando… As lideranças políticas sérias precisam reinventar seu jeito de se comunicar e de interagir com o público.
Os marqueteiros políticos, agora que já descansaram das campanhas municipais – e antes de se ocuparem das campanhas para 2026 –, bem poderiam apresentar planos de comunicação aos partidos para este período entre eleições. E tem que começar por dentro.
Quantos partidos se comunicam com os filiados? Quantos têm ideia do perfil de seus filiados? Na iniciativa privada, as empresas dão enorme importância à comunicação interna e à atenção aos seus empregados – tratados como colaboradores e tidos como os melhores embaixadores das marcas. O que são filiados aos partidos políticos senão colaboradores voluntários, potenciais defensores do propósito e da cultura de cada um? Mas eles recebem a atenção que merecem? Ou só foram úteis para garantir o registro da legenda no Tribunal Superior Eleitoral?
Além de se organizar internamente, os partidos precisam criar a cultura do gerenciamento de crises. Veja, essa crise do golpismo atinge a política inteira. Que partido promoveu qualquer evento para mostrar ao eleitorado seu repúdio aos golpistas? Que partido mobilizou seus filiados para a defesa da democracia?
Do outro lado, os simpáticos aos golpes fazem uso intenso das redes e de todos os meios de comunicação para mobilizar a população a seu favor manipulando informações e espalhando falsas notícias.
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Daí a necessidade de que as organizações políticas sérias criem uma estratégia de comunicação que garanta uma verdadeira reconstrução de identidade e reputação, capaz de recuperar a confiança popular no seus propósitos. Ou os políticos sérios aproveitam as oportunidades de comunicação oferecidas a todo mundo neste tempo de absoluta conexão e começam a conversar com a população, ou os antipolítica vão continuar correndo sozinhos nas trilhas das redes sociais, manipulando todo mundo e nos pregando sustos com tentativas golpistas…
Menos mal que eles não têm competência para nada mais que sustos.
Fernando Guedes é jornalista e sócio da SHIS Comunicação, analista político, especializado em marketing político, administração de crise, análise de cenários, construção de imagem e produção de conteúdo. Trabalhou nos principais veículos de comunicação do país e assessorou ministros de Estado. Foi diretor da TV Câmara e da TV Justiça e secretário de Imprensa da Presidência da República