Criação do Sistema Único de Segurança Pública virou prioridade para o Ministério da Justiça, como resposta à atuação de milícias e organizações criminosas nos estados -  (crédito: Platobr)

Criação do Sistema Único de Segurança Pública virou prioridade para o Ministério da Justiça, como resposta à atuação de milícias e organizações criminosas nos estados

crédito: Platobr

A criação do Sistema Único de Segurança Pública virou prioridade para o Ministério da Justiça, como resposta à atuação de milícias e organizações criminosas nos estados. Para fazer a proposta de emenda constitucional (PEC) tramitar no Congresso com alguma possibilidade de sucesso, o governo abriu mão de ideias defendidas ao longo dos anos pelo PT, em especial nos dois primeiros governos de Lula.

 

O secretário nacional de Segurança Pública, Mário Luiz Sarrubbo, diz que o governo precisa correr contra o tempo para aprovar a PEC. Na visão dele, a proximidade com as eleições deve tornar a aprovação ainda mais difícil. "A reação contrária do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), já era esperada e tem a ver com a posição dele de pré-candidato a presidente", opina Sarrubbo.

 

 

 

A perda de autonomia sobre as forças de segurança tem sido o principal discurso de quem se coloca contra a proposta. Nesta terça, 9, termina o prazo para que os governos estaduais enviem ao Ministério da Justiça sugestões para o texto a ser encaminhado ao Congresso.

 

 

Até por causa da proximidade com 2026, ano de eleições presidenciais, Sarrubbo espera um acirramento dos ânimos. "Tem governador que fala contra a proposta e não sabe o que está sendo feito na Secretaria de Segurança Pública de seu estado", alfineta. Sarrubbo sustenta que a maioria dos governos estaduais já está compartilhando os dados e aceita a coordenação federal.

 

O objetivo da PEC é justamente dar mais agilidade ao processo de troca de informações sobre os registros de boletins de ocorrência e de investigações em andamento. Responsável pela área, a Secretaria Nacional de Segurança Pública tem conversado com os secretários, delegado-chefes e comandantes das polícias militares e das polícias técnicas para garantir o sucesso da articulação.

 

 

Ação antimáfia


A Rede Nacional de Combate ao Crime Organizado, com o aprimoramento de um sistema voltado para a recuperação de ativos ligados às facções, é uma das prioridades desse esforço. Um grupo de especialistas está redigindo um projeto antimáfia. "Estamos tratando de uma proposta que vai além do aumento de penas, com novos tipos penais, inclusive. O Brasil está enfrentando máfias e não mais apenas organizações criminosas", distingue o secretário.

 

Um dos responsáveis pela elaboração da proposta é o promotor de Justiça de São Paulo Lincoln Gakiya, referência nas investigações que envolvem a atuação do Primeiro Comando da Capital (PCC). O promotor considera fundamental para aprimorar o combate ao crime a ideia de criar uma coordenação nacional. "Incluir no texto constitucional é uma maneira de fazer o Sistema Único de Segurança Pública ser colocado em prática", diz.

 

A preocupação de Gakiya é com a ampliação das atribuições das polícias vinculadas ao governo federal, como a Polícia Federal (PF) e a Polícia Rodoviária Federal (PRF). "O efetivo das forças estaduais é mais de 50 vezes do que o das federais. Não dá para tirar as polícias civil e militar da atuação contra o crime organizado e concentrar tudo na federal", comenta.

 

O procurador de Justiça de São Paulo Márcio Sérgio Christino, outro especialista em combate ao crime organizado, acredita que a ampliação das competências da PRF, que passaria a ser responsável por todo o policiamento ostensivo federal, pode demorar a dar resultado. "O governo federal precisa de uma força assim, mas é um processo de longo prazo, não é algo de efeito imediato", afirma.

 

 

Para o pesquisador Felipe Ramos Garcia, do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP), a PEC não invade as competências dos estados na segurança pública, mas coordena as ações policiais. Segundo ele, a maior contradição da proposta é acentuar no nível federal o problema dos estados em torno do convívio de duas estruturas de polícia: uma judiciária e outra de policiamento ostensivo.

 

O formato da proposta atual tem uma diferença em relação aos governos anteriores de Lula. No segundo governo Lula, por exemplo, a proposta foi construída ouvindo organizações da sociedade civil. A primeira Conferência Nacional de Segurança Pública foi realizada em agosto de 2009, quando Tarso Genro era ministro da Justiça. Ao PlatôBR, o ex-ministro defendeu a proposta atual, mas disse sentir falta de maior participação social – agora, o texto parte, essencialmente, governo.

 

A proposta anterior previa, entre outras coisas, maior participação da sociedade civil no controle de atividade policial, com a criação dos chamados conselhos de segurança pública. Também previa desmilitarização das PMs e diminuição do encarceramento a partir da adoção de medidas menos duras para o uso de drogas, por exemplo.

 

"A PEC (atual) é necessária, mas representa uma visão muito particular, que não foi discutida com a sociedade", disse Tarso Genro. Para o ex-ministro, o governo precisa estruturar relações conveniadas com os estados que estão enfrentando problemas mais urgentes de segurança para começar a ter resultados na redução da violência. Esses resultados, defende ele, serviriam para motivar a aprovação do texto final.

 

Siga nosso canal no WhatsApp e receba em primeira mão notícias relevantes para o seu dia

 

Genro acredita que o processo de aprovação da PEC e das leis que deverão complementá-la levará um tempo grande para aprovação, e que existe risco de as propostas sofrerem alterações significativas durante a tramitação no Congresso, cuja formação atual parece mais suscetível ao lobby corporativo das forças de segurança e de grupos de direita que defendem modelos ultrapassados para o setor.

 

O governo Lula aguarda as sugestões dos estados para construir uma proposta de consenso antes de enviar a PEC para o Congresso Nacional. As contribuições serão entregues nesta terça-feira ao ministro Ricardo Lewandowski durante o Fórum Nacional de Governadores, em Brasília. Para o Ministério da Justiça, quanto mais alinhada a proposta estiver entre Brasília e os governos estaduais, mais chances a PEC terá de ser aprovada pelo Congresso.