BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Integrantes do Judiciário que promovem uma ofensiva no Congresso para enfraquecer a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) de contenção de gastos defendem a aprovação de uma emenda que assegura que qualquer corte nos supersalários só entrará em vigor após uma regulamentação por lei complementar.
A PEC define que as verbas indenizatórias - onde estão os penduricalhos - devem ficar dentro do teto do funcionalismo público, e que exceções devem ser tratadas em lei complementar. A reportagem teve acesso à minuta de uma emenda que mantém esses pagamentos até a aprovação da regulamentação.
O documento já circula entre deputados e foi articulado por representantes de entidades ligadas à magistratura, ao Ministério Público e à Defensoria Pública - carreiras que têm liderado a pressão contra o corte nos supersalários previsto na PEC.
Para especialistas e parlamentares, a tendência é que prevaleça o entendimento de que os penduricalhos acima do teto continuam válidos até a edição da norma complementar.
Internamente, o próprio Ministério da Gestão e Integração do governo Lula (PT) trabalha com esse cenário. A pasta tenta acelerar a regulamentação, para ela seja feita logo após a aprovação da PEC.
A PEC 45 é uma das medidas do pacote de corte de gastos do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para tentar ajustar as despesas da União e cumprir com o arcabouço fiscal. Um de seus principais pontos é endurecer regras contra os supersalários.
Atualmente, a Constituição Federal veda o pagamento de remuneração no funcionalismo público acima do que recebem os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF): R$ 44 mil, o teto constitucional. Porém benefícios e auxílios do Judiciário são classificados como indenização, e pagos por fora da regra.
O texto atual da Constituição diz que não serão computados para efeitos do teto constitucional o pagamento de "parcelas de caráter indenizatório previstas em lei".
A PEC propõe mudar o trecho para: "Somente poderão ser excetuadas dos limites remuneratórios [...] as parcelas de caráter indenizatório expressamente previstas em lei complementar".
Já a emenda para alterar a proposta acrescenta que "[esse dispositivo] só entrará em vigor quando a lei complementar de caráter nacional esteja aprovada". "A presente emenda propõe conceder maior segurança jurídica", diz a minuta em sua justificativa.
A articulação contra a PEC dos supersalários atua em frentes. Tanto uma tramitação lenta da regulamentação como a inclusão de diferentes exceções na norma para incluir diferentes verbas indenizatórias.
José Jerônimo Nogueira de Lima, advogado da área de Direito Administrativo da Innocenti Advogados, entende que há espaço para argumentar que a PEC tenha efeito imediato. Porém, ele diz que historicamente questões de remuneração dependem de regulamentação.
"O texto [da PEC] tal como proposto tem eficácia limitada, pois atribui à lei complementar a definição acerca das parcelas remuneratórias que serão excetuadas do limite remuneratório", afirma.
A exigência de lei para tratar de verbas indenizatórias também aparece em uma emenda à Constituição aprovada em 2005.
Seguindo esse entendimento, mesmo se a PEC for promulgada com o texto original (sem a emenda), os supersalários podem seguir como estão até que a lei complementar defina as exceções.
O tema, no entanto, gera divergências entre advogados. Há uma ala que entende que alterações na Constituição têm efeito imediato. Ou seja, os penduricalhos acima do teto teriam de ser cortados.
"Teria obviamente uma incompatibilidade dos penduricalhos, que não estão expressamente previstos em complementar e ficariam em desacordo com essa PEC", diz Juliana Sakai, diretora-executiva da Transparência Brasil.
"Há um esforço do Judiciário em torcer legislações, em torcer a própria Constituição, o teto constitucional, a definição do que é a remuneração, no sentido de aumentar os seus ganhos", completa.
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Adenir Carruesco, juíza federal que preside o Coleprecor (Colégio de Presidentes e Corregedores dos Tribunais Regionais do Trabalho), defende um dispositivo transitório para as indenizações. Ela argumenta que o impacto imediato sobre o pagamento pode levar a pedidos de aposentadoria em massa, já que o adicional de permanência no cargo seria limitado.
"Vejo esse ajuste fiscal como absolutamente necessário", diz a juíza federal, para quem uma discussão sobre a extrapolação do teto remuneratório é possível. "A questão é o efeito que isso provoca numa medida imediata. Com o quadro que temos, sem ter qualquer dispositivo de amenizar, há o risco de comprometer a prestação jurisdicional."
A PEC também prevê que os tribunais estaduais fiquem sujeitos à limitação. A regra atual não tem esse efeito cascata. Há, portanto, pulverização de normas, permitindo que estados criem privilégios próprios.