Braga Netto (dir.) durante uma cerimônia militar em Brasília enquanto ainda era ministro da Defesa, em 2022 -  (crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Braga Netto (dir.) durante uma cerimônia militar em Brasília enquanto ainda era ministro da Defesa, em 2022

crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O dinheiro entregue por Braga Netto em uma caixa de vinhos aos integrantes do grupo conhecido como Kids Pretos, do Exército, para executar o plano de matar o ministro Alexandre de Moraes e outras autoridades, foi obtido junto ao setor do agronegócio, segundo revelou o ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, Mauro Cid.

 

Em depoimento à Polícia Federal, Cid mencionou uma reunião no Palácio do Planalto ou na residência oficial do Alvorada, com a participação dele, do general Braga Netto e do tenente-coronel do Exército Rafael Martins. Durante o encontro, o general teria entregado o dinheiro dentro de uma sacola de vinhos, conforme prometido.

 


Segundo Cid, Braga Netto afirmou que os recursos haviam sido obtidos com apoio de empresários do agronegócio. Os valores seriam destinados a financiar o plano para assassinar o ministro do Supremo Tribunal Federal – conforme descrito pelo próprio Moraes na decisão que mandou prender o general.

 

O plano foi revelado após a prisão de Oliveira, conhecido como “Joe”, em 19 de novembro. De acordo com a PF, o esquema para matar Moraes foi descoberto por causa de um problema técnico em aplicativos de mensagens considerados “mais seguros”, como Signal e UNA, usados por Cid e aliados do ex-presidente para tratar de assuntos sigilosos. Quando o aplicativo UNA sofreu um “bug”, o tenente-coronel recorreu ao WhatsApp para informar Cid sobre os passos do plano, expondo as conversas.

 

 

Os envolvidos no complô habilitaram linhas telefônicas em nome de terceiros, criaram um grupo no aplicativo Signal chamado “Copa 2022” e adotaram codinomes baseados em países, como Alemanha, Áustria, Brasil, Argentina, Japão e Gana. A inspiração veio da série espanhola La Casa de Papel, em que os personagens utilizam nomes de cidades para esconder suas identidades.

 

A PF ainda investiga quem seria o líder das conversas que organizavam o plano. Dentro do grupo, o participante identificado como “Alemanha”, que utilizava uma linha telefônica de terceiros, permanece sem identificação.

 

Embora os investigadores não tenham confirmado, a perícia no celular de Braga Netto, confiscado pela PF, pode fornecer informações que ajudem a identificar o “chefe” do esquema para executar o ministro Alexandre de Moraes. O plano acabou sendo abortado de última hora porque a sessão daquele dia, 15 de dezembro, no Supremo, acabou mais cedo.

 

"Tentaram saber o que eu tinha falado"

 

A Polícia Federal reproduziu um trecho do depoimento prestado pelo ex-ajudante de ordens Mauro Cid, no início do mês, no qual ele afirma que o general Braga Netto procurou seus familiares para obter informações sobre a delação premiada firmada com a PF.

 

Segundo Cid, a abordagem ocorreu logo após sua soltura, em setembro do ano passado, período em que decidiu colaborar e revelar tudo o que sabia. Além de Braga Netto, outras pessoas o procuraram para descobrir o conteúdo das informações compartilhadas.

 

“Basicamente isso aconteceu logo depois da minha soltura, quando eu fiz a colaboração naquele período, onde não só ele (Braga Netto) como outros intermediários tentaram saber o que eu tinha falado. Isso fazia um contato com o meu pai, tentavam ver o que eu tinha, se realmente eu tinha colaborado, porque a imprensa estava falando muita coisa, ele não era oficial, e tentando entender o que eu tinha falado. Tanto que o meu pai na resposta, que é aquela de terceiro, disse não, o Cid falou que não era”, disse Mauro Cid, à PF.

 

O ex-ajudante de ordens continuou entregando informações sobre o general quatro estrelas, destacando que os contatos provavelmente ocorreram por telefone, já que seu pai residia no Rio de Janeiro e Braga Netto vivia no Lago Sul, bairro nobre do Distrito Federal, naquele período.

 

“Então talvez intermediários pudessem estar tentando chegar perto de mim, até pessoalmente, para tentar entender o que eu falei, querer questionar, mas como eu não podia falar, eu meio que desconversava e ia para outros caminhos, para não revelar o que foi falado”, disse Cid aos investigadores, em depoimento.

 

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Pai de Cid procurado

 

O relatório ainda cita que Braga Netto procurou o general Mauro César Lourena Cid, pai do ex-ajudante de ordens, para obter detalhes sobre a delação premiada firmada por Cid com a PF.

 

De acordo com o documento, o candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro, nas eleições de 2022, tentou acessar informações contidas no acordo de colaboração. Para sustentar essa conclusão, a PF mencionou que, durante buscas e apreensões realizadas contra investigados, foram encontradas mensagens trocadas entre o general Mário Fernandes e o coronel Jorge Luiz Kormann.

 

Nos diálogos, os pais de Cid tranquilizavam Braga Netto e o general Augusto Heleno, afirmando que a homologação do acordo de delação de Mauro Cid com a PF era “tudo mentira”. As conversas ocorreram três dias após a homologação, em setembro do ano passado.

 

Na avaliação da PF, o contato entre as partes, que chegou ao conhecimento de Mário Fernandes, indica que Braga Netto buscava informações sigilosas sobre o conteúdo da delação, atualmente mantido sob sigilo pela PF e pelo STF.

 

A prisão do general também foi embasada em informações prestadas por Mauro Cid ao ministro Alexandre de Moraes, em novembro, segundo as quais Braga Netto teria entregue dinheiro em espécie aos chamados Kids Pretos do Exército, utilizando caixas de vinho, para financiar um plano golpista. As declarações de Mauro Cid reforçaram a continuidade de seu acordo de delação premiada, à época ameaçado, e sustentaram o pedido de prisão preventiva de Braga Netto.

 

Braga Netto, que concorreu como vice na chapa de Jair Bolsonaro (PL) à reeleição em 2022, foi preso em casa, no Rio de Janeiro, pela Polícia Federal. Em Brasília, a corporação cumpriu outro mandado, contra o ex-assessor do general, coronel Flávio Botelho Peregrino.