Unir o útil ao agradável. Os prefeitos que se reelegeram no último pleito, em 332 municípios mineiros, gastaram R$ 204,3 milhões em shows pagos com recursos públicos em 2024, ano em que foi disputada a eleição municipal. Os dados são do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG) e foram analisados pelo Núcleo de Dados do Estado de Minas. Os números ainda apontam para um aumento do empenho de verbas públicas para apresentações artísticas em 271 dessas cidades onde houve reeleição, justamente no ano das eleições.
Bonfinópolis de Minas, no Norte do estado, figura no ranking como a cidade que teve maior aumento percentual em gastos com a contratação de artistas neste ano. De janeiro a novembro, foram empenhados cerca de R$ 1 milhão do orçamento público com shows, enquanto, em 2023, o gasto foi de R$ 15 mil. Dessa forma, o valor cresceu 6.706% em um ano. A administração gastou R$ 255 mil em um show do cantor Amado Batista. O artista Neto LX recebeu R$ 150 mil para se apresentar na cidade do interior de Minas, assim como as duplas Max e Luan; e Gustavo Moura e Rafael.
O atual prefeito, Manoel do Lima (Solidariedade), se reelegeu com 65% dos votos na última disputa eleitoral, contra os 34% do candidato Nem Contador (Republicanos). Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a cidade tem uma população de 5.528 habitantes.
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Barbacena, na Região Central do estado, foi a cidade que mais gastou com shows em todo o estado. O município ultrapassou R$ 6 milhões em empenhados com o dinheiro público para contratação de shows somente neste ano: R$ 6.014.500,00. No ano anterior, R$ 2,6 milhões saíram dos cofres públicos do mesmo município para o bolso dos artistas. A escalada do valor representa 124% de aumento, ou seja, o número mais que dobrou.
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O show mais caro de Barbacena neste ano foi realizado pela dupla sertaneja Jorge e Mateus: custo de R$ 765 mil. A cantora Simone Mendes, ex-integrante da dupla Simone e Simaria, embolsou R$ 565 mil por um show. O mesmo valor foi pago à dupla Bruno e Marrone. O restante do montante foi dividido entre outros 19 artistas, incluindo o cantor Eduardo Costa, que foi o que mais recebeu verbas públicas para fazer shows em Minas Gerais desde 2020. Em Barbacena, o sertanejo faturou R$ 335 mil dos cofres municipais.
O atual prefeito, Carlos Du (PSD), foi reeleito neste ano com 91% dos votos válidos. O concorrente que ficou em segundo lugar na disputa conquistou somente 5,5% dos votos. Segundo o último Censo do IBGE, Barbacena tem 125.317 habitantes.
Especialista analisa
O advogado especialista em direito público Frederico Meyer afirma que contratar shows em período eleitoral por si só não configura ilicitude. “Essa situação pode corresponder a uma medida eleitoreira, uma autopromoção do gestor ou daquelas que tem a máquina na mão da situação, mas o aumento por si só não é ilícito. A questão é qual é a justificativa para tanto. É possível que a prefeitura queira, por exemplo, elevar o nível do carnaval da cidade utilizando a arrecadação”, diz.
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Ainda assim, o advogado diz que os números chamam atenção e podem dar início a uma investigação sobre a natureza dos gastos. Essa apuração cabe ao TCE-MG e pode, inclusive, chegar ao Ministério Público. “Nessas circunstâncias, analisando questões essenciais como os gastos obrigatórios com saúde, educação e despesas correntes, caso isso não esteja sendo bem equacionado no município, com atrasos, é um problema de gestão mais grave e nos leva a crer que é ilícito e imoral os gastos elevados com shows e eventos”, afirma.
OAB de olho
Apesar de não haver uma relação direta entre a reeleição dos candidatos e o gasto com shows, essa é uma prática comum e com sanções administrativas previstas na lei eleitoral. A advogada especialista em direito público e presidente da comissão de direito eleitoral da OAB-MG, Isabella Damasceno, também afirma que o ato não é ilícito por si só. No entanto, ressalta que é necessário avaliar fatores culturais e populacionais.
“Existem condutas vedadas ao agente público. A lei observa esse aumento de gastos com shows três meses antes da eleição. Se o candidato estiver contratando cantores em valores exorbitantes para o ano de eleição, a prática pode causar uma desestabilização no pleito e gerar uma ação para caçar quem ganhou, se caso a pessoa estiver na prefeitura municipal ou se utilizou desse subterfúgio para captar votos”, afirmou.
“Não existe limite de gastos. Tudo vai depender da questão orçamentária do município. Há uma média que é praticada dentro dos municípios, analisando a questão da população e das tradições também culturais”, explica. O levantamento de gastos com shows utilizando dinheiro público é inédito no estado e faz parte da primeira etapa de uma apuração realizada pelo TCE-MG para verificar a utilização desses recursos. Os números foram cruzados pela reportagem com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Cidade líder se posiciona
Em nota, a Prefeitura de Barbacena, cidade que mais gastou com shows em 2024, entre aquelas com prefeitos reeleitos, informou que "a realização de eventos tem gerado impactos altamente positivos, impulsionando o turismo e a economia local". Segundo a administração pública, "com a atração de um grande número de visitantes, o setor hoteleiro, restaurantes, comércio e transporte registram expressivo aumento de movimentação, fortalecendo também a valorização cultural da cidade. Essa dinâmica tem contribuído para projetar Barbacena no cenário regional e nacional". O Executivo ainda esclareceu que parte dos shows foi financiada por meio de emendas parlamentares federais e estaduais.