O avanço das investigações e o futuro do bolsonarismo no Brasil
O avanço das apurações contra Bolsonaro e aliados expõe tramas golpistas e fragiliza a narrativa de perseguição. A direita busca estratégias para 2026, enquanto aposta em Trump para ressurgir no cenário político brasileiro
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Siga noCom o desenrolar dos inquéritos conduzidos pela Polícia Federal e o avanço de processos no Judiciário, a Justiça brasileira vai, gradualmente, fechando o cerco aos movimentos antidemocráticos no país.
As investigações revelam a gravidade do envolvimento de bolsonaristas em tramas golpistas e os principais expoentes preparam a estratégia de sobrevivência para as eleições de 2026.
O cenário, que promete um acúmulo de condenações e desgaste sobre a figura do ex-presidente Jair Bolsonaro, exigirá dos seguidores uma revisão da relação com o ex-chefe do Planalto.
A ala insiste na narrativa de que o ex-presidente e principais lideranças — entre parlamentares e militares — são perseguidos por exercer a liberdade de expressão.
Com a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos, os expoentes da direita acreditam que o fato pode exercer pressão (direta ou indiretamente) no Brasil para colocar em evidência Jair Bolsonaro, inelegível até o fim de 2030.
O ex-presidente, inclusive, pediu ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a devolução de seu passaporte para que ele possa participar da cerimônia de posse de Trump, em 20 de janeiro. No sábado, Moraes determinou que a defesa do ex-presidente apresente à Corte o convite oficial para a solenidade do presidente americano antes de decidir sobre a devolução do documento.
O avanço das investigações, inclusive, com delações feitas por ex-aliados de Bolsonaro, deve colocar esse discurso e a crença da direita em evidência. Para o cientista político Paulo Ramirez, professor da ESPM, a robustez das provas apresentadas pela Polícia Federal enfraquece o argumento de perseguição política.
"Além disso, há vários aliados de Bolsonaro presos, que deverão fazer delações premiadas, e a consequência disso é que haja uma escalada dessas denúncias, alcançando mais do que o umbigo, alcançando o pescoço do Bolsonaro. Vale dizer também que, nesse cenário, há uma constante do próprio ex-presidente de abandonar os seus aliados, como nós vimos durante a gestão dele", destaca Ramirez.
Em dezembro, os agentes da PF recuperaram arquivos deletados no computador do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, com detalhes sobre o "Punhal Verde e Amarelo", com falas sobre uma trama golpista, além do planejamento de assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro do STF Alexandre de Moraes.
A tentativa de se aproximar da presidência de Donald Trump também pode falhar, segundo o especialista. "Por outro lado, há uma pressão do Partido Republicano para que o governo de Trump, neste governo, seja mais institucional, de modo que respeite mais a divisão de poderes, o papel das leis, apesar das propostas que deverão entrar em vigor de expulsão de imigrantes e até mesmo aumento das taxas alfandegárias para produtos internacionais, um protecionismo maior à economia americana", explica o professor da ESPM.
Na avaliação do advogado e cientista político Nauê Bernardo de Azevedo, a direita segue com força no país, principalmente após os resultados da eleição municipal de 2024 — em que o conservadorismo e o centro dominaram prefeituras no Brasil.
"É um retrato de um país que ostenta lógicas diferentes de definição de voto nas eleições locais e nas eleições nacionais. Pode afastar o menos radical, mas pode fortalecer o posicionamento daqueles mais radicalizados. Certamente afeta, especialmente caso o presidente eleito dos EUA resolva apoiar com mais energia um candidato da extrema-direita no Brasil", afirma.
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Na mira da Justiça
O ex-presidente Jair Bolsonaro enfrentará, em 2025, novas batalhas jurídicas sobre a suposta participação no caso de venda das joias sauditas, na fraude ao cartão de vacina e, sobretudo, na trama para decretar um golpe de Estado no Brasil e anular o resultado das eleições de 2022.
No caso da trama golpista, a Justiça se prepara para analisar o inquérito da Polícia Federal que indiciou, além de Bolsonaro, mais 36 pessoas. A denúncia está nas mãos da Procuradoria-Geral da República (PGR). Devido ao recesso de fim de ano no STF, que começou em 19 de dezembro e termina em 1° de fevereiro, a expectativa é a de que o julgamento da eventual denúncia ocorra somente no próximo mês.
Na avaliação do advogado Belisário dos Santos Júnior, um eventual julgamento de Bolsonaro provocará grande repercussão internacional com impacto, inclusive, nos EUA.
"Não só pela proximidade que Bolsonaro diz ter com Trump e com a direita mundial, mas também pelo lado oposto, por ser essa a primeira vez que um presidente da República no Brasil será levado às barras da justiça e próximo a uma condenação por tentar destruir a democracia, por tentar destruir o Estado de Direito, por tentar impor um regime autoritário declaradamente antidemocrático no Brasil", aponta.
Neste ano, a PF também pediu ao ministro Alexandre de Moraes compartilhamento de informações da investigação da chamada Abin Paralela, um esquema de espionagem ilegal montado na Agência Brasileira de Inteligência. Para a corporação, há conexão entre as ações do esquema e a tentativa de golpe de Estado no país.
A polícia aponta que a Abin paralela era usada em favor de Jair Bolsonaro e familiares. O objetivo seria encontrar situações que desabonasse críticos do governo e criar informações falsas para atacar personalidades que pudessem prejudicar eventual reeleição do ex-chefe do Planalto.
O analista político Melillo Dinis acredita que o futuro do bolsonarismo depende de grandes esforços, como: manter a tropa unida em torno de Jair Bolsonaro, enfrentar a guerra judicial, aumentar o capital político e garantir espaço e visibilidade ao lado da direita.
"A grande prioridade congressual será a eleição de uma bancada no Senado capaz de mudar o rumo daquela Casa, que tem servido de contenção às propostas da Câmara. No campo dos nomes, temos o fortalecimento da família Bolsonaro. Se tudo der errado para o patriarca, os filhos serão alçados à condição de candidaturas majoritárias. Por exemplo, Senado e Presidência da República", avalia.
Fábio Andrade, cientista político e professor da ESPM, destaca a dimensão internacional do bolsonarismo em conexão com a extrema direita. "Embora seja um fenômeno muito popular, não é algo tipicamente brasileiro. Está inserido nos movimentos internacionais de expansão da extrema direita, que tem os congressos internacionais e tem toda uma rede de comunicação internacional que está muito à frente no que diz respeito à utilização das novas mídias sociais como meio de propagação, como meio de disseminação e utilização para a comunicação política. Está muito à frente do que qualquer outro adversário", ressalta.
"Então, o bolsonarismo está nesse lugar: da extrema direita internacional, altamente conectada, que utiliza de forma muito mais avançada os instrumentos de comunicação mais atuais. E não é só isso. Eles se alimentam, basicamente, do sentimento em que a economia ficou cada vez mais voltada para a eficiência e a grande diretriz para a tomada de decisão é a economia e, sobretudo, a redução de custos, camadas econômicas são deixadas para trás. Essas camadas econômicas encontram no discurso antissistêmico da extrema direita um viés de comunicação muito forte", completa Andrade.