Vereador de BH propõe internação involuntária para dependentes químicos
Legislativo passa por troca de atribuições na gestão das discussões sobre segurança pública. Especialistas alertam para inconstitucionalidade do texto
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Siga noTrês dias depois da aprovação do projeto de resolução que retira as discussões sobre segurança pública da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Belo Horizonte, o vereador Bráulio Lara (Novo) protocolou, nesta sexta-feira (21/3), um projeto de lei que prevê a internação involuntária de pessoas usuárias de drogas. O texto, que também dispõe sobre a internação voluntária, afirma que a decisão deverá ser fundamentada em laudo médico “que comprove a existência de risco à integridade física do dependente, de terceiros ou da coletividade”.
O texto determina ainda, que, se aprovado, as internações serão realizadas em unidades de saúde ou hospitais gerais, com equipes multidisciplinares. Os recursos previstos serão provenientes do Fundo Municipal sobre Drogas. Segundo o PL, nos casos de internação involuntária, o paciente será liberado “quando cessarem os motivos que justificaram a internação ou quando determinado pela equipe médica responsável pelo tratamento”.
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“Estamos oferecendo uma solução para o problema da dependência química, muito frequente entre a população em situação de rua, visando a recuperação e reinserção social dessas pessoas. Durante a CPI Pop Rua percebemos que grande parte dos moradores de rua apresenta esse vício, e precisamos dar encaminhamentos efetivos, pois sabemos que o cidadão que é dependente químico muitas vezes não possui mais condição de discernimento, sendo necessária a intervenção do Poder Público”, afirma Braulio Lara.
O presidente da Comissão de Segurança Pública da Ordem dos Advogados do Brasil seção Minas Gerais (OAB-MG), Berlinque Cantelmo, chama atenção para riscos de inconstitucionalidade no PL de Lara. “A internação involuntária, por envolver restrição à liberdade individual, deve observar salvaguardas constitucionais e internacionais, como o direito à ampla defesa, ao contraditório e à revisão periódica da medida. A ausência de previsão no projeto quanto ao prazo máximo da internação, mecanismos de supervisão judicial ou comunicação obrigatória ao Ministério Público pode gerar tensão e conflito com normas de proteção aos direitos humanos”, disse.
A advogada especialista em Direito Público Isabela Damasceno reitera que existem leis federais que regulamentam a internação involuntária que devem ser seguidas na aplicação do PL. "Há uma série de critérios existentes, inclusive, só pode ser realizada com determinação de laudo médico e o máximo que pode ocorrer de internação involuntária é 90 dias. Caso esse projeto de lei não ultrapasse a legislação federal, pode sim ser considerado constitucional”, explicou.
A Constituição Federal prevê a indicação para internação involuntária depois da avaliação sobre o tipo de droga utilizada, o padrão de uso e na hipótese comprovada da impossibilidade de utilização de outras alternativas terapêuticas previstas na rede de atenção à saúde e estipula apenas pelo tempo necessário à desintoxicação, no prazo máximo de 90 dias.
Procurada pela reportagem, a presidente da Comissão de Direitos Humanos da CMBH, Juhlia Santos (Psol), afirmou que recebeu o PL com apreensão. "Esse projeto desconsidera completamente a estrutura das políticas públicas dos serviços de saúde mental e ignora as discussões amplamente respaldadas por profissionais da área, pesquisadores e movimentos sociais que há décadas lutam por um modelo de cuidado humanizado. Além de ser raso e populista, o projeto tenta oferecer uma solução simplista para uma questão complexa e multidisciplinar", disse.
Esse não é o primeiro projeto desta legislatura envolvendo questões relativas às pessoas em situação de rua. O vereador de Belo Horizonte Vile (PL) apresentou um projeto de lei na CMBH que propõe criar um programa que leve moradores de rua de fora da capital para suas cidades natais, o de “De Volta Para Minha Terra”. A medida teria como objetivo “fortalecer vínculos familiares e comunitários” dessa população. A lei, se aprovada em plenário, seria custeada por dotação orçamentária própria.