Defesa de Bolsonaro mantém relação dúbia com delação de Cid ao contestar trama golpista
Defesa argumenta que a delação de Mauro Cid deveria ter sido rescindida e alega que não é "possível acreditar em nenhuma palavra" do ex-ajudante de ordens
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Siga no(FOLHAPRESS) - Ao mesmo tempo em que questiona a confiabilidade da delação de Mauro Cid, a defesa de Jair Bolsonaro (PL) utiliza relatos do ex-ajudante de ordens para defender o ex-presidente contra a denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República) pela trama golpista de 2022.
Em trecho da peça enviada ao STF (Supremo Tribunal Federal) em que argumenta que a delação deveria ter sido rescindida, a defesa chega a dizer que "não é possível acreditar em nenhuma palavra do colaborador".
Mais à frente, porém, ao abordar o mérito das acusações, cita depoimentos de Cid -sem colocá-los em dúvida- para fortalecer sua argumentação no sentido de que Bolsonaro não teria relação com parte dos eventos apontados na denúncia.
A denúncia contra o ex-presidente será analisada nesta terça (25) e quarta-feira (26) pela Primeira Turma do STF, que decidirá se o torna réu.
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Procurado pela reportagem, o advogado Celso Vilardi, que representa Bolsonaro no caso, afirmou que não acredita haver nenhuma contradição por parte da defesa.
"Ele já alterou as acusações dele inúmeras vezes, o que torna a versão dele inconfiável. Isso não quer dizer que não chame atenção, mesmo para quem está recebendo um prêmio [pela colaboração] para fazer acusações, o fato de ele ter não envolvido o presidente no ato do dia 8 de janeiro", disse.
Algumas das afirmações mais contundentes contra o acordo de Cid estão no trecho do documento em que a defesa faz uma cronologia e elenca diversos pontos que vê como problemáticos ligados à delação, solicitando ao final que ela seja anulada.
Inicialmente a defesa afirma que, com acesso aos autos da delação, pode finalmente analisar os termos do acordo e que "certificou-se, então, tratar-se de colaboração premiada viciada pela absoluta falta de voluntariedade e de uma colaboração marcada pelas mentiras, omissões e contradições".
Pouco depois, ao argumentar que Cid descumpriu o acordo por ter falado da delação com terceiros, classifica o relato dado pelo delator como "estória" que "beira o ridículo".
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"É possível confiar num delator que inventa, nas suas palavras, a um parente próximo ou a um amigo íntimo que mentiu na delação?", questiona a defesa. "Não bastasse ter mentido, Mauro Cid também faltou com o dever de sigilo previsto na alínea 'e', da mesma cláusula do acordo de colaboração", acrescenta, sustentando que o acordo deveria ser rescindido.
"Ainda que não ocorra a rescisão, o que se admite para argumentar, não é possível acreditar em nenhuma palavra do colaborador", afirma, na conclusão deste trecho.
Apesar de não estar explicada essa especificação no documento enviado ao STF, Vilardi afirmou à reportagem que essa análise sobre a falta de confiabilidade é específica quanto à versão dada por Cid para o vazamento ligado à sua delação.
Mais à frente, porém, na parte em que deixa de tratar de questões processuais e aborda o mérito das acusações, ou seja, os elementos pelos quais Bolsonaro é efetivamente acusado, a defesa cita falas de Cid como elemento para sua argumentação.
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Os advogados questionam a PGR por não ter levado em consideração afirmações de Cid. Diz que "a denúncia curiosamente ignora quando o delator diz que ninguém sabia dos atos do dia 8 de janeiro".
Acrescenta na sequência que esse registro permaneceu, porém, e que ele "demonstra que os atos de 8 de janeiro, ao contrário do que pretende a denúncia, não foram orquestrados pelo peticionário [Bolsonaro] e tampouco contaram com sua participação, comando ou anuência."
Em outro trecho afirma que "como resta evidente da delação de Mauro Cid, em janeiro de 2023 o peticionário [Bolsonaro] já estava nos Estados Unidos e não tinha mais contato algum com seus antigos assessores, ministros ou comandantes".
A defesa também diz que, em relação ao plano "Punhal verde e amarelo", "a versão escolhida pela denúncia é contrária àquela fornecida no depoimento" de Cid.
Diz que o delator "já havia explicado e esclarecido os textos e, também, a negativa já dada pelo então presidente às supostas cogitações do general" Mario Fernandes, acusado de elaborar o plano de assassinato de autoridades. Adiciona também que Mauro Cid respondeu ao ministro Alexandre de Moraes em audiência "que nunca mostrou o arquivo" desse plano ao ex-presidente.
"A narrativa de Mauro Cid é muito mais linear e lógica do que aquela criada pela denúncia: o presidente já havia rejeitado as propostas, fossem quais fossem", argumenta em seguida.
Como mostrou a Folha de S. Paulo, a PGR omitiu na denúncia falas de Cid que contrastam com as acusações feitas pelo procurador-geral. Por outro lado, reportagem da Folha mostrou também que as defesas deixaram várias questões sem resposta.
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No caso de Bolsonaro, a defesa adotou um tom dúbio também em relação ao ponto mais robusto que pesa contra ele, na denúncia, que envolve a chamada "minuta do golpe".
Versões do documento foram encontradas na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, na sala em que Bolsonaro usa no PL e em dispositivo eletrônico de Cid.
Além dos documentos, mensagens apreendidas, a delação de Cid e os depoimentos dos então comandantes do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, e da Aeronáutica, Carlos Baptista Junior, sustentam que essa minuta foi apresentada aos chefes das Forças Armadas, em busca de adesão.
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"O que resta da denúncia, retiradas suas mais gritantes contradições, seria a minuta de decreto que, levada por outros, não foi assinada pelo peticionário [Bolsonaro]. Fosse possível confiar nas palavras do delator [Mauro Cid], a suposta minuta do decreto, jamais assinada, também não é ato capaz de ultrapassar o limite da preparação, jamais invadindo a esfera da execução dos chamados crimes contra as instituições democráticas", diz a peça.
Os advogados dizem ainda que "não se pode sequer cogitar, como pretende a acusação, que mudanças em uma minuta, sempre com base no duvidoso delator, com o objetivo de eliminar qualquer resquício de ilegalidade ou violência, seria capaz de caracterizar os crimes em questão".
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A defesa do ex-presidente afirmou ainda que não adentraria em outros pontos relacionados ao mérito da acusação neste momento do processo sob argumento de que ainda não se teve acesso à integra das provas.