2025: o ano em que a política e a economia precisam se conectar com a vida real
Isenção de IR e jornada 6x1 são propostas que prometem causar no ano que vem, com potencial de repercussão nas urnas
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Siga noQue as eleições de 2026 vão pautar os movimentos da política e da economia em Brasília, em 2025, seja nos bastidores ou com declarações públicas, é fato. O enrosco está na agenda a ser seguida pelos partidos. Governo e oposição já estão, nesta virada de ano, mapeando caminhos e oportunidades e, para os dois lados, uma coisa está bem clara: é preciso se comunicar com as necessidades da população. Mas, ironicamente, é justamente aí que a coisa embola e arrisca se perder no embate da política x economia, abrindo espaço para debates paralelos que prometem causar.
Pelo menos duas agendas lançadas em 2024 já estão contratadas para 2025 e exemplificam bem a questão. Uma é pauta pensada politicamente para mexer com a vida das pessoas: a proposta do governo de isentar quem ganha até R$ 5 mil por mês do pagamento de Imposto de Renda. A outra, uma insatisfação da vida real que acabou pautando a política: o fim da jornada de trabalho 6×1, onde parte da população trabalha 6 dias na semana para folgar um.
A primeira proposta surgiu da política com o objetivo claro de obter resultados na política. Foi promessa de campanha do presidente Lula. O problema é que para valer, precisa enfrentar o lado econômico. O governo não tem dinheiro para fazer tamanha bondade e tem que financiar a isenção aumentando a tributação de quem ganha mais de R$ 50 mil por mês. Para isso, é preciso aval de deputados e senadores, que serão atingidos diretamente pela maior cobrança de imposto e terão que aprovar a medida no Congresso.
Nesse caso, o cálculo econômico fecha, já o político nem tanto. Nem mesmo a população beneficiada conhecia a medida 15 dias depois de anunciada, o que gerou dúvidas se isso será mesmo convertido em ganho nas urnas, apesar de render bons discursos em palanques eleitorais, como o de tributar os mais ricos para ajudar os mais pobres.
Segundo pesquisa de opinião divulgada pela Quaest no início de dezembro, 15 dias após o governo anunciar a medida, 56% dos entrevistados nem sabiam da proposta de isenção do IR até serem abordados pelos entrevistadores. A medida ficou para ser discutida no Congresso em 2025 e, quem sabe, entrar em vigor em 2026, o ano de escolha do sucessor do presidente Lula, dos atuais governadores, da renovação do Congresso Nacional e das assembleias legislativas.
“Escravidão moderna”
A segunda proposta saiu da vida real e alçou ao meio político um personagem que ganhou projeção nacional a partir de uma reclamação no balcão da farmácia onde trabalhava seis dias na semana, para folgar um. Vereador eleito pelo Rio de Janeiro, Rick Azevedo, num curto espaço de tempo, conseguiu um feito e tanto: saiu do anonimato para se eleger vereador com 29.364 votos, alcançou mais de 350 mil seguidores em apenas uma rede social, criou o movimento Vida Além do Trabalho (VAT) que luta pelo fim da escala 6×1 e causou Brasil afora, tudo isso, em menos de um ano. E tem mais: a proposta defendida por ele conseguiu reunir mais de 3 milhões de assinaturas numa petição pública para apoiar a PEC (Proposta de emenda à constituição) que discutirá o tema no Congresso Nacional.
O barulho que Rick promete alimentar do Rio de Janeiro será reverberado em Brasília pela deputada federal Erika Hilton, do mesmo partido dele, o PSOL. E, para isso, usam argumentos como o de que “a jornada de trabalho no Brasil frequentemente ultrapassa os limites razoáveis”, que a “escala de trabalho afeta negativamente a qualidade de vida dos empregados, comprometendo sua saúde, bem-estar e relações familiares” e, na prática, é uma espécie de “escravidão moderna”.
Maioria conhece e apoia
O alcance dessa proposta pode ser traduzida em outros números de uma pesquisa de opinião divulgada pelo Data Folha nesta semana e que mostra que 64% dos brasileiros apoiam o fim da escala de trabalho 6×1, enquanto 33% são contra e 3% não sabem responder. De acordo com o levantamento feito, também, no início de dezembro, 70% dos entrevistados disseram que a jornada ideal seria de cinco dias por semana e somente 7% falaram em quatro dias.
Apesar de ser uma demanda da população, ela, também, enfrentará os cálculos econômico e político que ninguém sabe ao certo mensurar ainda. O ministro Fernando Haddad (Fazenda) ao ser questionado inicialmente sobre o tema chegou a dizer que não estava acompanhando o debate por falta “de tempo”. O secretário Guilherme Mello (Política Econômica), subordinado a Haddad, não entrou no mérito da questão à época, mas disse que o Brasil está entrando tarde nessa discussão, que já está avançada em vários países.
Já a presidente Gleisi Hoffmann (PT) defendeu taxativamente a proposta em redes sociais. Para ela, “manter esse modelo que beira à escravidão é insustentável a longo prazo”. O ministro Luiz Marinho (Trabalho), inicialmente preferiu remeter a discussão à livre negociação entre patrões e trabalhadores, que foi flexibilizada na reforma trabalhista, abrindo espaço para novos modelos de jornada. Depois das críticas de colegas do próprio partido, voltou atrás, defendeu a mudança e classificou a jornada 6×1 como “cruel”.
Internamente, parte da equipe econômica avalia que o fim da jornada 6×1 pode atrapalhar o ambiente de negócios, com aumento custo para as empresas, perda de faturamento e de produtividade. O presidente Roberto Campos Neto (Banco Central), que se despede do comando do BC essa semana, verbalizou esse temor. Disse que a mudança será prejudicial ao trabalhador, podendo “aumentar o custo do trabalho, a informalidade e reduzir a produtividade”. O ministro Márcio França (Empreendedorismo) disse que é “um equívoco” achar que a proposta é contra o empresário e sugeriu que o governo subsidiasse a mudança para as pequenas empresas. E o Congresso? Bom, o placar reflete opinião de parlamentares patrões, empresários que não aprovam a mudança, e outros que defendem ganhos para os trabalhadores.
Esse é um tema com potencial para afetar o resultado nas urnas em 2026, dependendo de como será conduzido e comunicado. Uma coisa é certa, se depender do tocantinense Rick Azevedo, que tomará posse no início de 2025 na assembleia legislativa do Rio de Janeiro, o tema seguirá lacrando no ano que vem. Com experiência de sobra com a jornada 6×1 (foi auxiliar de serviços gerais, vendedor, frentista e balconista de farmácia), ele promete usar sua história para simbolizar o que vivem diariamente muitos brasileiros. E a avaliar pelo resultado das pesquisas, essa é uma pauta que pega bem na direita ou na esquerda. Levantamento realizado pelo Projeto Brief mostra que entre os entrevistados que se declaram como de “direita”, 71,5% concordam com o fim da escala, enquanto para os esquerdistas esse número passa dos 80%. E 89% disseram conhecer a medida.