As trocas de acusações envolvendo práticas irregulares ou ilegais dos adversários são hoje, no mundo inteiro, a formas dominantes de atuação política. Isso acontece porque nunca foram tão íntimas as relações entre o poder e o dinheiro. Alguém dirá que a corrupção é inerente à natureza humana. Pode ser. As relações incestuosas entre o dinheiro e a política não são novas. Poucos foram os momentos em que os homens que exerciam o poder político estiveram a salvo das tentações da pecúnia mal havida. Mas a história recente mostra que as crenças, os valores, as práticas sociais conseguiram, alguma vez, acuar a corrupção nos becos sombrios da vida social.

Tenho a impressão de que nos anos de grandeza cívica, logo depois da II Guerra Mundial, Adenauer, De Gasperi, Charles De Gaulle, entre outros menos votados, estavam de tal forma empenhados em reconstruir o mundo que não lhes restava outra coisa senão a devoção ao bem público e à limpeza moral. Ou seja, havia uma ética social que os indivíduos executavam em seu comportamento cotidiano.

Os que estudam o fenômeno da generalização das praticas ilícitas e ilegais não têm qualquer dúvida em afirmar que, de alguns anos a esta parte, a “ética do dinheiro” invadiu todas as esferas da vida social. Não é surpreendente que os escândalos se multipliquem. Os liberais, como sempre, querem resolver isto fazendo com que o Estado deixe de se intrometer nos assuntos econômicos.

Na esteira dessa recomendação, os mercados passaram a se intrometer cada vez mais na política. As drogas e seus sistemas de produção e comercialização, a espionagem industrial e tecnológica, o favorecimento na concorrência entre as empresas, as privatizações, a compra e venda de informações e a “desinformação” da opinião pública pela grande mídia formam uma rede formidável e em rápido crescimento que impulsiona a circulação de dinheiro “sem origem”.

Esse dinheiro transita e é “esquentado” e “esfriado” nos mercados financeiros e cambiais com a cumplicidade dos governos e proveito dos grandes protagonistas dos mercados desregulamentados e liberalizados. Negócios legais são muitas vezes instrumentos para “branquear” dinheiro de origem ilícita, assim como o pagamento de impostos é frequentemente contornado com a simulação de prejuízos ou de dívidas.

Os nativos não precisam se preocupar. Serão entronizados numa galeria internacional de gente famosa, acusada de práticas heterodoxas. Encontram-se neste Panteon personagens de proa da nossa e de outras repúblicas.

Max Weber, o sociólogo preferido do presidente Fernando Henrique Cardoso, notava que o sistema social e político do capitalismo seria submetido a tensões insuportáveis na ausência de uma burocracia pública cujos valores maiores fossem a honra, a dignidade, o status, o sentido de dever para com a comunidade.

Em todo o mundo, especialmente no Brasil, esses cuidados foram sendo substituídos pela enlouquecida busca da “eficiência” no trato da coisa pública, o que significou abrir as portas para que os negócios do dinheiro tomassem conta dos negócios do Estado.

Georg Simmel, em seu livro “A Filosofia do Dinheiro”, mostra que o sujeito moderno, atado a um amor “doentio” ao dinheiro, não consegue agir de outra forma, oscilando entre a euforia e a depressão, no mesmo ritmo em que aumentam ou se atenuam os temores em relação ao futuro de sua riqueza. As qualidades dos bens, o gozo de suas utilidades tornam-se absolutamente indiferentes para ele. As suas preferências, os seus sentimentos, os seus desejos são totalmente absorvidos pelo impulso de acumular riqueza monetária.

Daí o enfraquecimento sem precedentes da esfera pública, a desmoralização dos poderes do Estado. A crescente onda de moralismo revela, aliás, mais impotência do que indignação verdadeira. A ética do privatismo e da cobiça venceram de ponta a ponta. Os perdedores desse jogo entregam-se a lamentações e ondas de protesto que se esgotam rapidamente entre o escândalo do momento e o próximo que fatalmente virá. Sem tempo para raciocinar, entregam-se ao consumo de fatos sensacionais e escabrosos. O filósofo francês Jean Baudrillard qualificou essa ciranda de auto-tapeação de “conspiração dos imbecis”.

Luiz Gonzaga Belluzzo é professor titular do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É autor de vários livros, entre eles “Valor e Capitalismo” e “Os Antecedentes da Tormenta”, e ocupou cargos públicos como o de secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e o de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo

compartilhe