Às vésperas da posse do ditador Nicolás Maduro para um terceiro mandato garantido por eleições com fartas suspeitas de fraude, e em meio à tensão reinante em Caracas, um jatinho ligado ao regime venezuelano fez uma misteriosa incursão pelo Brasil.
O Learjet de matrícula YV-3164, que integra a frota de aeronaves executivas a serviço do governo de Maduro, pousou em Manaus às 10h47 de 2 de janeiro e depois seguiu para Goiânia, capital de Goiás, onde ficou até o dia seguinte.
Não há informações conhecidas sobre atividades oficiais de representantes do governo Maduro no Brasil nesse período.
O trajeto do jatinho ficou registrado em aplicativos que fazem monitoramento de voos. A aeronave partiu de Valencia, capital do estado venezuelano de Carabobo, e passou pouco menos de três horas em solo no Aeroporto Internacional Eduardo Gomes, na capital do Amazonas, antes de voar rumo a Goiânia, a cerca de 200 quilômetros de Brasília.
O pouso na cidade se deu às 16h59. O jatinho permaneceu no aeroporto Santa Genoveva, na capital goiana, até o dia seguinte, 3 de janeiro. Às 10h14, decolou novamente rumo a Manaus, onde ao que tudo indica fez apenas uma escala técnica. Em seguida, voou direto para Caracas.
O Learjet 55 é uma das várias aeronaves que, de acordo com serviços de inteligência estrangeiros, servem ao regime venezuelano apesar de ostentarem matrículas de aeronaves civis. Algumas delas costumam integrar, inclusive, a frota usada pela comitiva de Nicolás Maduro em suas viagens internacionais – quando ele esteve no Brasil no ano passado, por exemplo, um luxuoso Dassault Falcon de propriedade supostamente privada – mas que também é listado entre as aeronaves extraoficiais do regime – acompanhou o trajeto do Airbus A-319 da estatal Conviasa que trouxe Maduro de Caracas a Brasília. Por vezes, esses aviões voam com o transponder desligado para dificultar seu rastreamento.
A viagem do Learjet YV-3164 ao Brasil, a uma semana da posse do ditador venezuelano, não foi a única pelos países da região nestes dias de tensão.
No dia 8, antevéspera da cerimônia, o mesmo jatinho pousou em Bogotá, capital da Colômbia, e suscitou questionamentos de parlamentares que fazem oposição ao presidente Gustavo Petro, de esquerda.
Um desses parlamentares, o deputado Hernán Cadavid, cobrou explicações do governo. Quis saber, por exemplo, o motivo da presença da aeronave em território colombiano, o responsável por autorizar o pouso e quem eram os ocupantes do avião. Após a repercussão na opinião pública e a circulação da informação de que o jato teria usado inclusive uma área militar do aeroporto de Bogotá, a Força Aérea da Colômbia divulgou uma nota dizendo ser falsa a informação, a despeito de haver registro detalhado do voo em diferentes plataformas de monitoramento.
O PlatôBR perguntou ao Itamaraty sobre eventuais compromissos de autoridades ou oficiais venezuelanos no Brasil no período. A resposta foi que não há informações sobre o assunto. Também acionada, a Força Aérea Brasileira não prestou informações até a publicação desta reportagem.
O governo brasileiro não reconheceu o resultado da eleição de Nicolás Maduro, mas enviou uma representante, a embaixadora do país em Caracas, para a cerimônia. A decisão foi criticada pela oposição. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o PT mantêm uma proximidade histórica com o regime chavista da Venezuela. O partido, aliás, chegou a se defender o resultado declarado das eleições, apesar das inúmeras evidências de fraude e das críticas da comunidade internacional à condução do processo.
A resistência do Planalto em reconhecer a suposta vitória de Maduro, por sinal, não foi bem recebida por Caracas, que esperava uma postura de alinhamento a qualquer custo em razão dos laços de longa data com o petismo e com Lula. Setores do governo venezuelano atacaram abertamente o presidente brasileiro.
Em outubro do ano passado, a Polícia Nacional da Venezuela publicou um post nas redes sociais que soou como ameaça, com a imagem de Lula e da bandeira brasileira acompanhada da seguinte frase: “Quem se mete com a Venezuela se dá mal”.
A posse de Nicolás Maduro, nesta sexta-feira, 10, foi acompanhada por protestos populares e denúncias de perseguição a opositores, como María Corina Machado, que denunciou ter sido detida pelas forças leais ao regime. Edmundo González Urrutia, o candidato que teria vencido Maduro nas eleições, disse que está por vir uma surpresa que abalará o continente e prometeu voltar em breve ao país.
Em razão da tensão em torno da posse, a Venezuela fechou a fronteira com o Brasil e a Colômbia. Neste sábado, 11, o Itamaraty divulgou nota na qual condena as ameaças aos opositores de Maduro e exorta o regime a buscar o diálogo e respeitar os direitos humanos. “O governo brasileiro acompanha com grande preocupação as denúncias de violações de direitos humanos a opositores do governo na Venezuela, em especial após o processo eleitoral realizado em julho passado”, diz um trecho do texto.