Congresso se move em busca de respostas ao tarifaço de Trump
Governo, Centrão e oposição devem apoiar a proposta relatada pela senadora Tereza Cristina que estabelece parâmetros nas relações comerciais com outros países, a despeito de ala bolsonarista, que aplaude o presidente dos EUA, mas no Senado é minoria
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Siga noNa busca de uma reação aos rompantes protecionistas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o Congresso brasileiro voltou os olhos para uma questão que até então era vista com desdém por setores ligados à indústria e ao agronegócio: o princípio da reciprocidade. Na última semana, a proposta que torna lei esse conceito já adotado pela tradição diplomática brasileira ganhou força e avançou no Senado.
O projeto de lei nº 2.088/2023, de autoria do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), foi apresentado com o objetivo de exigir que países exportadores cumprissem padrões ambientais equivalentes aos do Brasil para que seus produtos fossem aqui comercializados. Mas, após as ameaças do presidente americano, a senadora Tereza Cristina (PP-MS) apresentou um substitutivo que amplia a reciprocidade para além das questões ambientais. O texto estabelece que a regra deve valer para todos os aspectos, inclusive para devolver na mesma medida as tarifas que, porventura, possam ser impostas ao país.
A proposta passou pela Comissão de Meio Ambiente (CMA) e estava prevista para ser votada nesta quarta-feira, 19, na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). A decisão ficou para a semana que vem, devido a um pedido de vistas do senador Oriovisto Guimarães (PSDB-PR). Caso seja aprovado, o projeto seguirá diretamente para a Câmara, sem ter que passar pelo plenário do Senado.
A senadora, que foi ministra da Agricultura no governo de Jair Bolsonaro (PL-RJ), destoa do antigo chefe nesse assunto. A família do ex-presidente tem relações próximas com Trump e conta com ajuda dos Estados Unidos para tentar se livrar das acusações de ter tentado um golpe de Estado no Brasil. A parlamentar, nesse caso, preferiu se alinhar às preocupações do agronegócio, sua base eleitoral, apreensiva diante da possibilidade de tributação pesada sobre os produtos de exportação brasileiros. Nesta quarta, Cristina disse ao PlatôBR que confia na aprovação da medida e que não acredita que haverá recursos para que a matéria seja levada para o plenário do Senado. “Devemos votar na semana que vem na comissão”, afirmou.
A convicção da senadora se baseia no apoio do Centrão, do governo e das bancadas ruralistas à proposta. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, que esteve no Senado para falar sobre as medidas tomadas pelo governo para conter a inflação de alimentos, e disse ao PlatôBR que, diante de “um mundo um pouco diferente”, apoia o texto da senadora. “Eu acho legítimo. Em momentos de narrativas, dá um equilíbrio diante das ameaças de supertaxas”, disse o ministro. Na sequência, ironizou: “O mundo está um pouco diferente. Vejam que um governo que é dito liberal (de Trump) está criando taxas, barreiras e dificuldades. Já um governo progressista como o do presidente Lula, não toma medidas heterodoxas, por exemplo, em relação à inflação de alimentos”.
O Ministério de Relações Exteriores (MRE), que adota a reciprocidade como princípio da tradição diplomática brasileira, também concorda com a proposta em tramitação no Congresso. Fontes diplomáticas apontam que o projeto de lei fornece instrumentos legais para que o país possa reagir. Até agora, O Itamaraty tem evitado fazer barulho sobre esse assunto e procurado tratar a questão no nível técnico, sem partir para a discussão política ou ideológica.
Esse comedimento tem um fundamento. As medidas anunciadas por Trump são consideradas tão primárias em termos de relações internacionais que são vistas como blefe, bravata ou recuo perante a deterioração do ambiente econômico nos Estados Unidos devido às taxações. “O quadro exige calma”, disse um diplomata. “Vamos ver se há algum avanço ou se as tarifas vão ser mantidas, sem cotas e sem exceções”, observou.
O vice-presidente Geraldo Alckmin deu esse tom no início do mês, quando classificou a taxação de 25% do aço importado pelos Estados Unidos como uma “medida equivocada” e que não deveria ser tratada como “olho por olho” e sim focado no “ganha-ganha”. “Então, é reciprocidade e buscar o diálogo”, disse Alckmin.
O clima favorável do Senado deverá ser o mesmo na Câmara, onde bolsonaristas que se insurgirem contra o projeto tendem a ficar isolados. O deputado Alberto Fraga (PL-DF), ligado ao ex-presidente, chamou a atenção para o fato de que essa proposta trata da soberania do país e, diante disso, no seu entender, não há espaço para discursos em defesa dos Estados Unidos. “Sem sombra de duvidas, o PL vai apoiar essa proposta, que não depõe contra a ideologia do PL. A reciprocidade, nesse caso, vem para defender a soberania nacional. Trata do direito do país responder à altura a uma agressão injusta”, afirmou o parlamentar. Ele ainda citou a influência do Centrão, que pode acabar com qualquer arroubo bolsonarista de se contrapor ao projeto: “Se o Centrão está a favor, acabou. Já está aprovada”.
Propriedade intelectual
Nesta quarta, o pedido de vista do senador Oriovisto se deu muito mais sobre a questão da propriedade intelectual, item periférico do texto, do que em relação à reciprocidade, ideia central. É que o substitutivo permite que o Conselho Estratégico da Camex adote contramedidas como “a suspensão de concessões ou de outras obrigações do país relativas a direitos de propriedade intelectual”.
A senadora explicou que seu relatório não foi construído para retaliar um país específico, e que as reações devem ser proporcionais às políticas adotadas por parceiros comerciais, sem substituir o diálogo para se resolver impasses. “Isso (a reciprocidade) é para ser usada em último caso, não uma regra”, disse a senadora.