Uma em três mortes por câncer de pele é causada pela exposição à radiação ultravioleta em atividades laborais ao ar livre, afirma a Organização Mundial da Saúde (OMS), no primeiro relatório que avalia o impacto ocupacional na doença. O documento, lançado nesta quarta-feira (8/11) em uma coletiva de imprensa on-line, mostra que, em 2019, 1,6 bilhão de pessoas ao redor do mundo exerciam suas funções diretamente sob o sol — no Brasil, 2,4 trabalhadores formais em 100 mil estavam nessa situação no ano base da pesquisa.
De acordo com a OMS, há quatro anos, ocorreu, em média, 0,3 óbito por 100 mil empregados acima dos 15 anos pelo tipo não melanoma do tumor. A agência das Nações Unidas (ONU) destaca que as regiões mais afetadas são as Américas, a Europa e o Pacífico. "A exposição desprotegida à radiação solar ultravioleta no trabalho é uma das principais causas de lesões cutâneas cancerígenas ocupacionais", disse, em nota, Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS. "Mas existem medidas eficazes para proteger os trabalhadores e prevenir os seus efeitos mortais."O relatório avaliou 53 estudos que totalizam 457 mil participantes, referentes a 195 países. Ajustados, os dados mostram que, embora a exposição laboral à radiação ultravioleta tenha diminuído quase um terço entre 2000 (41,9%) e 2019 (28,4%), houve um aumento de 88% na mortalidade por câncer de pele não melanoma no período. Além disso, estima-se que a situação ocupacional esteja associada a 77% mais anos de vida perdidos entre 2000 e 2019, uma métrica que aponta mortes prematuras ou o tempo em que uma pessoa ficou incapacitada, fora do mercado.
Proteção
"Um ambiente de trabalho seguro e saudável é um direito fundamental no trabalho", disse Gilbert F. Houngbo, diretor-geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT), também da ONU. "A morte causada pela exposição desprotegida à radiação solar ultravioleta enquanto se trabalha é em grande parte evitável por meio de medidas custo-efetivas. É urgente que os governos, empregadores e trabalhadores e os seus representantes trabalhem em conjunto, definindo direitos, responsabilidades e deveres para reduzir o risco ocupacional de exposição aos raios UV. Isso pode salvar milhares de vidas todos os anos", assinalou.
Além do relatório, a OMS publicou ontem, na revista Environment International, um artigo com os destaques do documento. "Os trabalhadores poderiam receber treinamento, bem como roupas de proteção individual (por exemplo, chapéu de abas largas, camisas de mangas compridas, calças compridas) e protetor solar, para trabalhar ao ar livre", sugere o principal autor, Frank Pega, epidemiologista do Departamento de Mudanças Climáticas e Saúde da OMS. "A exposição à radiação é um conhecido carcinogênico", destacou.
Pega defendeu, ainda, que os serviços de saúde ocupacional ofereçam exames regulares para câncer de pele, focando nos grupos de risco. Para a OMS, governos deveriam fornecer protetores solares à população. No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) distribui o produto, desde que com relatório médico apontando a necessidade do uso.
Embora o câncer de pele melanoma também possa ser causado pela radiação ultravioleta, o relatório e o artigo da OMS concentram-se no tipo não melanoma por estar associado à exposição contínua ao sol, caso dos trabalhadores que exercem suas funções ao ar livre. "Como os danos da radiação são cumulativos e o tempo de exposição laboral, quando existe, é muito maior comparado à exposição em atividades recreativas, e muito mais recorrentes, isso faz com que o fotodano seja muito mais impactante sobre as alterações nucleares que causam os cânceres não melanomas", explica o dermatologista Danilo S. Talarico, professor do Instituto da Pele de São Paulo.
Estudos demonstraram que a exposição à radiação ultravioleta solar pode aumentar o risco de desenvolver câncer de pele não melanoma devido a danos no DNA e mutações genéticas. O relatório da OMS mostrou que a probabilidade de ter a doença foi 60% maior entre pessoas que trabalham sob o sol, em comparação àquelas que desenvolvem suas atividades laborais em ambientes internos. Outra constatação da pesquisa é que morreram mais homens de câncer de pele não melanoma associado aos raios UV do que mulheres.
TRÊS PERGUNTAS PARA Fernanda Seabra, mestre em melanoma, dermatologista da Oncolínicas Brasília e membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia
Como a exposição ocupacional à radiação solar ultravioleta pode causar câncer de pele não melanoma?
A radiação ultravioleta mais relacionada ao câncer de pele não melanoma é a B. Esses raios solares estão mais concentrados entre as 9h até as 16h. A radiação solar é capaz de provocar mutações celulares em camadas específicas da pele, podendo originar o carcinoma basocelular ou o carcinoma espinocelular (cânceres de pele mais comuns). O padrão de exposição solar é determinante no aparecimento do câncer de pele. O padrão crônico e contínuo está relacionado aos cânceres de pele não-melanoma. Já o padrão crônico e intermitente, ao melanoma. Por isso que a exposição solar ocupacional está mais relacionada ao câncer de pele não melanoma.
No caso do câncer de pele melanoma, qual a relação com os raios ultravioletas?
O melanoma também tem como fator de risco a exposição solar. Pacientes mais claros, com história de queimadura solar na infância/adolescência e história familiar de melanoma têm mais risco. O padrão de exposição solar para o melanoma é a exposição crônica e intermitente. Os pacientes com fator de risco para câncer de pele — seja melanoma ou não melanoma — devem fazer seguimento dermatológico rigoroso.
A senhora acredita que o protetor solar deveria fazer parte dos equipamentos de proteção individuais (EPIs)?
Moramos em um país tropical, temos uma incidência importante dos raios ultravioleta. Acho, sim, que o protetor solar e os protetores físicos deveriam fazer parte dos equipamentos de proteção de trabalhadores expostos. Protetor solar deve ser aplicado a cada três horas e os protetores físicos como chapéu, boné, óculos escuros, roupas de proteção UV também devem ser utilizados.