Imagine: você teve um dia cansativo, deitou na cama e desmaiou. No dia seguinte acordou com o companheiro falando que ouviu o seu ronco durante toda a noite. Apesar de ser considerado normal roncar após uma rotina desgastante, pode ser que não esteja tudo bem e nem é saudável para o organismo.
O problema é causado pelo barulho da vibração dos músculos presentes nas vidas aéreas. O que normalmente acontece é que, durante o sono, a língua, o “sininho” da garganta (úvula) e a parte atrás do céu da boca (palato mole) tendem a relaxar e se expandir, estreitando as vias aéreas. E é aí que surge esse ruído, com o relaxamento excessivo desses tecidos, que pode ser causado por diferentes fatores, como o consumo de álcool, o uso de medicamentos ou até mesmo a idade.
Entre a população geral, 25% é composta por roncadores crônicos. Entre os homens, até 60% sofre com o problema, enquanto nas mulheres essa taxa é, aproximadamente, de 40%. Até entre as crianças ele se faz presente - afeta de 10% a 20%.
"Do ponto de vista clínico, o ronco é visto como uma obstrução parcial da via aérea, e isso não é considerado normal, tampouco apenas um incômodo. É um problema que merece atenção, um complicador da saúde e da qualidade do sono”, esclarece o pneumologista especialista em medicina do sono pela Associação Brasileira de Medicina do Sono (ABMS), Gleison Guimarães.
Especialmente em crianças, o ronco pode interferir na anatomia orofacial, elevar o céu da boca e causar alterações no nariz, como desvio de septo. Já um adulto que desenvolveu o hábito desde jovem também está propenso a complicações causadas pelas alterações crônicas.
"Além disso, o ronco pode aumentar as chances de que você desenvolva problemas futuros, como apneia", pontua o membro da American Academy of Sleep Medicine (AASM) e da European Respiratory Society (ERS).
Estar obeso ou acima do peso pode influenciar nessa questão, assim como o consumo do álcool e remédios para dormir, que relaxam a musculatura e dificultam a passagem do ar. O cigarro inflama os tecidos da via e causa o mesmo efeito do ronco.
Para quem sofre com desvio de septo, a cavidade nasal fica mais estreita, favorecendo a obstrução das vias aéreas e as vibrações características do problema. Já a mandíbula recuada favorece o estreitamento das vias, pois influencia na posição de músculos como a língua. Amígdalas, língua ou palato mole grande também obstruem a passagem de ar. Além disso, com o envelhecimento, os músculos tendem a relaxar e se expandir.
O ronco atrapalha também a vida de quem está ao lado. A intensidade e a regularidade do som produzido interrompem o sono da pessoa, resultando em noites mal dormidas, fadiga diurna, irritabilidade e até mesmo problemas de saúde a longo prazo.
“Lidar com a questão do ronco de alguém tão próximo e íntimo certamente é algo desafiador. É uma relação de amor e carinho que está em foco, antes de qualquer coisa. O problema requer uma abordagem afetuosa e respeitosa, a fim de melhorar a qualidade do sono de ambos os indivíduos envolvidos”, esclarece Gleison Guimarães.
Um ronco alto e prolongado pode ser sintoma de um distúrbio do sono grave, também conhecido como apneia obstrutiva do sono. Essa é a causa mais grave do ronco e ocorre quando as vias aéreas se estreitam a ponto de ficarem bloqueadas, quando ocorre a interrupção do fluxo de ar durante a noite por, pelo menos, 10 segundos.
De acordo com o médico-cirurgião de cabeça e pescoço da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ullyanov Toscano, a apneia pode aumentar o risco de hipertensão, acidente vascular cerebral (AVC) e infarto, por exemplo. Além disso, é possível ter sonolência excessiva durante o dia, cansaço e dor de cabeça.
Um dos tratamentos disponíveis para combatê-la é o marca-passo da língua. "Funciona por meio de pequenos choques elétricos e impede o relaxamento da musculatura da língua e da faringe, não obstruindo a passagem de ar”, comenta o especialista.
Mesmo que o parceiro não se importe com o ronco, vale a pena consultar um médico especialista em distúrbios do sono e falar sobre episódios frequentes. Nos casos em que há suspeita de apneia do sono, o médico pode realizar exames para determinar o quadro e orientar o melhor tratamento para a condição. A cirurgia robótica tem sido mais uma opção para esses casos.