SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O uso de anticoagulantes para evitar a formação de trombos que podem levar aos chamados derrames ou AVCs (acidente vascular cerebral) em pacientes com fibrilação atrial, o tipo mais comum de arritmia cardíaca, já é comprovadamente eficaz.
Um novo estudo, publicado em novembro na revista especializada Nejm (The New England Journal of Medicine), uma das mais importantes da área médica, apontou que a apixabana, um anticoagulante oral seguro e eficaz, reduziu em 37% o risco de AVC em pacientes com fibrilação atrial controlada por marcapasso (chamada subclínica), comparado ao tratamento com aspirina (usado como grupo controle).
A eficácia foi ainda maior na proteção de AVCs graves (fatais ou incapacitantes), de 49%. Embora o anticoagulante tenha provocado um leve aumento na incidência de sangramentos nos pacientes do estudo, em comparação à aspirina os sangramentos foram mais leves e em áreas na região intracraniana com menor risco para causar hemorragias cerebrais.
A pesquisa foi conduzida em mais de 200 centros em 16 países (Estados Unidos, Canadá e Europa) e foi liderada pelo cardiologista brasileiro e professor da Universidade de Duke, Renato Lopes, e também pesquisadores do Instituto do Coração de Ottawa (Canadá), da Universidade de Montreal e da McMaster University (Ontario), além de outras instituições.
"A eficácia da apixabana para pacientes com fibrilação atrial clínica já era conhecida, mas a grande pergunta era se em pacientes que controlam os batimentos o risco de sangramento por anticoagulante superaria os benefícios. E nós vimos que não, que o benefício líquido [final] é muito maior, na redução inclusive de casos graves de AVC", disse Lopes à reportagem.
Para avaliar a eficácia do anticoagulante para a prevenção de AVC, os pesquisadores analisaram 4.012 pacientes com fibrilação atrial subclínica controlada por marcapasso ou implantes e com ou sem histórico de derrames. A idade média dos participantes era de 76,8 anos e pouco mais de um terço (36,1%) eram mulheres. Os pacientes foram divididos em grupos para receber 5 miligramas duas vezes ao dia de apixabana ou uma dose diária de 81 mg de aspirina.
No grupo que recebeu a intervenção (apixabana), foram registrados 55 casos de derrame, contra 86 no grupo controle (aspirina). A razão de risco ou HR calculada é de 0,63 (HR = 0,45 a 0,88, com intervalo de confiança 95%), isto é, a apixabana reduziu em 37% o risco de um AVC. Nos pacientes tratados com apixabana, 18 dos 55 AVCs registrados foram graves, contra 36 dos 84 ocorridos entre os pacientes tratados com aspirina, indicando uma redução no risco de um AVC grave de 49% (HR = 0,51, com IC 95%).
"Um outro achado deste estudo, além de mostrar a prevenção de AVC com a apixabana neste grupo de pacientes, é que a própria aspirina esteve associada a eventos de sangramento mais graves, comprovando achados anteriores de como a aspirina pode provocar sangramento se usada diariamente em pacientes com risco cardíaco", avalia.
Segundo Lopes, a pesquisa agora irá servir de base para a produção de uma nova diretriz brasileira de fibrilação atrial, que deve levar em consideração o benefício de pacientes com o quadro subclínico iniciarem o tratamento anticoagulante para reduzir o risco cardiovascular.
Além disso, um estudo mais refinado, analisando os diferentes desfechos encontrados em cada subgrupo, deve ajudar ainda mais a orientar o tratamento adequado para cada paciente.
Uma das limitações da pesquisa, ainda de acordo com o pesquisador, é que ela incluiu somente aqueles pacientes cardíacos que já tinham passado por uma intervenção cirúrgica ?um grupo com idade mais avançada e comorbidades que podem agravar o risco de derrame.
"Existe uma pesquisa em andamento, que não temos ainda conhecimento sobre os resultados, de avaliação da fibrilação atrial subclínica em pacientes mais jovens, sem implante cardíaco, e que monitoram seus batimentos por meio de relógios e outros dispositivos de saúde. Ela também será interessante para descobrir se a anticoagulação é eficaz ou não na prevenção de AVCs", explica.
O cardiologista entende que a chamada inércia terapêutica é uma das principais barreiras para o avanço de novas diretrizes e protocolos terapêuticos no país. "Isso passa por todos, desde o paciente, familiares, até médicos e profissionais de saúde em clínicas e hospitais. Por isso, nossa melhor ferramenta é a educação, através de estudos científicos sólidos, que ajudam a orientar na melhor prática", disse.