Estudo realizado pelo Fred Hutchinson Cancer Research Center, nos Estados Unidos, aponta que a resistência à insulina no cérebro reduz a capacidade de remover detritos neuronais e, consequentemente, aumenta o risco para doenças neurodegenerativas. Na pesquisa, publicada na revista Plos Biology, a equipe alimentou de forma distinta, por mais de três semanas, dois grupos de drosófilas (moscas de frutas). Um foi submetido a uma alimentação padrão, e outro se alimentou de dieta contendo cerca de 30% de açúcar. No cérebro do grupo alimentado com excesso de açúcar, constatou-se degeneração em estruturas que atuam na remoção de detritos do sistema nervoso central. Além disso, houve a redução dos níveis de uma enzima utilizada como marcador da resposta à insulina, um indicativo claro de resistência ao hormônio em importantes células cerebrais.
Conforme explica o nutricionista especialista em bioquímica celular Felipe França, a insulina é uma substância crucial que ajuda as células a absorver a glicose para obter energia, no entanto, o excesso crônico de açúcar pode fazer com que as células se tornem menos responsivas à insulina, dificultando a entrada de glicose. “Quando consumimos grandes quantidades de açúcar, seja em alimentos processados, refrigerantes ou doces, nosso corpo enfrenta um desafio em processar essa quantidade excessiva. O pico de glicose no sangue resultante pode levar a um fenômeno chamado resistência à insulina”. O problema é que o equilíbrio adequado da glicose no cérebro é essencial para seu funcionamento, conforme explica a nutricionista Patrícia Lara, também especialista em bioquímica celular e oxidologia. “O cérebro é um aparelho altamente especializado, que não pode ter cortes de energia, e a energia dele é fornecida basicamente por três elementos: oxigênio, glicose e ácidos graxos provenientes das gorduras. Um cérebro sem glicose dificilmente vai conseguir produzir neurotransmissores, que são os comandos de bem-estar que nós temos”.
Entre os neurotransmissores produzidos pelo cérebro estão serotonina e dopamina, e baixos níveis dessas substâncias são relacionados a outras doenças do funcionamento cerebral como depressão, transtorno de ansiedade e outros. A nutricionista Renata Brasil, da Soloh Clínica de Nutrição, reforça que os altos níveis de açúcar no sangue são um ponto em comum entre esses transtornos mentais comuns da atualidade e doenças neurodegenerativas de forma geral. “Tem estudo relevante indicando que mulheres com diabetes têm probabilidade quase 30% maior de desenvolver depressão e Alzheimer. Enquanto apresentaram cerca de 50% a menos de chance de desenvolver essas doenças, aquelas que fizeram uso de insulina, ou seja, que fizeram esse controle dos níveis de glicose no sangue. Aqui estamos falando de Alzheimer, mas o mecanismo se aplica também a outros transtornos inflamatórios, como doença de Parkinson, esclerose múltipla e até mesmo alguns pacientes autistas”.
A mudança de hábitos, retirando o açúcar da alimentação, foi essencial para melhorar a disposição de Carmen dos Santos, de 62 anos. Paciente de Renata, ela conta que tem histórico de depressão e síndrome do pânico, mas que, fazendo a dieta que cortou o açúcar, junto ao acompanhamento psiquiátrico, sentiu diferença no dia a dia. “Eu tinha uma verdadeira paixão por doces e, por muitos anos, tudo que tinha açúcar, eu estava lá, inclusive me levantava à noite para comer. Não dormia direito e meu humor era terrível nessa época, tinha muito desânimo, sem vontade de sair e até de cuidar das minhas obrigações cotidianas." Quando começou a fazer dieta, ela relata que chegou a se perguntar se o açúcar era tão ruim assim. “Eu ia para academia num desânimo só, mas foi só começar a dieta e cortar totalmente o açúcar da minha vida, fez toda a diferença. Comecei a criar outros costumes e comecei a ver as transformações que ocorreram em mim. Foi impressionante. Não foi fácil, mas hoje me sinto mais leve e feliz, não precisei de tomar medicamentos para diabetes e percebi melhora da minha ansiedade ”.
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A geriatra Simone de Paula Pessoa Lima, da empresa de home care Saúde no Lar, também reforça a importância de controlar os níveis de açúcar na alimentação e manter um estilo de vida saudável para a saúde e proteção do cérebro de forma geral, especialmente pensando nos efeitos a longo prazo. “O excesso de açúcar na alimentação está fortemente relacionado à resistência periférica à insulina, distúrbio metabólico que ocorre antes da diabetes, bem como ao risco aumentado de problemas cardiovasculares, como hipertensão, dislipidemias e doenças cardíacas. Essa resistência à insulina periférica também está associada à resistência à insulina que ocorre no sistema nervoso central que, favorecendo um ambiente pró inflamatório, prejudica os neurônios, ocasionando sua degeneração e desenvolvimento de doença de Alzheimer”.
A doença de Alzheimer, conforme explica Felipe França, está ligada ao diabetes tipo 3 que, de acordo com ele, tem sido associada, em estudos, à resistência à insulina no cérebro. “Quando as células cerebrais têm dificuldade em absorver glicose, sua principal fonte de energia, isso pode levar a danos e disfunção. Os estudos mostram que a relação entre diabetes e Alzheimer está ancorada em processos bioquímicos, incluindo a ativação de enzimas prejudiciais que desempenham um papel crucial na formação de emaranhados neurofibrilares e na formação de placas de proteína beta-amiloide, que são marcas registradas da doença de Alzheimer e função cognitiva."
Além de levar a disfunções no cérebro, complementa França, o excesso de açúcar, a resistência à insulina e o diabetes desencadeiam processos inflamatórios no corpo. “Essa inflamação crônica está relacionada a uma série de problemas de saúde, incluindo novamente a deterioração das células cerebrais. A resistência à insulina no cérebro também afeta a neurotransmissão e a plasticidade sináptica, comprometendo as funções cognitivas. Essas alterações podem contribuir para o declínio cognitivo observado em pacientes com diabetes tipo 3”.
Por outro lado, retirar o açúcar e ultraprocessados da alimentação pode melhorar os sintomas de doenças ligadas ao funcionamento cerebral. “Temos muitos casos de pacientes que tiveram melhora, não só auxiliando no controle da depressão, como também na melhora do sono e crises de ansiedade. Cabe ressaltar que o açúcar que a gente deve ingerir é o açúcar natural, aquele que encontramos nas frutas, por exemplo, mas consumindo a fruta, não açúcares criados na indústria. O açúcar que adicionamos foi criado, sintetizado com intervenção humana, então ele traz sim seus prejuízos para a saúde, principalmente quando consumido em excesso. Deve-se procurar consumir os açúcares naturais, presentes nos alimentos da natureza, aliados a uma dieta saudável e à prática de exercício físico. Assim, é possível ter o controle glicêmico, a carga inflamatória mais controlada e, dessa forma, com o conjunto de todos os fatores, exercício físico, sono, redução do açúcar, controle da carga inflamatória, chegar a um resultado positivo para ajudar, tanto no tratamento, quanto na prevenção de doenças neurodegenerativas e transtornos mentais comuns”.