A diversidade dos micro-organismos que existem dentro do sistema digestório da nossa espécie é crucial para impedir que micróbios causadores de doenças se multipliquem no intestino, indicam experimentos conduzidos por cientistas europeus. Ao que tudo indica, bactérias benéficas impedem que as vilãs causem problemas de saúde porque competem entre si por nutrientes. Os resultados, se estiverem corretos, podem ser um passo importante para a criação sob medida de "fazendas de micróbios" no sistema digestório, capazes de proteger as pessoas de infecções que são difíceis de tratar depois que se instalam no organismo.
A pesquisa, que acaba de sair na revista especializada americana Science, é fruto de uma colaboração entre cientistas da Universidade de Oxford, no Reino Unido, e da Universidade de Estrasburgo, na França. Liderados por Kevin Foster e Olivier Cunrath, os pesquisadores conduziram uma série de testes para tentar identificar qual seria a melhor receita para um intestino equilibrado, menos vulnerável a bactérias patogênicas.
Já se sabe há muito tempo que o intestino humano (e, claro, o dos outros animais) é habitado por uma enorme diversidade de micro-organismos, assim como acontece com outras partes do nosso corpo, como a pele. Em certo sentido, é como se fosse uma floresta ou oceano em miniatura, na qual essas espécies usam os recursos do ambiente e cooperam ou competem entre si.
A presença de tais criaturas é importante, por exemplo, para a absorção de certos nutrientes dos alimentos que o organismo humano não é capaz de capturar com a mesma facilidade sem essa ajuda. Há ainda indícios de que a presença de determinadas comunidades microbianas pode influenciar na obesidade ou em disfunções metabólicas. E também já havia dados indicando a importância da microbiota (conjunto de micro-organismos) intestinal para a proteção contra bactérias causadoras de doenças. Os experimentos feitos por Foster, Cunrath e seus colegas tentaram investigar as raízes do processo, primeiro in vitro e depois em camundongos cuja microbiota foi rigidamente controlada desde o nascimento.
O passo inicial do processo foi testar bactérias benéficas uma a uma, confrontando-as com dois micróbios problemáticos: a Salmonella enterica (que pode causar gastroenterite) e a Klebsiella pneumoniae, cuja presença aumenta o risco de infecções resistentes a antibióticos em outros pontos do organismo. De início, os pesquisadores perceberam que os micróbios "do bem", quando isolados, não eram capazes de impedir a multiplicação da Salmonella e da Klebsiella. Passo seguinte: ir adicionando mais micro-organismos benéficas ao coquetel: cinco, 10 e até 50 espécies diferentes. Foi então que a coisa começou a mudar de figura.
O efeito de controle dos micróbios patogênicos (causadores de doenças) logo se fez sentir, e crescia na mesma proporção que novas bactérias "amigas do intestino" eram acrescentadas à mistura. No entanto, nem todas tinham o mesmo efeito benéfico: era preciso que a combinação de espécies contivesse ao menos a espécie bacteriana Escherichia coli, junto com outros micróbios, para que fosse possível evitar a multiplicação das espécies patogênicas.
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As razões profundas por trás disso começaram a ficar um pouco mais claras quando os pesquisadores examinaram detalhadamente as regiões do DNA dessas espécies bacterianas responsáveis pela produção de proteínas basicamente os tijolos essenciais da construção das células. O que eles verificaram é que existe uma sobreposição grande entre as necessidades básicas de produção de proteínas do conjunto das bactérias benéficas e as das nocivas, muito provavelmente indicando que elas precisam consumir um conjunto parecido de nutrientes para sobreviver.
Ou seja, é como se as bactérias "do bem" devorassem o jantar das vilãs, deixando-as sem meios de continuar se multiplicando, uma hipótese que foi confirmada por outros experimentos. Em tese, seria possível usar esse tipo de informação para produzir um contra-ataque bacteriano a determinada infecção de maneira precisa.