Nas últimas décadas, a fertilidade masculina tem sofrido um declínio significativo, com redução drástica na qualidade do sêmen. Para se ter uma ideia, um estudo de 2022 mostrou que a média global da contagem de espermatozoides no sêmen decaiu de 101 milhões/ml em 1973 para 49 milhões/ml em 2018. E a tendência é que esse processo continue. “Não se sabe, de maneira definitiva e precisa, qual o motivo por trás desse declínio na fertilidade masculina, mas acreditamos que esteja relacionado com uma grande variedade de fatores ambientais e de estilo de vida, incluindo estresse, tabagismo, consumo de álcool, alimentação e exposição a disruptores endócrinos, pesticidas e radiação”, explica o especialista em reprodução humana, membro da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva (ASRM) e diretor clínico da Neo Vita, Fernando Prado. E, agora, um estudo publicado em novembro no periódico Fertility and Sterility apontou que outro fator que passou a fazer parte da vida de todo e qualquer homem nos últimos anos também pode estar contribuindo com o problema: o uso de celulares.
Para chegar a essa conclusão, pesquisadores da Universidade de Geneva se basearam em dados de 2.886 homens suíços entre 18 e 22 coletados entre 2005 e 2018 em seis centros de recrutamento militar. Os participantes completaram um questionário detalhado sobre seu estado geral de saúde e hábitos, especificamente sobre a frequência com que utilizavam seus celulares e também onde os colocavam quando não estavam em uso. Com isso, foi possível observar que a concentração média de espermatozoides era significativamente maior no grupo de homens que não usavam o celular mais de uma vez por semana em comparação com aqueles que usavam o aparelho mais de 20 vezes por dia.
A diferença foi de 56.5 milhões/ml no primeiro grupo contra 44.5 milhões/ml no segundo. “Isso corresponde a uma diminuição de mais de 20% na concentração de espermatozoides em usuários frequentes de celulares. Mas vale ressaltar que a fertilidade masculina não é definida apenas pela contagem de espermatozoides. A qualidade do sêmen é determinada por uma série de parâmetros além da contagem total, incluindo motilidade e morfologia dos espermatozoides, por exemplo. E é curioso notar que, no estudo, essas características não pareceram diminuir com o uso aumentado dos celulares assim como ocorreu com a concentração. E a habilidade dos espermatozoides nadarem, possuírem um DNA saudável e estarem no formato adequado é tão importante quanto seu número”, explica o médico.
Os pesquisadores ainda observaram que essa associação era mais forte no primeiro período do estudo, entre 2005 e 2007, e gradualmente diminuiu com o passar dos anos. “Essa mudança corresponde a transição do sinal 2G para o 3G e, depois, do 3G para o 4G, o que contribuiu para uma redução na potência de transmissão dos celulares”, explica Fernando. Além disso, não foi encontrada relação entre o local onde o celular é guardado, no bolso por exemplo, e uma diminuição nos parâmetros de qualidade do sêmen. No entanto, o número de participantes que disseram não transportar o celular junto ao corpo era pequeno demais para que qualquer conclusão sólida pudesse ser formulada sobre essa questão.
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Esse é o maior estudo transversal publicado sobre esse tema até hoje. “Estudos anteriores que avaliaram a relação entre uso de celular e qualidade do sêmen foram realizados com um número pequeno de participantes, com pouca informação sobre estilo de vida e com um viés na seleção, visto que os indivíduos foram recrutados em clínicas de fertilidade, levando a resultados inconclusivos”, diz o especialista. Mas o presente estudo também tem suas limitações, como o fato de a frequência de uso dos celulares ter sido relatada pelo próprio paciente. Mas, para contornar esse problema, um novo estudo já foi iniciado para medir precisamente a exposição às ondas eletromagnéticas emitidas pelo celular e seu impacto na saúde reprodutiva a partir de um aplicativo instalado no dispositivo de cada um dos participantes.
“Estudos como esse nos ajudam a compreender melhor o impacto dos dispositivos eletrônicos móveis na fertilidade masculina, o que é especialmente importante dado o aumento no uso desses aparelhos nas últimas décadas. Além de confirmar ou não essa relação, esse tipo de pesquisa também ajudará a entender de que forma, exatamente, essas ondas eletromagnéticas impactam na fertilidade, se causam, por exemplo, uma elevação na temperatura dos testículos ou então uma desregulação hormonal que prejudica a produção espermática. Essas respostas vão auxiliar no manejo da infertilidade masculina”, destaca o médico.
Mas Fernando Prado ressalta que, até que mais estudos sejam publicados, os homens não devem se desesperar com as conclusões da pesquisa. “Para melhorar e manter a fertilidade, aposte naquilo que realmente sabemos ser efetivo. Mantenha um estilo de vida saudável, pratique exercícios físicos, adote uma alimentação balanceada, controle o estresse e evite fumar e consumir bebidas alcoólicas. E, caso você esteja tentando engravidar há mais de um ano sem sucesso, busque um especialista em reprodução humana para passar por uma avaliação e receber o diagnóstico e tratamento adequado”, recomenda.