Um método de fertilização in vitro, desenvolvido por uma pesquisadora brasileira, alcança 84% de eficácia a um custo mais baixo do que os tratamentos tradicionais. A ferramenta combina análise genética e inteligência artificial e pode aumentar as chances de óvulos coletados e congelados se tornarem embriões de qualidade, possibilitando uma gestação bem-sucedida.



Lucia von Mengden, autora do estudo que originalmente era a tese de doutorado dela na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), destaca que é possível baratear o valor do procedimento em decorrência do sistema, que recebeu o nome de OsteraTest. Por se tratar de uma pesquisa brasileira, o uso de insumos nacionais barateia o processo, diminuindo seus custos em quatro vezes em relação aos métodos atuais de fertilização in vitro.

Segundo a embriologista, a média de sucesso dos procedimentos disponíveis hoje é de 25%, e em geral é realizado em quatro ciclos para conseguir uma gravidez, custando em torno de R$ 20 mil a R$ 30 mil —por ciclo. "Em vez de fazer quatro ciclos de R$ 20 mil, a gente consegue fazer um ciclo a um custo de R$ 4 mil a R$ 5 mil, e uma gravidez logo no início", afirma Mengden.

A ideia é que o tratamento, no futuro, seja absorvido no Sistema Único de Saúde (SUS) e propicie o sonho de ser mãe das mulheres que buscam na fertilização in vitro a solução para a realização do desejo. Mengden relata que, apesar do procedimento ser oferecido gratuitamente, há alguns fatores limitantes, como questão de idade e restrições diagnósticas, além do financiamento dos ciclos.

"O SUS oferece, no máximo, três ciclos por paciente. Se ela não engravidou nessas fases, infelizmente, não é mais possível financiá-la. Estamos fazendo um estudo clínico com o SUS para ver o quanto o OsteraTest aumenta, de fato, a taxa de gravidez no primeiro ciclo. Vai ter o custo do sistema, porém mais pacientes vão engravidar logo no início", ilustra a embriologista.

Técnica

Nos ovários, as células que originam os óvulos — os oócitos — são envoltas por uma cápsula, a cumulus oophorus, que não só os protege, mas participa ativamente da maturação e do desenvolvimento do gameta. Essa "capa" fornece metabólitos e dá os sinais que orquestram o processo ovulatório. Tanto o cumulus quanto o oócito são sensíveis a alterações no organismo, como idade, obesidade e doenças crônicas, que podem alterar a interação entre eles. Já in vitro, o comportamento da dupla depende diretamente das condições de cultivo. Nas técnicas atuais de fertilização, no momento da injeção do espermatozoide, a cápsula é retirada e descartada. Como esse é um material rico em informações biológicas sobre a célula que dará origem ao óvulo, além de facilmente coletado, Lucia Mengden decidiu estudá-lo como biomarcador da qualidade do gameta.

A pesquisadora analisou 223 amostras de cumulus oophorus coletadas individualmente e submetidas à eliminação de DNA genômico. Os dados obtidos foram aplicados em 15 modelos de predição para avaliar a qualidade oocitária, de maneira cega. As predições realizadas pelo modelo foram baseadas no comportamento dos genes do óvulo. "As informações de cada um dos genes daquela cápsula são jogadas no software que desenvolvemos. Assim, ele consegue prever, baseado naquele comportamento do genes, se aquele óvulo tem boas chances de gerar um embrião ou não", ilustra Mengden.

Lucilei Nishikawa, farmacêutica bioquímica, embriologista e membro da Associação Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA), explica que, no estudo, as cumulus oophorus servem como uma impressão digital com todas as características do óvulo. "Essa estrutura é essencial para que haja o desenvolvimento folicular, proteção e maturação do óvulo, além de ser rica em informações do material."

Os resultados iniciais dos testes alcançaram 72% de eficácia. Atualmente, o programa atinge 84% de assertividade. Segundo Mengden, isso é graças à capacidade de aprendizado do software. "Explicamos ao sistema o que eram óvulos bons e ruins. Sem dizer para ele se aquelas cápsulas tinham óvulos bons ou ruins, ele acertou se era bom ou ruim. Seguimos ensinando o sistema até aprimorá-lo", afirma a pesquisadora.

Previsão

Gabriella Ferreira, ginecologista e especialista em reprodução humana, do Hospital Santa Lúcia, de Brasília, ressalta que vários fatores interferem na fertilidade feminina. Segundo ela, é preciso observar a idade da mãe, o peso da futura gestante e doenças pré-existentes."É bem estabelecido pela literatura científica que a idade materna é o fator mais determinante, mas também extremos de magreza e obesidade, endometriose, tabagismo, sedentarismo, alcoolismo, alterações genéticas, doenças autoimunes, infecções sexualmente transmissíveis afetam diretamente a capacidade reprodutiva e os resultados dos tratamentos de reprodução assistida", destaca.

Na avaliação de Lucilei Nishikawa, a abordagem da pesquisadora brasileira tem a vantagem de preservar a fertilidade por meio do congelamento de óvulos. "O médico irá avaliar não apenas a quantidade de óvulos que está sendo criopreservada, como também seu potencial de desenvolvimento, conscientizando e orientando a paciente sobre prognósticos de sucesso em tratamentos futuros", afirma.

Ela também acredita que a solução tecnológica tem potencial para ampliar mais técnicas que contribuam para o sucesso da fertilização in vitro. "Sabemos que o cumulus oophorus é uma estrutura muito rica e informativa, e não há dúvidas de que o estudo enriquece o campo da reprodução assistida. A pesquisa utiliza biologia molecular com análise de amostra não invasiva e auxílio de inteligência artificial, um conjunto de tecnologias avançadas que permite elevar os níveis da ciência."

A bióloga e embriologista da Clínica Huntington, em Brasília, Beatriz de Mattos concorda com a análise. "A avaliação prévia e não invasiva do óvulo com melhor potencial ajudará na escolha final do melhor embrião com maior potencial de nascimento e diminuirá o tempo de jornada da paciente até a maternidade."

Para Matos, o novo tratamento pode levar a mudanças de protocolos. "A identificação da qualidade mais profunda dos óvulos traz orientações sobre a necessidade de novos congelamentos para aumentar o pool de óvulos e o conhecimento das chances de aproveitamento dos óvulos no futuro descongelamento, mudança de protocolos de drogas para indução ovariana e mudança de hábito de vida com impacto nos óvulos", avalia.

Com a nova técnica, a estimativa é que o número de tentativas seja reduzido, possibilitando a realização do sonho de ser mãe, como no caso de Lucy Bispo, mãe de Isaac, 4 anos, e Esther, 1 ano. Ela passou por vários ciclos até conseguir levar adiante as gestações. "Eu me agarrei à esperança de ter um filho. Quando meu bebê nasceu, e eu o peguei no colo, vieram todas aquelas emoções", diz a mãe, que hoje está com 51 anos, mas ainda preserva na memória cada etapa vivida. Ao saber do novo tratamento e das perspectivas, Lucy Bispo está confiante de que a técnica dará mais fôlego para muitas mulheres. "A gente vence o medo pela vontade de ter os filhos no colo e nos braços."
O ideal é congelar

"Sabemos que as mulheres nascem com uma certa quantidade de óvulos e vão perdendo ao longo do tempo, tanto em quantidade como qualidade. Nós orientamos a paciente que posterga a maternidade para congelar essas células porque os óvulos de uma mulher de 30 anos são diferentes dos óvulos de uma de 40. Quando há congelamento, as características e qualidade daquela idade são preservadas. Se conseguirmos, com OsteraTest, ver qual é a qualidade oocitária para congelamento vai colaborar bastante para avaliar qual é o melhor óvulo para ser congelado. Quando ele for descongelado, fertilizado e formar um embrião, saberemos que ele tem uma qualidade melhor", diz Gabriella Ferreira, ginecologista e obstetra, especialista em reprodução humana no Huntington Brasília e no Cuidar Mulher, do Hospital Santa Lúcia, em Brasília.

Agulha especial

Um estudo de pesquisadores da Universidade de Warwick, no Reino Unido, redesenhou a agulha usada nos procedimentos de fertilização in vitro, na tentativa de aumentar a probabilidade de ter um bebê por meio desse tratamento.

A equipe redesenhou a agulha para ter canais laterais especializados, direcionando o fluxo de fluido dentro do folículo para mover suavemente o ovócito em direção à ponta oca da agulha.

Segundo os autores do estudo, é menos provável que os oócitos fiquem presos ou danificados durante a extração, melhorando consideravelmente os números recolhidos nessa fase inicial do procedimento - melhorando assim as taxas de sucesso da fertilização in vitro.
Gravidez e alerta

Riscos para as mães

Aborto espontâneo: ocorre em cerca de 15% das gestações em mulheres com menos de 35 anos. Mas, entre 35 a 39 anos, a probabilidade aumenta para 25%. Nas mulheres que têm entre 40 a 44 anos, sobe para cerca de 50% e, após 45 anos, para mais de 90%.

Gestação ectópica (gravidez tubária)

O óvulo fertilizado se desenvolve fora do útero, geralmente nas trompas de Falópio. Para mulheres com 35 anos ou mais, a chance é maior de quatro a oito vezes.

Pré-eclâmpsia

Esse risco aumenta para cerca de 10% após os 40 anos e 35% após os 50 anos.

Diabetes mellitus

o risco de desenvolver diabetes na gestação é de cerca de 3%, mas aumenta de duas a quatro vezes após os 35.

Anormalidades da placenta

após os 40, existe o risco de descolamento prematuro de placenta, causando sangramento vaginal durante a gravidez e complicações durante o parto.

Riscos para o bebê

Síndromes cromossômicas: uma gestação tardia aumenta os riscos de anormalidades cromossômicas.

Ameaças: estudos mostram que, aos 30 anos, o bebê pode nascer com 0,1% de probabilidade de alterações. Esses números são três vezes maiores acima dos 35 anos e 20 vezes, quando a mulher ultrapassou os 40.

Malformações: mesmo em bebês sem anormalidades cromossômicas, há essa possibilidade, prevalecendo as alterações cardíacas.

*Estagiária sob supervisão de Renata Giraldi

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