Arthur Keith (1866-1955) foi um daqueles pesquisadores que fizeram muitas afirmações erradas e acabaram desacreditados.
Importante anatomista e antropólogo britânico do início do século 20, Keith propôs o racismo científico e se opunha à miscigenação racial.
Devido, em parte, aos seus conceitos raciais, ele se convenceu de que os seres humanos surgiram na Europa e não na África, como é universalmente aceito hoje em dia.
E foi um intenso apoiador do Homem de Piltdown, uma notória fraude envolvendo fósseis falsificados.
Keith também formulou um conceito que ficou conhecido como o Rubicão cerebral.
Ao observar que os seres humanos possuem cérebros maiores do que os outros primatas, ele defendeu que o desenvolvimento da inteligência humana só foi possível porque o tamanho do nosso cérebro atingiu um limite mínimo específico.
Para o gênero Homo ao qual pertencemos, ele acreditava que esse volume mínimo seria de cerca de 600 a 750 centímetros cúbicos. E, para a nossa espécie Homo sapiens, seria de 900 centímetros cúbicos.
Seu argumento era que qualquer cérebro com tamanho menor do que esse não teria poder de computação suficiente para sustentar o raciocínio humano.
De fato, a espécie Homo sapiens tem cérebro maior do que as demais. Mas é cada vez mais obscuro o que isso significa.
Evidências paleoantropológicas indicam que algumas espécies, como Homo naledi e os "hobbits" da espécie Homo floresiensis, tinham comportamentos complexos, mesmo tendo cérebros razoavelmente pequenos.
Estes relatos são discutíveis, mas existem também cada vez mais evidências genéticas e neurocientíficas de que o tamanho do cérebro está longe de ser o fator decisivo para a inteligência.
Na verdade, alterações do diagrama de conexões do cérebro, da forma dos neurônios e até de onde e quando certos genes são ligados, têm a mesma importância ou até maior.
Portanto, é fácil deduzir que o tamanho do cérebro não é tudo.
Inteligência com cérebro pequeno
É verdade que o cérebro humano é anormalmente grande. E esta constatação se mantém até quando examinamos o tamanho do cérebro em comparação com o nosso corpo.
"Os seres humanos são, de longe, os primatas com o maior cérebro", afirma o neurocientista Martijn van den Heuvel, da Universidade Livre de Amsterdã, na Holanda.
Também é verdade que, se você observar os últimos seis milhões de anos de evolução humana, existe uma tendência de aumento do tamanho do cérebro.
Os cérebros dos primeiros hominídeos, como o Sahelanthropus e o Australopithecus, são relativamente pequenos, mas as primeiras espécies Homo já têm cérebros maiores, até chegar ao Homo sapiens.
Mas, quando você observa os detalhes mais de perto, a história não é tão simples. Existem duas espécies que se destacam pelos seus cérebros incrivelmente pequenos.
Uma delas é Homo floresiensis, também conhecida como o "hobbit" da vida real (devido ao seu porte semelhante ao dos personagens de J. R. R. Tolkien). A outra é a espécie Homo naledi. Ambas foram descobertas no século 21.
O H. floresiensis foi descrito pela primeira vez em 2004. Eles tinham apenas um metro de altura e viveram na ilha de Flores, na Indonésia, 100 mil anos atrás. Eles foram extintos há pelo menos 50 mil anos.
O cérebro do primeiro espécime encontrado media apenas 380 cm³ – talvez atingindo 426 cm³. Este tamanho é comparável ao dos cérebros dos chimpanzés.
Ainda assim, existem fortes indicações de que o H. floresiensis produzia e utilizava ferramentas de pedra, da mesma forma que outras espécies do gênero Homo.
Estudos iniciais também demonstraram evidências de queimadas, o que sugere que os hobbits podiam controlar o fogo. Mas análises posteriores sugeriram que aquelas fogueiras foram acesas há menos de 41 mil anos. Isso indica que elas foram feitas por humanos modernos e não pelos hobbits.
Mas as ferramentas de pedra já são evidências suficientes de que os "hobbits" se portavam de formas que são impossíveis para os chimpanzés.
Uma década depois, pesquisadores da África do Sul descreveram o Homo naledi. Seus restos foram encontrados no fundo do sistema de cavernas Rising Star, que apenas exploradores experientes podem alcançar.
Como os "hobbits", os H. naledi da África do Sul tinham cérebros pequenos, mas também viveram em um passado recente, entre 200 mil e 300 mil anos atrás.
O líder da pesquisa, Lee Berger, e seus colegas descreveram marcas de fuligem no teto das cavernas. Eles interpretaram essas marcas como evidências de que o H. naledi tinha controle do fogo.
Acredita-se que eles possam ter acendido tochas para se mover na escuridão das cavernas profundas.
Em 2021, a equipe de Berger encontrou o esqueleto de uma criança H. naledi, que parecia ter sido colocado sobre uma formação em prateleiras, dentro de uma câmara com acesso extremamente difícil. Eles interpretaram a descoberta como um enterro proposital.
Em julho deste ano, os pesquisadores publicaram a continuação do seu estudo. Eles afirmaram que diversos esqueletos foram enterrados no piso da caverna, o que aumentaria as evidências de costumes funerários.
Mas este último estudo causou furor entre os paleoantropólogos. Um dos motivos foi porque Berger anunciou os resultados antes que o relatório passasse pelo processo científico comum de revisão por pares.
A divulgação incluiu o conhecido documentário da Netflix intitulado Explorando o Desconhecido: Caverna de Ossos (2023).
Quando outros pesquisadores fizeram a revisão do estudo, alguns foram extremamente críticos. Eles afirmaram que as pesquisas "não atendem os padrões do nosso campo" e que "está faltando uma quantidade significativa de informações".
O debate sobre o comportamento e as habilidades do H. floresiensis e do H. naledi, além das suas implicações sobre o papel do tamanho do cérebro, provavelmente irá continuar nos próximos anos.
Enquanto isso, outro grupo de pesquisadores abordou a evolução do cérebro humano de outra forma. Em vez de examinar ossos fossilizados, eles estudam cérebros de verdade.
A anatomia da mente
A primeira observação a fazer é que, embora os seres humanos médios tenham cérebros anormalmente grandes, o tamanho realmente varia.
"Existem pacientes com cérebros menores", afirma a neurobiologista Debra Silver, da Universidade Duke em Durham, na Carolina do Norte (Estados Unidos).
Pessoas com microcefalia – que têm a cabeça anormalmente pequena – costumam ter incapacidades intelectuais e outros sintomas. Mas Silver destaca que "ainda assim, são humanos".
Existem também casos em que as pessoas têm grandes pedaços do cérebro faltando e exibem relativamente poucos efeitos negativos.
Claramente, algo mais está acontecendo neste processo. E uma possível razão é o diagrama de conexões do cérebro, conhecido como "conectoma".
O cérebro humano contém cerca de 86 bilhões de células especializadas chamadas neurônios. Elas se conectam entre si e enviam sinais de umas para as outras.
Muitos neurocientistas suspeitam que as alterações do padrão de conexão são mais importantes para o desenvolvimento da cognição humana do que algo tão prosaico como o volume do cérebro.
"Até mesmo mudanças pequenas da conectividade, especialmente da conectividade de longo alcance, realmente geram profundas mudanças cognitivas e de comportamento", afirma o neurocientista Nenad Sestan, da Universidade Yale em New Haven, no Estado americano de Connecticut.
Particularmente, algumas partes do cérebro humano recebem informações de muitas outras regiões. Isso permite integrar diversas informações e tomar decisões adequadas.
O córtex pré-frontal, na parte da frente do cérebro, é uma dessas regiões. Sestan o chama de "CEO [diretor-executivo] do cérebro".
"Um pequeno aumento desse circuito integrativo é muito benéfico para as capacidades cognitivas humanas", concorda van den Heuvel.
Em um estudo publicado em maio deste ano, sua equipe demonstrou que os cérebros humanos e dos chimpanzés compartilham muitos padrões de conectividade similares, mas os seres humanos apresentam conectividade mais forte entre as regiões envolvidas com a linguagem.
E estas áreas integradas do cérebro também são associadas a transtornos psiquiátricos.
Em 2019, a equipe de van den Heuvel demonstrou que os padrões de conexão encontrados em seres humanos, mas não em chimpanzés, são frequentemente associados ao aumento do risco de esquizofrenia.
Esta conclusão indica que os seres humanos fizeram uma compensação evolutiva: maior inteligência, em troca de um risco maior de problemas de saúde mental.
Evidências como esta sugerem que o conectoma é importante. E quanto aos neurônios propriamente ditos? Os neurônios humanos são diferentes dos neurônios dos chimpanzés?
Células alteradas
"Existe um longo histórico de pessoas que procuram neurônios específicos no cérebro humano", segundo van den Heuvel.
Uma das primeiras tentativas foi realizada no início do século 20, pelo neurologista austríaco Constantin von Economo (1876-1931). Ele identificou neurônios em forma de fuso no córtex cerebral humano, às vezes denominados "neurônios de von Economo".
Acreditou-se inicialmente que esses neurônios fossem exclusivos dos seres humanos, explica van den Heuvel, "mas foram posteriormente descobertos neurônios de von Economo em outros cérebros".
Mais recentemente, em 2022, Sestan e seus colegas estudaram as células em uma parte do cérebro conhecida como córtex pré-frontal dorsolateral de seres humanos, chimpanzés e macacos. E eles só conseguiram encontrar um tipo de célula exclusivo dos seres humanos.
Não se tratava de um neurônio, mas de uma célula microglial – parte do sistema imunológico do cérebro. De forma geral, as células pareciam normais, mas tinham ativado um conjunto exclusivo dos seus genes.
Sestan se preocupa em não supervalorizar as descobertas.
"Não acho que isso seja fundamental", explica ele. "Não há razão para achar que as micróglias nos fornecem capacidades cognitivas."
Pode ser difícil encontrar neurônios específicos dos seres humanos, mas as proporções dos diferentes tipos celulares foram claramente alteradas ao longo da nossa evolução.
Debra Silver afirma que os neurônios de von Economo são mais comuns em seres humanos e nos grandes símios, em comparação com os outros primatas. Ela sugere que eles "podem ajudar a assumir novas tarefas".
Para compreender os neurônios modificados do cérebro humano, é preciso entender como as células crescem e se desenvolvem. Por motivos óbvios, não conseguimos estudar este processo em embriões vivos, mas os pesquisadores podem estudar neurônios crescendo em laboratório.
Nos últimos anos, eles também cultivaram "organoides" – conjuntos de células que imitam a estrutura e o comportamento de parte do cérebro em desenvolvimento.
Este campo produziu inúmeras descobertas, a maioria das quais ainda não é totalmente compreendida, segundo a neurobióloga do desenvolvimento Barbara Treutlein, da ETH Zurique, na Suíça. Mas existe um padrão que se destaca claramente.
"Nos seres humanos, leva mais tempo para produzir os neurônios e para que eles realmente amadureçam", explica ela. "Nos chimpanzés, os neurônios amadurecem mais rápido que nos humanos."
Treutlein relaciona cautelosamente esse lento amadurecimento dos neurônios ao tempo relativamente mais longo que os bebês humanos levam para se desenvolver, em comparação com os chimpanzés.
Mas ela também afirma que ainda não podemos traçar relações consistentes entre seus estudos sobre os neurônios em desenvolvimento – que nunca imitam nada além do segundo trimestre de gravidez – e o comportamento dos adultos humanos.
E existe mais um fator a ser considerado: o genoma humano e seus efeitos sobre o nosso cérebro.
A expressividade genética
É fato conhecido que os seres humanos e os chimpanzés compartilham 99% do seu DNA.
"Mas a questão é que não somos 1% diferentes dos chimpanzés", destaca Nenad Sestan. Evidentemente, a diferença é muito maior.
Os geneticistas identificaram trechos do genoma que são exclusivos dos seres humanos e muitos deles aparentemente têm função cerebral.
Um estudo de 2019 examinou trechos de DNA específicos de seres humanos e concluiu que muitos deles afetam células conhecidamente envolvidas na expansão do cérebro.
Da mesma forma, um gene chamado SRGAP2C é exclusivo do gênero Homo. Em outro estudo de 2019, pesquisadores expressaram esse gene de hominídeo em camundongos e concluíram que ele alterou o conectoma dos roedores, criando conexões adicionais entre certas camadas do córtex.
"Ele muda a atividade neuronal e a morfologia dos neurônios em nível de circuito", segundo Debra Silver.
Ao longo da evolução humana, muitos genes foram alterados.
Em fevereiro deste ano, a equipe de Martijn van den Heuvel publicou uma cronologia de 13,5 milhões de mutações específicas de seres humanos, ocorridas nos últimos 5 milhões de anos – desde o surgimento do ramo Homo na árvore evolutiva.
Eles encontraram dois surtos de mutações específicas dos seres humanos. O primeiro ocorreu há cerca de 1,9 milhão de anos, mais ou menos na época em que evoluiu a espécie Homo erectus. Já o segundo foi entre 1,5 mil e 62 mil anos atrás.
Muitas mutações relacionadas à cognição são relativamente novas, segundo van den Heuvel.
Não se trata apenas da sequência de DNA. Como sugeriu o estudo microglial de Sestan, também é questão de quais genes são ligados em cada célula.
As alterações da "expressão genética" podem fornecer às células formatos e comportamentos fundamentalmente diferentes, embora o seu genoma seja o mesmo.
Aqui, a complexidade é vertiginosa.
Um estudo sobre a expressão genética realizado em 2021 concluiu que alguns genes importantes para o cérebro podem produzir 100 proteínas cada um, dependendo da forma de sua expressão.
Um gene expresso em seres humanos em desenvolvimento, mas não em chimpanzés, controla toda uma rede de outros genes. E se acredita que estes genes estejam envolvidos no desenvolvimento do cérebro humano.
Algumas alterações da expressão genética são fascinantes. Em um estudo de 2017, por exemplo, a equipe de Sestan comparou a expressão genética no cérebro de seres humanos, chimpanzés e macacos.
Eles concluíram que alguns neurônios de uma região do cérebro humano expressam genes envolvidos na produção de dopamina, uma substância relacionada à sensação de recompensa. As células equivalentes dos macacos e chimpanzés não expressam esses genes.
"Nós cultivamos esses neurônios", conta Sestan. "Eles conseguem produzir dopamina in vitro. Se isso for confirmado em um cérebro real, nós, humanos, podemos produzir dopamina internamente no córtex."
E ele apresenta uma curiosa especulação sobre o possível significado dessa descoberta.
Os seres humanos conseguem sentir prazer apenas pensando e resolvendo problemas, o que pode ser uma característica única. Se tivermos neurônios corticais que produzem dopamina, eles podem ser "um sistema de recompensa apenas porque estamos pensando".
Mas Sestan destaca que, por enquanto, tudo isso é especulação.
Nós avançamos muito em relação à simples comparação do tamanho do cérebro dos diferentes primatas. Os cientistas, agora, procuram alterações das sequências genômicas, da expressão genética, do formato e comportamento das células e do diagrama de conexão do cérebro.
O que ainda não conseguimos é "entender como todos esses elementos interligados se tornam um sistema e esse sistema modela o nosso comportamento", explica van den Heuvel.
Barbara Treutlein e seus colegas deram um grande passo nessa direção em 2019, quando publicaram um "atlas" de todas as células do cérebro humano em estágio inicial de desenvolvimento.
E, em 2023, uma equipe de 500 pesquisadores de toda a Europa anunciou a conclusão do Projeto Cérebro Humano, um estudo que levou 10 anos para analisar a complexa estrutura e funcionamento do cérebro.
Um enorme projeto em andamento chamado Atlas das Células Humanas pretende avançar com base no conhecimento já obtido. Seus membros pretendem mapear todos os tipos de células do corpo humano: suas posições, formatos, expressões genéticas e muito mais.
"Existem muitos tipos de células no cérebro", ressalta Treutlein. O desafio será dar sentido a esse vasto conjunto de dados.
Este projeto irá levar décadas, mas já é possível tirar algumas conclusões sobre a influência exercida pelo tamanho do cérebro.
"Acho que este é apenas um dos fatores", segundo Debra Silver.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.